O Papel da Imprensa na Defesa da Democracia em Tempos de Crise

Nos dias atuais, em que as democracias enfrentam sérios riscos em todo o mundo, a importância da imprensa independente se torna ainda mais evidente. Em 2023, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, descreveu o jornalismo independente como “a base da democracia e da justiça”, além de ser “a própria essência dos direitos humanos”. No entanto, mesmo os jornalistas mais corajosos e determinados não conseguem sustentar a democracia sozinhos. Sem instituições fortes e comprometidas, o papel da imprensa na exposição de abusos de poder se torna limitado.

O Papel da Imprensa na Exposição de Abusos

A mídia pode revelar situações de corrupção e abuso enquanto conta com o apoio de servidores públicos e outras fontes dispostas a compartilhar informações sigilosas. O impacto das notícias é amplificado quando leva à ação, motivando promotores a agir, juízes a reverter abusos, legisladores a exigirem investigações e cidadãos a protestarem. Sem essa colaboração entre imprensa e instituições, as revelações acabariam sem qualquer efeito positivo.

Nos Estados Unidos, a liberdade de imprensa está sob crescente ameaça. Para entender melhor esse cenário, é fundamental observar como a imprensa teve um papel crucial em outros países, como a Coreia do Sul, o Brasil e El Salvador, enfrentando a erosão democrática. Nesses lugares, jornalistas conseguiram expor a corrupção e mobilizar gritos de insatisfação contra líderes autoritários, mas sempre com o suporte de outras instituições que também se opunham ao excesso de poder.

Casos Inspiradores e Desafiadores

A queda do comunismo no final dos anos 1980 trouxe a esperança de que a opressão poderia ser derrotada por meio da liberdade de informação. Porém, essa visão simplista ignora a complexidade da luta pela democracia. O surgimento da internet transformou o modelo econômico da imprensa, reduzindo a receita publicitária e fazendo com que a informação que antes era paga se espalhasse amplamente sem custo.

Um relatório de 2025 da organização não governamental Repórteres Sem Fronteiras revelou que 34 países vivenciam um fechamento massivo de meios de comunicação, e em 160 de 180 países, as organizações de mídia lutam por estabilidade financeira. Além disso, a entrega de notícias se fragmentou, dificultando a disseminação de informações essenciais para a responsabilidade pública.

O Desafio da Erosão Democrática

Quando instituições, como o judiciário, estão comprometidas, a imprensa encontra barreiras significativas para provocar mudanças. O professor Silvio R. Waisbord, que cresceu sob a ditadura militar na Argentina, concluiu que o papel da imprensa em combater autoritarismos é mais forte quando consegue explorar descontentamento entre elites para obter informações. Casos notáveis, como o escândalo de corrupção no Brasil em 2014, demonstram que a colaboração entre a imprensa e insiders do governo é essencial para desmascarar práticas ilícitas.

Nos anos 70, no caso Watergate, jornalistas do Washington Post contaram com um informante do FBI — o famoso “Garganta Profunda” — para expor as ações criminosas do então presidente Richard Nixon. As revelações levaram à ação do judiciário e do Congresso, resultando na renúncia de Nixon.

Por outro lado, se as instituições responsáveis por corrigir injustiças estiverem apáticas ou capturadas, pouco ou nada mudará. Além disso, se os cidadãos não tiverem acesso a essas informações, a pressão por mudanças também será inexistente.

Lições da História: Coreia do Sul

A Coreia do Sul, o Brasil e El Salvador enfrentaram ameaças severas à democracia e mostram como diferentes ambientes institucionais podem influenciar o trabalho da imprensa e a defesa da liberdade. Durante a quase quarenta anos de regime autoritário na Coreia do Sul, muitas empresas de mídia se deixaram levar pela propaganda do governo.

A transição para a democracia em 1988 trouxe novas esperanças, mas a luta continuou. Em 2013, a presidente Park Geun-hye adotou um estilo autoritário que remetia aos tempos de repressão de seu pai. Apesar disso, a mídia independente, como o jornal Hankyoreh, emergiu para expor abusos e corrupção. A cooperação atípica entre mídias de diferentes espectros políticos foi crucial para a queda de Park, resultado de uma intensa mobilização popular que levou a protestos em massa.

O Papel da Sociedade Civil

No Brasil, a experiência do presidente Jair Bolsonaro mostra como o descontentamento interno e um judiciário independente são essenciais para a contenção de abusos. Desde sua ascensão ao poder, Bolsonaro atacou repetidamente a liberdade de imprensa, mas a resposta contundente de jornalistas e do setor judiciário conseguiu contrariar suas tentativas de controle.

Jornalistas como Patricia Campos Mello, do Folha de São Paulo, desempenharam um papel crítico ao documentar irregularidades na campanha de Bolsonaro, enfrentando ataques e ameaças, mas ainda assim contribuindo para a responsabilização do ex-presidente.

O Caso de El Salvador: O Outro Lado da Moeda

Em contraste, em El Salvador, mesmo uma imprensa corajosa enfrenta enormes desafios. Após um longo período de guerra civil, o país se democratizou em 1992, mas as instituições permaneceram vulneráveis à interferência política. A ascensão de Nayib Bukele em 2019 representa uma erosão ainda mais acentuada dos valores democráticos, com o governo atacando sistematicamente a liberdade de expressão e a independência da mídia.

O outlet digital El Faro, conhecido por suas investigações audaciosas, resistiu bravamente, mas enfrentou uma pressão crescente do governo, culminando em ataques cibernéticos e perseguições. Muitos jornalistas do El Faro foram forçados a deixar o país, exemplificando o clima ameaçador em que a imprensa opera em contextos autoritários.

Construindo uma Rede de Apoio à Imprensa

O que esses casos nos ensinam sobre a interdependência necessária entre a imprensa e instituições democráticas? A eficácia do jornalismo está diretamente ligada à força de outras estruturas que sustentam a liberdade de expressão. Isso inclui uma administração pública profissional, um judiciário independente e uma sociedade civil disposta a lutar pelos seus direitos.

Embora no Brasil e na Coreia do Sul a imprensa enfrente pressões, a mobilização cidadã e o apoio institucional têm mostrado resultados positivos. O mesmo não pode ser dito de El Salvador, onde a desconexão entre cidadãos, imprensa e instituições gera um ambiente de medo e silêncio.

Conclusões Reflexivas

O caminho para a defesa da democracia é coletivo e exige uma rede de apoio robusta. Nos Estados Unidos, o panorama da liberdade de imprensa está em questão, com cada vez mais desafios impostos por instituições que não conseguem conter abusos de poder.

Os casos da Coreia do Sul, Brasil e El Salvador nos oferecem lições valiosas: a luta pela democracia e pela liberdade de imprensa é contínua, e as gerações que vieram da opressão têm um papel importante a desempenhar. A complacência pode levar a um retrocesso, e um olhar atento ao passado é fundamental para defender o futuro.

À medida que analisamos os desafios enfrentados por nossos países vizinhos, é essencial refletir sobre nosso próprio papel na preservação dos valores democráticos. O compromisso em proteger a liberdade de imprensa e engajar-se ativamente na defesa da democracia não é apenas desejável; é imprescindível para a construção de sociedades mais justas e transparentes.

Vamos continuar essa conversa: como você enxerga o papel da imprensa em seu país? Quais medidas podem ser tomadas para apoiar a liberdade de expressão? Compartilhe suas opiniões e reflexões!