A Complexa Herança de Dick Cheney e Seus Efeitos na Política Atual
O falecimento do ex-vice-presidente Dick Cheney em 3 de novembro, aos 84 anos, trouxe à tona reflexões sobre sua trajetória política e a relevância de suas ideias nos dias atuais. O que muitos não esperavam era a nova onda de respeito que Cheney recebeu, especialmente de democratas, que anteriormente o viam como um dos maiores representantes da política belicista. Este respeito surgiu principalmente após o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, que levou Cheney a criticar abertamente o ex-presidente Donald Trump.
Uma Nova Aliança e a Defesa da Constituição
Durante a campanha eleitoral de sua filha, Liz Cheney, em 2022, Dick surgiu em um comercial dizendo que “nunca houve um indivíduo que representasse uma ameaça tão grande à nossa república como Donald Trump.” Embora Liz não tenha conseguido vencer o candidato apoiado por Trump, a postura de Cheney foi clara. Em 2024, surpreendentemente, ele e Liz apoiaram Kamala Harris para a presidência, afirmando que “temos o dever de colocar o país acima do partidarismo.” Essa decisão sublinhou sua disposição de romper com um partido que ele conheceu de perto por toda a sua vida.
Seus ex-colegas, como o ex-presidente George W. Bush, preferiram não criticar Trump ou apoiar tais decisões. Cheney, por outro lado, não se intimidou pelas possíveis consequências, decidido a defender suas convicções.
O Ironia de Uma Legado Controverso
A ascensão de Cheney a um crítico de Trump é irônica, considerando que muitas das políticas que ele defendeu durante sua carreira ajudaram a pavimentar o caminho para o poder sem precedentes que Trump exerceria. Para entender o cenário político contemporâneo, é necessário analisar a complexa herança de Cheney e sua busca por aumentar o poder presidencial.
A Luta Contra a “Presidência Imperial”
Nos anos 1970, Cheney e muitos republicanos enxergavam restrições ao poder executivo como uma ameaça à capacidade de proteger a nação. O contexto era um momento de grande vigilância sobre o governo, especialmente após escândalos como o de Watergate. As ações de Cheney durante esse período foram moldadas por sua ascensão em cargos de destaque na administração, onde ele buscou restabelecer uma força executiva considerável.
- Frisando algumas leis que restrinjam o poder presidencial:
- A Lei de Poderes de Guerra de 1973: Impedia que o presidente iniciasse conflitos sem autorização do Congresso.
- A Emenda Hughes-Ryan de 1974: Proibia ações clandestinas sem o conhecimento do Congresso.
Essas restrições alimentaram uma visão que persistiria na mente de Cheney, que passou a dedicar sua carreira a expandir a autoridade presidencial.
Transformação em Um dos Vice-Presidentes Mais Poderosos da História
Ao longo de sua carreira, especialmente durante sua administração como Secretário de Defesa e depois como vice-presidente sob George W. Bush, Cheney se destacou. Ele foi um agente chave durante eventos como o 11 de setembro e as subsequentes invasões do Afeganistão e do Iraque. Embora inicialmente houvesse apoio público a essas ações, o desencanto se estabeleceu quando não se encontraram armas de destruição em massa no Iraque.
A percepção de Cheney, que se transformou em um símbolo poderoso de uma nova abordagem de governo, começou a mudar. Ele se tornou um alvo de críticas, especialmente após a intensa narrativa de que as guerras americanas estavam se tornando conflitos intermináveis.
O Impacto do Extremismo
Cheney também foi um dos principais defensores do chamado “guerra ao terror”, advogando por medidas que incluíam a autorização para a vigilância sem mandado. Decisões como a criação de prisões secretas e o uso de técnicas de interrogatório controversas foram legitimadas por um clima de medo e insegurança após os ataques de 2001.
À medida que os anos passaram, essa abordagem extremada gerou uma reação negativa, especialmente entre aquelas vozes que antes apoiavam sua visão de um forte poder executivo. Mesmo entre colegas republicanos, Cheney começou a perder apoio.
Um Novo Orderno Político e a Ascensão de Trump
As consequências das políticas de Cheney e suas decisões começaram a se materializar em eventos políticos de grande impacto, como a eleição de Barack Obama, seguida pela ascensão de Donald Trump. O desencanto popular com as ações dos governos anteriores abriu espaço para um outsider, como Trump, que tinha um discurso facilmente compreensível e, ao mesmo tempo, provocador.
O ressentimento público em relação à estrutura de poder em Washington, simbolizada pela figura de Cheney, se manifestou em um apoio considerável a Trump, que prometeu uma ruptura com as práticas tradicionais. Ao mesmo tempo, Trump também desafiou e ignorou várias leis que Cheney uma vez defendeu, ressuscitando um debate sobre o equilíbrio de poderes.
A Crítica e o Reconhecimento das Falhas
É importante observar que, embora Cheney tenha decrépido as ações de Trump, muitos dos abusos de poder do ex-presidente são alimentados pela falta de respeito pela supervisão do Congresso e pela judicial. O que Cheney fez por sua rotina política pode ter contribuído, em última análise, para as ações que Trump adota, como ignorar a Lei de Poderes de Guerra ou tentar reverter a supervisão do Congresso sobre o uso do poder executivo.
Reflexão e um Futuro Incerto
A trajetória de Dick Cheney nos oferece um vislumbre notável da transformação da política americana nas últimas décadas. O fortalecimento do poder presidencial, que ele tanto defendeu, agora nos leva a um dilema: como restabelecer os limites e os controles que são essenciais para o funcionamento da democracia?
Diante disso, a reflexão se torna necessária para todos que se preocupam com o sustento da justiça e da liberdade. Precisamos examinar a história e aprender com as decisões que moldaram a política. Cheney, apesar de suas falhas e do legado complexo que deixou, passa a ser uma figura que certamente conecta passado e presente de maneiras que exigem nosso engajamento e reflexão.
Agora, mais do que nunca, é essencial que cidadãos e líderes políticos se unam para reavaliar e fortalecer as bases legais e éticas que sustentam nossa democracia. Ao fazer isso, podemos garantir que o futuro seja guiado por princípios de responsabilidade e respeito à Constituição.




