A Estratégia de Biden Frente ao Conflito na Ucrânia: Táticas e Desafios
À medida que a equipe de segurança nacional do presidente dos EUA, Joe Biden, se prepara para a transição, sua estratégia de política externa enfrenta críticas cada vez mais intensas. Um número crescente de vozes se levanta contra a abordagem considerada tímida do presidente em relação ao apoio à Ucrânia em sua luta contra a invasão russa. Especialistas sugerem que os receios excessivos de uma escalada para a Terceira Guerra Mundial levaram a uma hesitação em realizar transferências rápidas e significativas de armamentos, que poderiam ter mudado o curso da guerra em momentos cruciais.
Porém, essa crítica ignora a complexidade da gestão de crises e o entendimento do que está em jogo nas relações internacionais. A estratégia adotada por Biden, na verdade, parece ter sido uma forma eficaz de "salami slicing", uma tática que consiste em minar as linhas vermelhas de um adversário em pequenos incrementos, evitando reações desproporcionais. Essa abordagem é frequentemente associada a potências revisionistas, como China e Rússia, mas, neste contexto, Washington aplicou-a para conter um adversário motivado — e obteve êxito.
A Ironia do Sucesso de uma Estratégia Cautelosa
A ironia desta situação é que a mesma estratégia que ajudou a prevenir uma escalada significativa acabou se tornando alvo de críticas. A falta de grandes escaladas na Ucrânia levou alguns a argumentar que a administração Biden deveria ter sido mais audaciosa, abandonando a gradualidade que, em última análise, pode ter ajudado a evitar um confronto direto. Isso levanta uma questão importante: como podemos aprender as lições certas a partir dessa experiência?
Redefinindo Limites: O Que São as Linhas Vermelhas?
Um dos pontos centrais das críticas à política de Biden é a aparente credulidade dos altos oficiais em relação às linhas vermelhas estabelecidas por Vladimir Putin. Desde o início da guerra, Putin fez inúmeras ameaças para desencorajar a intervenção ocidental, indo desde avisos genéricos sobre o fornecimento de armas a declarações mais específicas sobre a resposta da Rússia a novos tipos de armamento. Em certos momentos, Putin chegou a insinuar a possibilidade de uso de armas nucleares caso suas linhas vermelhas fossem ultrapassadas.
Enquanto críticos afirmam que essas ameaças eram apenas bluffs, raramente explicam quais seriam as reais linhas vermelhas do Kremlin. Alguns argumentam que, como os EUA frequentemente atravessaram essas linhas sem causar grandes reações, uma ação mais rápida e decisiva teria sido justificada. No entanto, isso desconsidera que lines vermelhas e limiares de escalada não são fixos; são construções sociais que evoluem durante o conflito.
Exemplos Históricos e Aprendizados
A história está repleta de exemplos que ilustram a fluidez das linhas vermelhas. Um caso emblemático é a Operação Cyclone, o programa secreto dos EUA de ajuda aos mujahideen durante a guerra no Afeganistão. No início dos anos 1980, a administração Reagan hesitou em fornecer mísseis capazes de derrubar helicópteros soviéticos, mas essa cautela foi gradualmente abandonada à medida que as condições mudaram.
No contexto ucraniano, ações que poderiam ter sido consideradas uma transgressão durante os primeiros meses de guerra, como o fornecimento de armas de longo alcance, tornaram-se menos tabu à medida que a situação se desdobrava. A decisão de Biden de permitir que a Ucrânia usasse mísseis ATACMS contra alvos na Rússia foi uma resposta adaptativa a um cenário em evolução, que incluía, por exemplo, o envio de tropas norte-coreanas para o front.
Entre a Cautela e a Oportunidade
Outro ponto frequentemente negligenciado pelos críticos é o conceito de sobrevivência do regime de Putin. Conflitos militares que afetam a lógica interna de um governo podem aumentar significativamente o risco de escalada. Nos primeiros meses da guerra, derrotas militares inesperadas levantaram questões reais sobre o poder de Putin. Durante as investidas ucranianas nas cidades de Kharkiv e Kherson, por exemplo, as análises da inteligência dos EUA indicaram que Putin poderia estar considerando o uso de armas nucleares táticas para evitar grandes perdas em suas tropas.
Assim, a administração Biden buscou dissuadir a Rússia por meio de uma série de medidas estratégicas, comunicando-se diretamente com Putin e desenvolvendo respostas potenciais a possíveis escaladas nucleares. Essa cautela, embora frustrante para alguns, já provou ser uma maneira prudente de gerenciar uma situação complexa e repleta de incertezas.
A Tática do Salami e a Gestão do Status Quo
O conceito de "salami tactics", descrito pelo economista Thomas Schelling, é uma estratégia que permite abordar a situação gradualmente, sem provocar reações dramáticas. Essa abordagem foi, de fato, o enfoque adotado por Biden ao lidar com a Ucrânia. Através da concessão de ajuda militar de forma gradual, Washington conseguiu evitar reações abruptas de Moscou, permitindo que a Ucrânia se equipasse com plataformas de combate mais eficazes ao longo do tempo.
A psicologia por trás do salami-slicing também merece destaque. Pesquisas mostram que as pessoas tendem a aceitar mais riscos quando se trata de evitar perdas. Portanto, na situação atual, Putin poderia acabar se tornando mais propenso a apostar em ações arriscadas diante de perdas crescentes no campo de batalha.
Avaliando o Sucesso da Abordagem de Biden
Mensurar o sucesso da política de Biden em relação à Ucrânia é um desafio. Se a principal métrica for a recuperação total do território ucraniano, a administração pode ser vista como parcialmente bem-sucedida. Embora o auxílio ocidental tenha proporcionado uma resistência notável, os resultados ainda são inconclusivos. Por outro lado, se o critério de sucesso incluir a prevenção de uma nova guerra mundial, a abordagem de Biden é mais bem-sucedida, embora ainda reste a dúvida se uma assistência mais rápida teria alcançado o mesmo resultado.
Contudo, um aspecto fundamental que deve ser considerado é a habilidade da equipe de Biden em neutralizar as tentativas de Putin de redefinir os limiares de escalada. Este conflito não se restringe apenas à Ucrânia; ele é um indicativo de como os EUA e seus aliados devem lidar com a rivalidade entre grandes potências no futuro.
Reflexões Finais: O Que Vem a Seguir?
As dinâmicas em torno das linhas vermelhas e das táticas de escalada também têm implicações para as relações entre Estados Unidos e China. O risco de escalada em um possível conflito sobre Taiwan dependeria de variados fatores, incluindo as expectativas do líder chinês e a percepção de ameaças à sua autoridade. Nessa perspectiva, a abordagem cautelosa de salami poderia ser aplicada novamente.
Por fim, enquanto o mundo observa os desdobramentos da guerra na Ucrânia, é crucial entender que a gestão cuidadosa das estratégias de escalada pode não apenas evitar confrontos diretos, mas também moldar o futuro da geopolítica. As lições aprendidas nesta crise ainda ecoarão nas decisões que os líderes mundiais tomarão diante da complexidade dos novos desafios globais. Como você vê esses desdobramentos? O que acha que os EUA devem priorizar em sua política externa daqui para frente? Compartilhe suas opiniões!