A Transformação da Identidade Ucraniana na Era da Guerra

A guerra não apenas altera territórios, mas também transforma a essência dos povos. A invasão em larga escala da Rússia na Ucrânia, iniciada em 2022, deixou um rastro de destruição física e emocional que vai muito além das perdas humanas e das cidades devastadas. Essa experiência de conflito tem moldado uma nova percepção da identidade nacional entre os ucranianos, alterando suas crenças sobre si mesmos, sobre o mundo que os cerca e sobre a disposição de resistir a uma agressão estrangeira.

Mudanças Profundas na Opinião Pública

Desde a independência da Ucrânia em 1991, o Instituto Internacional de Sociologia de Kiev (KIIS) tem sido uma fonte crucial para entender a evolução da opinião pública no país. Antes da guerra, realizava cerca de 100 a 150 pesquisas anualmente sobre diversos temas. Após a invasão russa, mesmo diante das dificuldades, o KIIS continuou seus trabalhos, resgatando gradualmente suas operações.

Valorização da Soberania e Unidade Nacional

A guerra despertou um apreço renovado pela soberania e pelos direitos democráticos, resultando em uma maior coesão entre os ucranianos. Um aspecto notável é a diminuição das diferenças de atitude entre as diversas regiões, além de um forte aumento na disposição de resistir à agressão russa. No entanto, novos desafios também emergiram, promovendo divisões, como entre os militares e civis ou entre os deslocados internos e aqueles que permaneceram nas regiões ocupadas.

Os ucranianos estão cientes de que a luta será longa. Após um contra-ataque frustrado no ano passado, a percepção de um futuro próspero dentro da União Europeia caiu drasticamente: de 88% em outubro de 2022 para apenas 55% em dezembro de 2024. Esse desânimo é compreensível, dadas as dificuldades enfrentadas, mas, paradoxalmente, também fortaleceu um sentimento de patriotismo e uma determinação maior para lutar pela liberdade e pela integração na Europa.

A Efeito “Rally-Around-the-Flag”

A invasão trouxe à tona a conhecida dinâmica de apoio ao governo durante períodos de crise. Em 2021, apenas 5% da população acreditava que o governo central estava desempenhando bem suas funções; em dezembro de 2022, esse número disparou para 41%. Essa mudança impressionante em opiniões reflete o desejo do povo de unir forças em torno de seus líderes e instituições enquanto resistem à invasão.

A Confiança nas Instituições

Entre as instituições, as forças armadas têm desfrutado do maior nível de confiança. A confiança no exército subiu de 72% para impressionantes 96% no primeiro ano de guerra. A percepção do presidente Volodymyr Zelensky também mudou drasticamente, com sua aprovação passando de 27% em 2021 para 84% em 2022. Esse fenômeno é exemplificado pelo que se pode chamar de “efeito de união em torno da bandeira”.

Historicamente, a Ucrânia tem se debatido entre a influência russa e a orientação ocidental. Antes de 2014, a divisão de opiniões era evidente, com cerca de 50% a 65% da população favorável a uma aliança com a Rússia. No entanto, a anexação da Crimeia e a agressão em curso mudaram essa dinâmica para sempre.

Mudanças nas Aspirações Geopolíticas

A partir de 2014, a relação com a OTAN mudou radicalmente. Antes, apenas 16% a 19% da população apoiava a adesão da Ucrânia à aliança militar. Entretanto, após a invasão da Crimeia, o apoio à OTAN subiu para 48% em 2015. Curiosamente, a história revelava que Putin desfrutava de uma popularidade considerável na Ucrânia antes de 2014, com uma aprovação em torno de 60%. Essas métricas são motivo de reflexão sobre como eventos dramáticos podem redirecionar as aspirações nacionais.

A Reação ao Conflito

Com a invasão em larga escala de 2022, o desejo de aderir à OTAN se acentuou, atingindo 71% de aprovação. Entre os que tinham uma visão positiva sobre a Rússia em 2021, 80% passaram a nutrir sentimentos negativos após a invasão. Esse giro dramático ilustra como os ucranianos decidiram alinhar-se de forma decisiva com a Europa e o Ocidente, desatando laços históricos com a Rússia.

Resiliência em Tempos Difíceis

Apesar de reconhecerem os desafios imensos que a guerra impõe, os ucranianos demonstram uma resiliência admirável. A moral e o estado psicológico da população são fatores cruciais em qualquer conflito. O nível de coesão social entre 2022 e 2024 foi excepcional. Em comunidades que acolheram deslocados internos, 78% dos entrevistados mantinham uma visão positiva sobre eles.

Engajamento e Solidariedade

Os ucranianos demonstraram um envolvimento significativo em ações de apoio mútuo, com mais de 90% afirmando que contribuíam de alguma forma para a defesa do país – seja através de doações financeiras ou trabalho voluntário. Essa mobilização geral também reflete um novo tipo de confiança na sociedade, com 81% expressando confiança nos voluntários civis que têm sido fundamentais no esforço de guerra.

A Unidade na Diversidade

Antes da guerra, as variações regionais e étnicas em termos de alinhamento político eram evidentes. No entanto, a invasão precipitou uma diminuição dramática dessas diferenças. Em um referendo sobre adesão à UE, a diferença entre o ocidente e o leste se reduziu consideravelmente: enquanto 70% no oeste apoiariam a adesão em 2021, em 2022, 88% no oeste e 71% no leste estavam a favor.

Um Futuro Esperançoso

Apesar de todos os desafios enfrentados, a grande maioria dos ucranianos ainda acredita em um futuro próspero. Apenas 19% consideram que em dez anos a economia estará arruinada e que muitos compatriotas terão partido. O otimismo, embora tenha sofrido algumas oscilações, permanece como uma força que mantém os ucranianos unidos em busca de um futuro melhor.

Os eventos se desdobram e novas realidades se apresentam, mas a resiliência e o senso de unidade dos ucranianos oferecem esperança e determinação. O desejo de se afastar da influência russa em direção ao Ocidente se solidificou, garantindo que a luta pela liberdade e pelas aspirações europeias continue. Em tempos de conflito, a capacidade de manter a esperança viva e unir a nação é o que verdadeiramente define um povo.

Por isso, ao refletirmos sobre o presente e futuro da Ucrânia, somos convidados a apoiar essa luta por dignidade, liberdade e um lugar no cenário europeu, mostrando que a identidade ucraniana é mais forte do que nunca.