Início Internacional Perigos à Democracia: Como as Lideranças Podem Minar a Liberdade

Perigos à Democracia: Como as Lideranças Podem Minar a Liberdade

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Desvendando a Onda Populista: Mitos e Realidades

Nos últimos anos, muitos países têm enfrentado o que se descreve como uma “onda populista”. O início dessa nova era no mundo de língua inglesa remonta a 2016, com o referendo do Brexit no Reino Unido e a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Essas vitória surpreendentes geraram inquietação entre as elites políticas e midiáticas, que se debateram na tentativa de entender a profundidade dessa transformação. A narrativa predominante sugere que esse fenômeno é uma resposta a uma mudança socioeconômica profunda, resultado da globalização e das inovações tecnológicas que afetaram drasticamente a vida das pessoas. Assim, surgiu uma rejeição ao status quo, acompanhada de uma série de manifestações populistas em diversos países, como Brasil, Hungria, Índia, Itália e Suécia.

Populismo: Uma Noção Mal Interpretada

Entretanto, a natureza e o impacto do populismo têm sido frequentemente mal compreendidos. A metáfora da “onda populista” exagera tanto o sucesso eleitoral dos partidos populistas quanto a coesão desse fenômeno enquanto movimento político. Vários “empreendedores populistas” ao redor do mundo têm se aproveitado de diferentes descontentamentos ao longo do tempo, o que revela a falta de uniformidade dessa corrente política.

Enquanto muitos se alarmam com a ascensão do populismo, é importante destacar que a instabilidade das democracias liberais muitas vezes está mais relacionada a fatores que não diretamente ao populismo. As mudanças de opinião pública que supostamente alimentam o crescimento de partidos populistas não demonstram um aumento significativo no descontentamento popular em relação à globalização ou à imigração, mas sim uma resposta a transformações políticas a nível das elites.

Os Mitos da Onda Populista

A ascensão de partidos populistas, embora impactante, fez parte de um panorama político mais amplo que já é instável há anos. Na Europa, por exemplo, o aumento da participação de partidos de direita populista foi de menos de meio ponto percentual ao ano desde o início do século. Portanto, a alegação de uma “onda” contínua é mais bem atribuída ao exagero da mídia do que a uma realidade eleitoral substancial.

Esse sensacionalismo da mídia acaba gerando um ciclo vicioso: grandes coberturas sobre sucessos eleitorais de partidos populistas elevam sua visibilidade e, consequentemente, aumentam seu apoio popular. Um estudo sobre a cobertura da imprensa britânica sobre o Partido da Independência do Reino Unido, que apoiava o Brexit, revelou que essa atenção desproporcional ajudou a solidificar seu apoio popular. Esse fenômeno levanta uma questão importante: como a percepção pública pode ser moldada pela cobertura midiática?

  • A cobertura midiática tendenciosa favorece a percepção de viabilidade dos partidos populistas.
  • Relatos sobre vitórias eleitorais superam as análises de falhas desses partidos, criando uma visão distorcida da realidade.

Conflito entre Realidade e Percepção

Populistas geralmente dependem de uma combinação de liderança carismática, alternativa política viável e incentivos eleitorais favoráveis. Mesmo em países com uma forte história de apoio à imigração e liberalismo, como Suécia e Dinamarca, partidos populistas têm conseguido votos significativos. No entanto, em lugares onde há uma popularidade mais disseminada do sentimento populista, como Bélgica ou Irlanda, esses partidos enfrentam um lento avanço.

Nos Estados Unidos, a eleição de Trump não se fundamentou em um repúdio geral ao sistema, mas em uma combinação de apoio tradicional republicano. Como podemos explicar que uma mobilização populista ocorreu em resposta a um sistema político já polarizado? O caso de Trump exemplifica a transformação de lealdades partidárias, onde os eleitores não simplesmente se deslocaram em suas crenças, mas foram guiados pelas narrativas estabelecidas pelos líderes políticos.

Descontentamento Econômico: Uma Interpretação Limitada

A explicação mais comum para a ascensão do populismo gira em torno do descontentamento econômico gerado por crises como a de 2008. Entretanto, essa visão ignora nuances importantes. Estudos demonstram que muitos apoiadores de partidos populistas têm conservadorismo tradicional e opositores à imigração como características marcantes, com fatores econômicos desempenhando um papel secundário. Perceber a ascensão do populismo como uma simples consequência do sofrimento econômico é uma simplificação perigosa.

