Cada Dólar em Adaptação Climática: Um Potencial de Retorno de 10 Dólares
Enchente do rio Guadalupe, em julho, em Kerrville, Texas
A COP30 está em andamento no Brasil, e a adaptação climática é o foco central das discussões. Dados recentes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) revelam uma preocupação crescente: o financiamento para adaptação está diminuindo em meio a tensões geopolíticas e econômicas. Este é um momento crítico, já que os efeitos das mudanças climáticas se tornam cada vez mais visíveis, e especialistas alertam que a estrutura financeira global não está preparada para os desafios que se aproximam.
O Cenário Atual da Adaptação Climática
No lançamento do relatório Adaptation Gap Report 2025: Running on Empty, a diretora executiva Inger Andersen destacou que todos os países enfrentam impactos climáticos. O documento aponta que as nações em desenvolvimento necessitarão de aproximadamente US$ 310 a US$ 365 bilhões anualmente até 2035 — uma quantia que varia entre R$ 1,89 trilhões e R$ 2,22 trilhões. Porém, os fluxos públicos que financiam a adaptação caíram de US$ 28 bilhões em 2022 para apenas US$ 26 bilhões em 2023. Uma queda preocupante à luz da crescente urgência climática.
Os efeitos das mudanças climáticas estão se intensificando, deixando de ser eventos únicos. Agora se sobrepõem, como as secas que aumentam os riscos de incêndios e as tempestades que danificam infraestruturas já fragilizadas. Embora, por muitos anos, a adaptação tenha sido tratada como um imperativo humanitário, a nova visão indica que o mundo está subfinanciando não só a adaptação, mas também os sistemas que sustentam a estabilidade econômica e financeira global.
O Risco Sistêmico das Mudanças Climáticas
Durante a COP30, o economista climático Delton Chen apresentou um conceito inquietante: os danos climáticos podem ser vistos como uma “externalidade sistêmica”. Isso significa que os choques climáticos podem se propagar por toda a economia de maneira mais rápida do que os modelos tradicionais conseguem prever. De acordo com as pesquisas da London School of Economics, liderada por Nicola Ranger, a degradação de ecossistemas importantes, como florestas e bacias hidrográficas, pode desencadear impactos tão severos quanto os da crise financeira global de 2008.
Ranger e sua coautora, Emma O’Donnell, propõem a criação dos Global Systemically Important Natural Systems (G-SINS), inspirados na forma como bancários tratam instituições que não podem falhar, destacando a importância de proteger esses sistemas naturais que sustentam economias inteiras.
Por Que a Adaptação É Penalizada?
Natalie Unterstell, presidente do instituto brasileiro de políticas climáticas Talanoa, acredita que o problema é estrutural. “Estamos lidando com riscos climáticos do século 21 usando uma infraestrutura financeira do século 20.” Os países que investem em resiliência enfrentam condições de mercado mais desafiadoras. Podem acabar pagando mais e enfrentando limitações mais estritas, um dilema que muitos países em desenvolvimento já conhecem bem.
Natalie sugere que duas reformas imediatas poderiam fazer diferença significativa:
- Reconfiguração de Capital: Ajustar a adequação de capital dos bancos multilaterais para que investimentos em resiliência sejam vistos como redutores de risco.
- Facilidades de Garantias: Criar mecanismos que evitem que a adaptação aprofunde endividamento nos países.
Ela alerta que as metas estabelecidas, como as do Pacto Climático de Glasgow, para atingir US$ 40 bilhões por ano até 2025, estão longe de ser cumpridas. A meta recente de pelo menos US$ 300 bilhões anuais até 2035 também parece distante. Inger Andersen foi clara: nenhum desses valores está próximo do necessário, e a contribuição do setor privado tem potencial para ser multiplicada.
Reestruturando a Arquitetura Financeira
O relatório Baku to Belém Roadmap aponta que a resiliência deve ser integrada ao fluxo global de capitais, abordando cinco áreas principais para reforma. Sugere-se que seja possível levantar até US$ 1,3 trilhão por ano até 2035, um número viável com um reposicionamento estratégico.
Natalie ressalta que “se a resiliência não aparecer nos balanços financeiros, a sensibilização não moverá capital.” Para que isso aconteça, bancos centrais e reguladores devem sair da fase apenas de diagnóstico.
Fundos e Recursos Públicos: Um Papel Crucial
Recentemente, a ClimateWorks Foundation comentou sobre o recorde histórico de financiamento filantrópico para a adaptação, que chegou a US$ 873 milhões. Apesar desse avanço, ainda está muito longe do ideal. O financiamento público climático continua em baixa, o que torna o Green Climate Fund (GCF) essencial para mitigar a lacuna existente.
Henry Gonzalez, diretor de investimentos do GCF, enfatiza que, embora haja progresso, o financiamento da adaptação ainda não atinge o necessário. O GCF, com um portfólio de US$ 19 bilhões, comprometeu US$ 2,2 bilhões em 2024, o que representa apenas 8% do total global. A magnitude da crise exige uma ação muito mais robusta.
O Desafio da Participação do Mercado
Claro que o argumento econômico para investir na adaptação é claro: segundo o WRI, cada dólar investido pode gerar até 10 dólares em retorno. No entanto, obstáculos estruturais continuam a limitar os investimentos privados. Muitos projetos não conseguem fazer jus a benefícios de longo prazo, e instituições financeiras muitas vezes não têm mandatos que valorizem a prevenção de perdas físicas.
As propostas que conectam adaptação e mitigação, como eficiência de refrigeração e controle de enchentes, demonstram que investimentos responsáveis não só mitigam danos, mas também abrem portas para novas oportunidades.
A Necessidade de uma Estratégia de Longo Prazo
Uma das maiores preocupações trazidas à tona pelo Pnuma é a falta de um mecanismo de adaptação pós-2025. Natalie observa que “estamos à beira do precipício do financiamento de adaptação.” Sem um plano sucessor, os países correm o risco de retroceder e não avançar. A adaptação requer tempo e planejamento, e mesmo em tempos difíceis, é crucial investir agora para evitar custos ainda maiores no futuro.
Achando o Caminho para a Sustentação
Os impactos das mudanças climáticas já estão gerando volatilidade e estresse nos mercados financeiros, além de rebaixamentos de crédito soberano. Isso pode agravar a fragilidade macroeconômica de muitos países. Investir em adaptação não só protege, mas também promove um crescimento compartilhado.
Considerando que o financiamento da adaptação passou de uma preocupação periférica para um pilar essencial da estabilidade global, a necessidade de um esforço coletivo para garantir recursos é clara. Precisamos unir esforços públicos e privados para financiar a adaptação de forma robusta, para que as próximas gerações possam prosperar em um mundo seguro e resiliente.
Os desafios são enormes, mas a resiliência, quando bem abordada, poderá não apenas evitar perdas, mas criar um ambiente propício para oportunidades de crescimento econômico a longo prazo. Portanto, a hora de agir é agora. Que possamos transformar essas discussões em ações concretas e eficazes!
