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Hoje é um momento histórico para a pesquisadora da Embrapa Soja, Mariangela Hungria, que, aos 68 anos, é a ganhadora do Prêmio Mundial de Alimentação de 2025. Este prêmio é amplamente considerado o “Nobel da Agricultura” e representa um dos maiores reconhecimentos no setor agrícola.
Este é um feito inédito para o Brasil. Enquanto ela se encontra nos Estados Unidos, a cerimônia de premiação ocorrerá no icônico Capitólio de Iowa, em Des Moines, um edifício notável, famoso por sua cúpula dourada e seu rico acervo artístico, que inclui murais, vitrais e uma vasta biblioteca com 100 mil livros, incluindo obras de Benjamin Franklin, uma figura crucial na fundação dos Estados Unidos.
O prêmio, concedido pela Fundação World Food Prize, destaca a contribuição significativa de Mariangela para o avanço da agricultura brasileira através de insumos biológicos.
“Esse reconhecimento é fruto da minha determinação e da missão que abracei desde a infância: produzir alimentos”, afirmou Mariangela. “No início da minha carreira, poucos levavam a sério os insumos biológicos. Todos duvidavam do meu futuro, mas eu estava certa do meu caminho.”
Conexão entre Pioneiras
A trajetória de Mariangela é intimamente ligada à de outra mulher notável: Johanna Döbereiner. Nascida em 1924 na antiga Tchecoslováquia e estabelecida no Brasil nos anos 1950, Johanna foi uma verdadeira revolucionária na ciência agrícola.
Ela foi a primeira a demonstrar que o uso de bactérias poderia substituir fertilizantes nitrogenados, aumentando a produtividade e mitigando danos ambientais. Sua pesquisa sobre a fixação biológica de nitrogênio (FBN) deu início a uma nova era na agricultura tropical. “Johanna sempre foi uma grande inspiração para mim”, confessa Mariangela.

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Johanna Döbereiner, uma cientista que reescreveu a história
Graças às descobertas de Johanna, o Brasil se tornou o maior produtor de soja do mundo, superando os Estados Unidos na safra de 2019/2020. Ela enfrentou inúmeros desafios em um contexto dominado por homens, destacando-se pela sua competência e pelo firme entendimento de que a ciência deveria servir à agricultura.
“Na década de 1960, opor-se à adubação química era quase um sacrilégio. Só depois percebi que nossas pesquisas permitiam uma produção mais econômica e ambientalmente sustentável”, lembrou Johanna em uma entrevista de 1996.
Seu impacto foi tão grandioso que, em 1997, ela foi indicada ao Prêmio Nobel de Química, um dos raros reconhecimentos internacionais recebidos por cientistas latino-americanos.
Mariangela cresceu em um ambiente que valorizava essa ciência. Mesmo reconhecendo a contribuição de Johanna, ela seguiu seu próprio caminho, expandindo o uso de biotecnologias e transformando-as em ferramentas de soberania nacional. “Na década de 1960, quando a soja começou a prosperar, dois pesquisadores batalharam para que os biológicos fossem reconhecidos. Varias gerações trabalharam com este mesmo objetivo”, reflete.
De Itapetininga para o Mundo
Mariangela nasceu em 1958, em Itapetininga, SP, em uma família de educadores. “Desde criança, sonhava em ser cientista e ajudar a combater a fome”, revela. Com formação em agronomia, ingressou na Embrapa Soja em Londrina nos anos 1980, onde construiu uma carreira de 40 anos focada na microbiologia do solo e na fixação biológica de nitrogênio. Hoje, suas inovações estão presentes em mais de 40 milhões de hectares no Brasil.
A pesquisadora crê que o Brasil tem potencial para liderar a transição global em direção a uma agricultura sustentável. “O futuro da alimentação e da energia tem sotaque brasileiro. Temos três safras, um sistema de integração entre lavoura, pecuária e floresta, e tecnologia de ponta. Se conseguirmos levar essa abordagem ao pequeno e médio produtor, o Brasil pode entrar em um novo ciclo de produtividade”, afirma.
Desafios e Conquistas
Tanto Johanna quanto Mariangela enfrentaram barreiras no mundo científico, predominantemente masculino. Mariangela, de forma honesta, compartilha: “O único conselho que realmente funcionou e que passo adiante, especialmente para as jovens, é: não acreditem nos nãos que receberão. O preconceito ainda é forte, mas mulheres podem e devem estar na ciência.”
Johanna, décadas atrás, já compreendia essa realidade. Refugiada de guerra e naturalizada brasileira, ela se via como uma “camponesa em um laboratório”. Sua simplicidade e rigor técnico serviram de inspiração para muitas pessoas. “Nada é feito sozinho. Tudo é resultado do trabalho em equipe”, costumava afirmar. Ela faleceu em 5 de outubro de 2000, em Seropédica (RJ), aos 76 anos.
Mariangela e Johanna, apesar das diferenças temporais, compartilham um legado poderoso. A primeira plantou a ideia de que a agricultura brasileira poderia se desenvolver de maneira sustentável, enquanto a segunda transformou essa visão em um modelo produtivo, aumentando o uso de biotecnologias e consagrando o Brasil como líder mundial em insumos biológicos.
“Estamos apenas começando”, diz Mariangela. “Embora sejamos líderes em biológicos, o uso ainda representa apenas 15% em relação aos químicos. Temos tecnologia para alcançar 60%. As previsões globais indicam crescimento.”
Reconhecimento Internacional
A homenagem recebida por Mariangela no Capitólio de Iowa transcende a estatueta projetada pelo renomado designer Saul Bass, conhecido por seu trabalho icônico no cinema. A estatueta simboliza o mundo, representado por uma esfera; a folha que representa a alimentação; e a tigela, simbolizando a nutrição.

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A estatueta World Food Prize criada pelo designer Saul Bass
A estatueta que está a caminho do Brasil representa mais do que uma conquista. É um testemunho de uma jornada científica que começou com Johanna Döbereiner e se expandiu com Mariangela Hungria, duas mulheres que mostraram que a coragem e a ciência podem fazer a diferença. A Fundação World Food Prize destacou que as inovações de Mariangela “transformaram o Brasil em um modelo global de eficiência agrícola e de sustentabilidade”. Este prêmio coloca Mariangela ao lado de ícones históricos, como Norman Borlaug, pai da Revolução Verde, e Catherine Bertini, ex-diretora do Programa Mundial de Alimentos da ONU.
Publicações como Forbes e Food Tank destacaram Mariangela como uma das vozes mais influentes na agricultura regenerativa mundial. O jornal The Guardian ressaltou que o Brasil, “por meio de sua liderança em ciência tropical, redefine a maneira de produzir alimentos sem comprometer o planeta”.