Para ilustrar: na Espanha, mesmo durante um período de crise econômica profunda e desemprego elevado, um partido populista massivo não surgiu até que a situação econômica melhorasse. Em vez disso, foi um cenário de mudanças políticas e a capacidade de partidos tradicionais de se adaptar ou não a novas demandas que determinou a emergência do Vox, por exemplo.

  • Em várias democracias, o descontentamento econômico não é o único, nem o principal, fator motivador do suporte ao populismo.
  • Cultural e socialmente, muitos cidadãos respondiam a mudanças em suas identidades e percepções sobre a sociedade.

Identidade e Imigração: O Verdadeiro Motor do Populismo

O que realmente impulsiona o apoio a partidos populistas são, na maioria das vezes, questões culturais. O medo da perda de identidade nacional e das transformações sociais gera um descontentamento que esses partidos utilizam para se fortalecer. Nos Estados Unidos, a mudança demográfica e as lutas por justiça racial contribuem significativamente para esses sentimentos.

Além disso, a crise dos refugiados na Europa, que se intensificou em 2015, gerou um ambiente propício para que partidos de direita se aproveitassem das preocupações relacionadas à imigração. Contudo, há uma discrepância significativa entre a quantidade de imigrantes e a hostilidade que muitos países demonstram em relação a eles. Por exemplo, Alemanha e Suécia, apesar de receberem muitos imigrantes, se destacam como países com opiniões favoráveis frequentemente. Por outro lado, Hungria e Polônia mantêm posturas hostis, principalmente devido à retórica alarmista dos seus líderes.

Se tem algo que esses fenômenos nos ensinam é que a oposição à imigração muitas vezes é mais sobre a percepção de um problema do que sobre a realidade. Mesmo quando questões como deportação são discutidas, há um forte apoio à naturalização de imigrantes que atendem a determinados requisitos. Precisamos refletir sobre como essas narrativas podem ser aproveitadas por líderes que buscam poder e como isso impacta a política contemporânea.

O Papel das Elites na Política Democrática

A ascensão de partidos populistas assusta muitos observadores devido ao seu potencial impacto na formulação de políticas, mas essa influência é frequentemente superestimada. Os populistas geralmente precisam formar alianças políticas e, em muitos sistemas, isso requer concessões que podem moderar suas propostas iniciais. O caso da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni exemplifica como esses líderes podem ser limitados por suas coalizões, reduzindo a capacidade de implementar políticas extremas.

No contexto da Suécia, por exemplo, embora os Democratas da Suécia tenham se tornado um importante ator político, ainda assim enfrentam resistência para formarem alianças com partidos tradicionais que preferem manter distância por causas ideológicas. Essa dinâmica faz com que, mesmo em um cenário onde partidos populistas estão se consolidando, as possibilidades de ações efetivas em prol de suas plataformas sejam restritas.

Quando as elites tentam lidar com a ascensão do populismo, muitas vezes provocam reações que podem piorar a situação. O compromisso de líderes políticos em ignorar ou suprimir partidos populistas pode alienar ainda mais seus eleitores, levando a um ciclo vicioso de descontentamento.

Refletindo sobre o Futuro da Democracia

A ascensão do populismo é um fenômeno complexo que merece uma análise mais profunda e menos simplista. Se parte das preocupações do eleitorado está ligada a mudanças demográficas, econômicas e culturais, os verdadeiros desafios para as democracias contemporâneas se encontram na capacidade das elites políticas de responderem a essas demandas sem sucumbirem à retórica populista.

Educar a opinião pública sobre a real natureza do populismo, suas causas e efeitos, é essencial para fortalecer a saúde democrática. O populismo pode ser um sintoma de problemas mais profundos dentro das democracias, que precisam ser abordados com seriedade.

Portanto, é um chamado para que façamos uma reflexão crítica sobre nossas instituições políticas e como elas respondem aos anseios de uma população em mudança. O futuro da democracia não depende apenas das vitórias ou derrotas de partidos populistas, mas da capacidade de todos os cidadãos em participar ativamente do processo democrático, exigindo responsabilidade e transparência de seus líderes.

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