A Leitura do Agronegócio Brasileiro através dos Olhos da Ucrânia
Uma Visita Transformadora
Na última semana, Yuliya Bereshchenko, a diretora de sustentabilidade da Astarta – uma gigante agroindustrial ucraniana – fez uma visita significante ao Brasil, onde as temperaturas contrastantes de 31 graus na cidade de Campinas a recebiam, enquanto sua terra natal enfrentava um frio intenso de apenas 1 grau. Este encontro não foi meramente turístico; foi uma missão de aprendizado e troca de experiências. Yuliya veio a convite da Syngenta, multinacional suíça de sementes, com a qual a Astarta possui um relacionamento comercial. Nos primeiros nove meses de 2024, a Astarta conseguiu um considerável faturamento de 441 milhões de euros, equivalente a R$ 2,8 bilhões.
Em sua jornada, Yuliya expressou seu entusiasmo em absorver os conhecimentos sobre práticas agropecuárias brasileiras que poderiam ser aplicadas em território ucraniano. Dentre os métodos que despertaram seu interesse, destacam-se o plantio direto, técnicas de cobertura do solo e o cultivo vertical integrado. Contudo, o que mais a fascina são as abordagens sustentáveis adotadas no Brasil, que vê como um modelo a ser seguido globalmente.
A Influência do Clima na Produção Agropecuária
A Ucrânia, historicamente um dos pilares da produção alimentar e bioenergia na Europa, continua sendo um player crucial nesse setor, apesar das adversidades trazidas pela guerra. Antes da invasão russa em fevereiro de 2022, o país cultivava 16,4 milhões de toneladas de sementes de girassol, um ícone da paz, mas essa produção despencou para apenas 2,9 milhões de toneladas no último ano.
O Ministério do Desenvolvimento Econômico, Comércio e Agricultura da Ucrânia aponta que cerca de 30% do potencial agrícola foi comprometido pela guerra, com terras contaminadas e minadas. As condições climáticas também trazem desafios, uma vez que a produção agrícola está restrita ao verão, entre junho e setembro. As temperaturas médias dificultam a diversidade e a quantidade de safras, algo que Yuliya nota ser um sonho distante quando se compara ao agronegócio tropical brasileiro.
O Despertar para a Diversidade Agrícola Brasileira
“Quando era criança, só comia maçãs frescas durante dois meses de verão, o resto do ano dependíamos do que minha mãe congelava”, compartilha Yuliya. “No Brasil, é possível desfrutar de uma variedade de frutas durante o ano inteiro.” Ela se mostra encantada ao ver tantas variedades de plantas e frutas como orquídeas e cajus, algo que é totalmente novo para sua realidade ucraniana.
Yuliya ressalta que as boas práticas brasileiras são um exemplo claro de como maximizar a produtividade sem comprometer a sustentabilidade. “Nossas tentativas de seguir práticas brasileiras têm mostrado resultados promissores, especialmente no uso de culturas de cobertura que melhoram o solo,” comenta a diretora.
A Astarta: Um Gigante Agroindustrial
Fundada em 1993, a Astarta é uma das maiores empresas agroindustriais da Ucrânia, operando em diversas áreas, como produção agrícola de grãos e laticínios, além de geração de energia renovável. Sua produção é amplamente exportada para países da União Europeia. A empresa é responsável por 214 mil hectares de terras arrendadas, onde cultiva beterraba-sacarina, girassol, soja e trigo, entre outros.
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Produção: A Astarta sementes aproximadamente 2 milhões de toneladas de beterraba-sacarina anualmente, resultando em cerca de 380 mil toneladas de açúcar.
- Diversificação: Além da beterraba, a empresa se dedica à soja e à produção de leite, com 28 mil vacas fornecendo cerca de 115 mil toneladas anualmente.
Apesar da guerra, a Astarta busca se adaptar e inovar, desenvolvendo práticas agrícolas que promovam a descarbonização e a sustentabilidade. Yuliya planeja reduzir 44% das emissões de gases de efeito estufa até 2030, aumentando a área com culturas de cobertura de 16 mil para 25 mil hectares.
Processos Sustentáveis e Energias Renováveis
A Astarta tem se esforçado para aproveitar todos os recursos disponíveis. Os resíduos da produção de beterraba não se limitam apenas à extração do açúcar; eles são transformados em biogás para abastecer suas instalações. Yuliya observa que, embora não seja como no Brasil, onde se pode ter duas safras por ano, o potencial ainda é limitadíssimo, uma vez que o ciclo da beterraba é curto – cerca de 100 dias.
Além do biogás, os resíduos da soja são utilizados para gerar energia, e a empresa busca não apenas a autossuficiência, mas também a possibilidade de exportar esse biocombustível para a Europa, onde há uma demanda crescente por energia verde.
O Futuro da Agricultura na Ucrânia
Yuliya acredita que o futuro da agricultura ucraniana, mesmo pós-conflito, será marcado por práticas mais sustentáveis e orgânicas. “É primordial integrar a sustentabilidade ao nosso dia a dia e enfrentar os desafios das mudanças climáticas, pois somos os que sentem os impactos primeiros,” diz ela.
A desminagem e a recuperação de áreas contaminadas serão tarefas difíceis, mas ela está determinada a seguir em frente com a adoção de soluções baseadas na natureza, cultivando culturas que podem recuperar essas terras.
A importância de reconhecer o trabalho dos agricultures na prática sustentável é um fervoroso pedido de Yuliya. Ela acredita que, por meio da construção de um mercado de carbono e da valorização dos serviços ambientais, é possível transformar as boas práticas agrícolas em ativos econômicos e promissores para o futuro.
Uma Jornada de Aprendizado Mútuo
A visita de Yuliya ao Brasil e seu aprendizado com as práticas sustentáveis do agronegócio brasileiro refletem a urgência de uma abordagem fundamentalmente nova em face das questões climáticas e de segurança alimentar. Em meio à adversidade, é possível descobrir novas oportunidades e inspiração, mesclando os saberes e experiências de diferentes partes do mundo para construir um futuro mais sustentável.
É um lembrete valioso sobre a interconexão global e como, mesmo em tempos de crise, a colaboração e o aprendizado mútuo podem nos guiar em direção a soluções inovadoras e duradouras.
Em meio a essas trocas de experiências, Yuliya Bereshchenko não apenas observa, mas participa de um renascimento nas práticas agrícolas ucranianas, sonhando com um cenário futuro onde a agricultura é mais verde, mais orgânica e gera energia renovável. A transformação está em curso, e o olhar atento da Ucrânia para o Brasil é um passo importante nesse caminho.