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Crise da Ração: O Perigo Silencioso que Pode Abalar a Indústria do Salmão

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Imagem de salmão

Getty Images

Sem alternativas para a ração, a expansão da indústria de salmão está ameaçada

Em um mercado global de pescados que parece calmo, um significativo risco financeiro está se formando – um problema enraizado na cadeia de suprimentos da indústria pesqueira. O que está em jogo não é apenas a volatilidade climática ou debates sobre sustentabilidade, mas a fragilidade econômica dos alimentos que alimentam os peixes de cativeiro.

Um novo estudo da FAIRR Initiative — uma rede global de investidores com US$ 80 trilhões sob gestão focada em ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa) — aponta uma contradição no setor de salmão: enquanto se apresenta como sustentável, depende cada vez mais de peixes selvagens, um recurso finito, para a produção de ração.

O relatório, que será debatido na Conferência da ONU sobre os Oceanos de 2025 em Nice, na França, destaca que empresas como Mowi ASA e SalMar ASA, que juntas representam 58% da produção global de salmão cultivado, podem enfrentar um colapso em sua cadeia de suprimentos sem reformas urgentes.

Análise do Desafio da Indústria do Salmão

As grandes produtoras de salmão, com mais de 1,2 milhão de toneladas produzidas em 2023, estão cada vez mais vulneráveis devido à dependência de farinha e óleo de peixe, provenientes das pesquerias. De acordo com a FAO, 90% das pescarias estão sobre-exploradas ou operando perto de sua capacidade máxima. Mesmo assim, o aumento da produção projetado para 2033 é de 40%.

  • Em 2023, o cancelamento da temporada de pesca de anchovas no Peru resultou em um aumento de 107% no preço do óleo de peixe.
  • Os custos de alimentação da Mowi aumentaram 70% entre 2021 e 2023 devido a essa interrupção.

Embora alguns produtores tenham recorrido temporariamente ao uso de óleo de algas, a situação ressalta uma abordagem reativa que prioriza ganhos imediatos em vez de soluções sustentáveis a longo prazo.

A Questão da Composição da Ração

Entre 2020 e 2024, a FAIRR constatou que cinco das sete empresas analisadas aumentaram o uso de farinha e óleo de peixe em até 39%. Apesar das promessas de sustentabilidade, apenas três reduziram a proporção de FMFO em suas rações, e nenhuma delas conseguiu uma redução significativa.

Muitas empresas têm se voltado para aparas de peixe como alternativa, mas essas são limitadas em disponibilidade. Um exemplo é uma empresa que comprou todas as aparas no mercado local, levantando preocupações sobre a pressão que essa demanda pode gerar sobre a pesca.

Desconexão entre Crescimento e Sustentabilidade

A previsão é de que a produção de salmão cresça 40% até 2033, enquanto a produção de farinha e óleo de peixe deve aumentar apenas entre 9% e 12%, segundo dados da ONU. Essa disparidade gera uma clara desconexão.

Sem alternativas escaláveis ou mudanças na maneira como a ração é composta, os planos de expansão da indústria de salmão se mostram insustentáveis. O relatório ressalta que nenhuma das empresas avaliadas estabeleceu metas claras para reduzir o uso de ingredientes de origem pesqueira.

Implicações da Dependência de Ração

O impacto da dependência das rações vai além da indústria do salmão. A produção de ração para aquicultura enfrenta aumento de custos e incertezas, o que afeta também a indústria de alimentos para pets. A diminuição da disponibilidade de peixes selvagens pode causar impactos em cadeia em diversos setores.

  • Mais de 90% dos peixes utilizados na produção de farinha de peixe poderiam ser consumidos por pessoas.
  • Em 2020, as fazendas norueguesas utilizaram quase 2 milhões de toneladas de peixes selvagens para a produção de ração — o que poderia alimentar entre 2,5 e 4 milhões de pessoas por um ano.

Buscando Soluções Inovadoras

Embora soluções como farinha de insetos, óleo de algas e proteínas unicelulares existam, seu uso permanece limitado, enfrentando desafios de custo e aceitação do consumidor. Atualmente, esses ingredientes representam apenas 4% das fórmulas de ração, com metas modestas de aumento para 10-15% até 2030.

Laure Boissat, da FAIRR, afirma que a indústria está presa a um ciclo de pensamento de curto prazo, que ignora a realidade de um recurso em declínio. “Estamos apostando em um insumo finito para sustentar projeções de crescimento infinito. Isso não é resiliência — é uma receita para o colapso”, critica.

Alerta dos Investidores

O relatório menciona um aumento de risco financeiro devido à volatilidade dos preços da ração, que pode pressionar as margens de lucro. A busca por uma aquicultura sustentável é não apenas necessária por questões ambientais, mas essencial para a longevidade das empresas do setor.

Os produtores de salmão têm se destacado pela transparência, mas a FAIRR destaca que isso não é suficiente. “As empresas divulgam métricas relativas, mas isso não reflete a pressão absoluta sobre os estoques pesqueiros”, explica Boissat, chamando a atenção para o descompasso entre reportagens e práticas reais.

O Caminho à Frente

As recomendações da FAIRR são claras: as empresas precisam estabelecer metas reais de redução de FMFO e investir em alternativas escaláveis. Além disso, a transição de espécies carnívoras como o salmão para opções de aquicultura que não necessitem de ração externa, como mexilhões e ostras, pode ser uma solução viável.

A FAIRR também sugere o desenvolvimento de frutos do mar à base de plantas, muito semelhante ao movimento da indústria de carnes alternativas.

Na iminência da Conferência da ONU sobre os Oceanos, onde políticas de proteção marinha serão discutidas, é crucial que a regulamentação avance em ritmo compatível com a ciência, evitando práticas pesqueiras destrutivas até mesmo em áreas chamadas de protegidas.

Os Desafios Futuramente

As partes interessadas enfrentam um dilema: continuar com o modelo atual pode levar a colapso ambiental e insegurança alimentar. A indústria deve refletir não apenas sobre riscos e resiliência, mas sobre um modelo de negócios que não pode depender de recursos que estão desaparecendo.

“A indústria fala sobre resiliência, mas isso só é verdadeiro se seu modelo de negócios não estiver em perigo de colapso devido à dependência de insumos escassos”, conclui Boissat.

* Felicia Jackson é colaboradora da Forbes Reino Unido, abordando a intersecção entre inovação e desafios globais na economia.

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