A língua portuguesa tem desempenhado um papel fundamental na identidade e resistência do povo timorense, sendo descrita por muitos como uma herança que enriqueceu a luta pela libertação e independência de Timor-Leste. A escolha do português como língua oficial do país após a restauração da soberania em 2002 foi uma decisão estratégica no cenário internacional, unindo a nação em torno de um idioma que conecta os timorenses à sua história e cultura.
Timor-Leste, uma ex-colônia de Portugal, enfrentou a anexação pela Indonésia durante os anos 1970 e lutou ferozmente pela sua autonomia. Desde a restauração da independência, o país tem se esforçado para preservar e promover a língua portuguesa, um esforço que reflete a diversidade linguística reconhecida pelo Dia da Língua Materna em 2025.
A influência do português ao longo das gerações
Na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a educação é um dos pilares de cooperação ativa. Durante uma visita à Universidade Nacional de Timor-Leste, em Díli, entrevistamos Benjamin Corte Real, ex-reitor da instituição, que destacou a revitalização do português através do sistema educacional timorense.
“O português se rejuvenesceu muito em Timor. Temos uma nova geração que, após a independência, se reapropriou da língua, aprendendo-a novamente do zero. Essa geração hoje está chegando às universidades e, com isso, a língua está se renovando constantemente. O português já é uma língua da juventude”, afirmou Corte Real.
Após anos de domínio do bahasa indonésio e outras línguas locais, o retorno do português ao currículo escolar trouxe um novo vigor ao aprendizado da língua, permitindo que uma geração inteira se reconectasse com esse importante aspecto da sua identidade.
Mais de 13 mil estudantes aprendendo português
Um dos principais projetos do governo é a criação dos Centros de Aprendizagem e Formação Escolar (CAFES), uma unidade em cada um dos 13 municípios do país. Nesses centros, quase 13 mil estudantes têm acesso a uma educação integral em português, que vai do pré-escolar até o 12º ano.
No ano de 2024, uma aluna da unidade de Díli ganhou o segundo lugar em uma competição de escrita criativa promovida pela Rede de Escolas Amigas da CPLP. A estudante do 10º ano compartilha a satisfação de ver cada vez mais jovens se expressando em português: “É muito gratificante perceber que a nossa língua está se espalhando entre a juventude”.
Zélia Marçal, a aluna em questão, termina sua redação sobre o combate à poluição em Díli dizendo: “Nosso projeto, embora apenas um sonho, é em língua portuguesa e é um amigo do planeta. Os sonhos não fazem mal, eles também sustentam a CPLP”.
Crianças estudam português em escola apoiada pelo Unicef
Avanços significativos com apoio da CPLP
A Rede de Escolas Amigas, lançada em 2023, durante a 7ª Reunião de Ministros da Educação da CPLP, tem como objetivo desenvolver um ambiente de intercâmbio cultural e boas práticas educacionais. Atualmente, Timor-Leste conta com cinco instituições filiadas à Rede, incluindo duas CAFES.
Essa iniciativa é parte de um conjunto de planos de ação elaborados pela CPLP para promover a língua portuguesa. Desde o primeiro plano, desenvolvido em Brasília, em 2010, até o mais recente da Praia, em 2021, a CPLP tem proporcionado suporte contínuo para a difusão do idioma em seus países-membros.
Segundo relatos, o plano operacional para a expansão do português, válido de 2021 a 2026, apresenta avanços significativos na educação. O ensino da língua portuguesa está se consolidando e se espalhando pelas diferentes comunidades do país.
Iniciativas do governo para expandir o uso do português
A decisão de adotar o português como língua oficial em 2002, logo após a independência, foi um ato de afirmação dos líderes timorenses, como Xanana Gusmão e José Ramos Horta. Para eles, essa escolha não foi apenas simbólica; era também uma forma de reforçar a comunicação e a identidade nacional durante os anos de resistência contra a anexação indonésia.
O embaixador de Timor-Leste na ONU, Dionísio Babo Soares, informa que atualmente entre 30% a 40% da população timorense domina o português, um aumento considerável em relação aos 20% registrados em 2010. “Dez anos atrás, eu próprio ainda me sentia inseguro ao falar português. Hoje, posso afirmar com confiança que os esforços do governo e da CPLP estão dando resultados”, disse o embaixador.
A presidente do Parlamento Nacional, Maria Fernanda Lay, expressou a intenção de aumentar a frequência do uso do português em sessões plenárias, de duas para três vezes por mês, declarando que “a casa legislativa deve servir de exemplo para as outras instituições”.
Sessão no Parlamento Nacional em Timor-Leste
Parceria com Portugal para formação de professores
O avanço da língua portuguesa em Timor-Leste não está acontecendo isoladamente. O país recebe o apoio de nações, como Portugal e Brasil, que enviam professores para ajudar na capacitação de docentes e na promoção de cursos técnicos e profissionalizantes.
Entre 2019 e 2024, Portugal firmou uma parceria com o Ministério da Educação timorense, por meio do projeto Pró-Português, que capacitou quase 5 mil professores em diferentes níveis de habilidade. A segunda fase deste projeto está prevista para começar em breve.
Além disso, o número de professores em universidades privadas que estão se formando em cursos de língua portuguesa mais que dobrou nos últimos anos, aumentando de 130 para 295. Assim, anualmente, cerca de 500 docentes são formados nos CAFES, contribuindo para um futuro mais promissor para o ensino do português.
O desafio de manter a língua viva
Apesar dos esforços conjuntos, a propagação do português enfrenta desafios significativos. Timor-Leste é um país multilíngue, com a presença forte do inglês e do indonésio, além do uso predominante do tétum, o maior idioma local. Benjamin Corte Real destaca que, mesmo que o inglês seja visto como uma vantagem no mercado de trabalho, ele carece da profundidade e conexão emocional que o português traz: “O português em Timor não é apenas uma língua de trabalho; ele é uma expressão da nossa alma, de nossa identidade e patriotismo”.
Um símbolo de diferenciação e identidade
O deputado David Ximenes também enfatiza a importância do português como um elemento estratégico para diferenciar Timor-Leste de seus “vizinhos gigantes”. “Se não marcarmos essa diferença, corremos o risco de nos perder”, ele declara. “Apesar das resistências que ainda existem, especialmente entre aqueles que foram educados na Indonésia, estamos avançando gradualmente”.
Vista de Díli, Timor-Leste
Perspectivas otimistas para o futuro do português em Timor
O embaixador Dionísio Babo Soares acredita que há um crescente interesse pelo português, mesmo entre os falantes de tétum, que estão incorporando palavras do idioma nas suas conversas diárias. “Durante o período indonésio, o tétum assimilou muitas palavras do bahasa, mas após a independência, a situação mudou. Hoje, mais da metade das terminologias em tétum vêm do português”, ressalta.
Essas transformações podem ser lentas, mas o futuro parece promissor. A formação de uma nova geração de falantes de português nas escolas e universidades representa um passo significativo para assegurar que essa língua não apenas sobrevive, mas também floresce entre os jovens. Os vários projetos da CPLP em educação básica e superior trazem esperança e demonstram que a cooperação é uma chave para revitalizar um idioma que, embora tenha se afastado do dia a dia, mantém vivo o espírito coletivo do povo timorense.
Neste Dia da Língua Materna, muitos jovens timorenses celebram o português como um meio de expressão e um símbolo de sua histórica luta por liberdade e identidade. O caminho à frente é desafiador, mas com resiliência e apoio contínuo, a língua portuguesa continuará a ser um pilar na construção do futuro de Timor-Leste.