A Guerra Civil no Sudão: Entre Conflitos e Convivência
Após dois anos de intensas batalhas, a guerra civil no Sudão chegou a uma situação de impasse tenso. Desde o início de 2025, as Forças Armadas Sudanesas (FAS) e suas milícias aliadas têm conquistado terreno significativo contra as Forças de Apoio Rápido (FAR), um poderoso grupo paramilitar acusado de genocídio. Enquanto essas facções lutam pelo controle do país, a realidade é complexa e marcada por profundas divisões.
O Cenário Atual em Khartoum
Em março deste ano, as FAS conseguiram retomar a capital, Khartoum, recuperando o palácio presidencial e expulsando a maior parte dos combatentes da FAR da cidade. Contudo, a vitória total das FAS parece distante; as FAR ainda mantêm o controle sobre aproximadamente 25% do território sudanês, especialmente no oeste. O foco atual das FAR se concentra em fortalecer sua posição na vasta região de Darfur, onde intensificaram sua presença.
Nas últimas semanas, o combate diminuiu em algumas áreas, mas voltou a ganhar força na capital provincial de El Fasher, em Darfur do Norte, que se tornou o último reduto das FAS na região oeste do Sudão.
Uma Oportunidade para a Paz?
Historicamente, momentos de estagnação nas batalhas costumam abrir portas para cessar-fogos e negociações de paz, como ocorreu em 2005, quando a mediação internacional levou ao fim da segunda guerra civil sudanesa. Os sudaneses definitivamente precisam de um alívio: o atual conflito resultou em cerca de 150 mil mortes, 13 milhões de deslocados e até 25 milhões enfrentando insegurança alimentar severa.
No entanto, qualquer esperança de que as negociações possam levar a uma paz duradoura parece ilusória. O conflito exacerbou as divisões étnicas e regionais presentes no país, e as atrocidades cometidas pelas FAR tornam as negociações uma perspectiva impensável para muitos apoiadores das FAS. Além disso, diversos interesses estrangeiros estão envolvidos, dificultando a formulação de um governo unificado.
As Lições do Passado
Se olharmos para a história, a fragmentação territorial, como a secessão do Sul do Sudão em 2011, não necessariamente traz estabilidade. Em vez disso, confere apenas um novo cenário de conflitos internos, onde grupos rivais começam a batalhar entre si. A falta de um cessar-fogo ou de diálogos pode evidenciar um quadro semelhante ao que se vive hoje em países como Líbia e Iémen, onde a divisão é puramente nominal e o combate continua.
Entrando no Cerne do Conflito
A atual guerra civil no Sudão não pode ser reduzida a um simples confronto entre duas facções. Ela teve início como uma disputa entre dois grupos dentro do aparato de segurança do país: as FAS, lideradas por Abdel Fattah al-Burhan, e as FAR, sob o comando de Mohamed Hamdan Dagalo, o famoso Hemedti.
A Aliança Que se Rompeu
Burhan e Hemedti inicialmente uniram forças para derrubar o governo transitório liderado por civis após a queda do ditador Omar al-Bashir em 2019, mas a aliança rapidamente se deteriorou em abril de 2023. Daí em diante, o conflito evoluiu para uma guerra abrangente, envolvendo diversos grupos sudaneses e potências estrangeiras bem equipadas, como Egito, Irã, Rússia, Arábia Saudita, Turquia e Emirados Árabes Unidos.
Novas milícias surgiram para apoiar cada facção, enquanto grupos armados mais antigos, como o Exército da Libertação do Sudão (SLA) e o Movimento de Justiça e Igualdade (JEM), se aliaram às FAS, enquanto o Movimento de Libertação do Povo do Sudão-Norte (SPLM-N) se alinhou com as FAR.
Motivações Por Trás da Guerra
A guerra não se embasa em ideologia, mas sim na luta pelo controle sobre os imensos recursos minerais e agrícolas do Sudão, incluindo vastas reservas de ouro e a segunda maior extensão de terras aráveis na África. As facções combatentes são motivadas por interesses materiais e não ideológicos, o que, teoricamente, poderia abrir espaço para negociações.
Todavia, a história demonstra que a luta pelo poder regional tende a criar alianças voláteis, onde a lealdade de milícias menores depende mais dos recursos que recebem do que de identidades étnicas ou ideológicas fixas.
A Influência Internacional
Tanto as FAS quanto as FAR buscaram apoio externo para financiar suas operações bélicas, com os Emirados Árabes Unidos mantendo uma relação próxima com as FAR, incluindo o fornecimento de armas e mercenários. O Egito, por sua vez, busca um aliado forte em Khartoum, especialmente em meio à disputa pelo controle do Nilo frente à Etiópia.
A Arábia Saudita, enquanto tenta se colocar como um mediador, muitas vezes acaba alinhando-se com as FAS por questões regionais. Essa dinâmica internacional complica ainda mais a busca por uma solução pacífica, já que cada ator externo investe em suas próprias agendas.
A Fragilidade das Alianças
Um grande obstáculo para a paz no Sudão é a fragilidade interna de cada aliança. As defecções já são uma constante, e a história recente mostra que os grupos aliados têm uma lealdade tênue, fundamentada mais em questões de sobrevivência imediata do que em ideais comuns. O que acontece nas linhas de frente e as mudanças no controle territorial podem ser cruciais para novas divisões e reagrupamentos.
Por exemplo, com o recuo recente das FAR no centro do Sudão, há uma possibilidade de que isso leve a um aumento nas deserções entre grupos que se sentem desprotegidos ou negligenciados.
A Complexidade das Identidades
Listar as identidades dos grupos em conflito é complicado, pois muitos não se encaixam perfeitamente nas narrativas simplistas que dividem o país entre árabes e africanos. As violências perpetradas em algumas regiões têm causado reações violentas contra grupos que são, em teoria, aliados, demonstrando que as alianças são mais fluidas do que permanentes.
O Futuro do Sudão: Em Direção a uma Partição ou a Mais Conflito?
A situação territorial atual no Sudão pinta um quadro de divisão. O oeste, com exceção de El Fasher, está sob domínio das FAR, enquanto as FAS controlam a maior parte do norte, leste e centro do país. Recentemente, a FAR e seus aliados assinaram um acordo constitucional transitório, preparando o terreno para um governo paralelo.
Contudo, essa fragmentação não necessariamente trará paz duradoura. A coalizão das FAR é formada por alianças curiosas, incluindo forças seculares e grupos religiosos que tradicionalmente são opostos. A governabilidade em uma nova estrutura política, por sua vez, será dificultada pela ausência de instituições estatais sólidas, especialmente em regiões historicamente marginalizadas.
Caminhando para um Amanhã Incerto
Infelizmente, a natureza do conflito no Sudão sugere que alianças continuarão a mudar e que novos grupos emergirão enquanto o país avança em direção a um futuro incerto. A luta por recursos e poder provavelmente prevalecerá, e o cenário de guerra pode persistir em vez de se alinhar em direção à paz ou divisão.
Para o povo sudanês, o desejo de um futuro melhor e mais estável permanece; no entanto, a complexidade do atual panorama bélico indica que o caminho à frente será tortuoso. O que será do Sudão? O debate e a reflexão sobre essa questão são mais importantes do que nunca.