segunda-feira, junho 9, 2025

Crise, Reforma e Privilégios no Brasil: O Desafio de Enfrentar o Déficit Fiscal e a Desigualdade

As projeções indicam que o Brasil terá uma das maiores quedas de PIB das últimas décadas em 2020, próxima a -5%, embora abaixo da média de outros países desenvolvidos e emergentes, com exceção da China. Em contrapartida, o país aplicou um estímulo fiscal significativo, superior a 8% do PIB, o segundo maior da América Latina, atrás apenas do Peru. No entanto, isso trouxe um aumento expressivo no déficit fiscal, que saltou de uma previsão inicial de R$ 115 bilhões para mais de R$ 800 bilhões, com a dívida pública se aproximando perigosamente de 100% do PIB.

Enquanto outros países também ampliaram seus déficits, o Brasil enfrenta dificuldades únicas. A fragilidade fiscal histórica do país obriga o governo a pagar juros altos em comparação com outras economias, como Japão, EUA e países europeus, que oferecem taxas próximas de zero em títulos de longo prazo. Com isso, o Brasil mantém juros altos em dívidas de 10 anos, acima de 8% ao ano, refletindo uma insegurança que afeta a taxa de câmbio e contribui para a desvalorização do real, que já superou a de outras moedas emergentes em 2020.

Essa crise não começou com a pandemia. Desde a recessão de 2015 e 2016, com quedas de -3,5% e -3,3% no PIB, o Brasil já demonstrava baixo crescimento e enfrentava desafios fiscais. Mesmo antes da Covid-19, reformas amplas e estruturais eram reconhecidas como essenciais para um crescimento sustentável. No entanto, em meio a discussões sobre a manutenção do teto de gastos, a reforma administrativa e a reforma tributária, setores públicos e privados se esforçam para preservar privilégios que perpetuam o baixo crescimento e dificultam o ajuste fiscal.

O Teto de Gastos e a Pressão Corporativa

Instituído pela Emenda Constitucional 95 em 2016, o teto de gastos foi criado para conter o crescimento das despesas públicas por uma década, sem a necessidade de aumentar a carga tributária. Essa política promoveu uma redução gradual das taxas de juros e ajudou a estabilizar as contas públicas no curto prazo.

Contudo, a resistência ao teto de gastos é visível. Em 2019, 7 dos 8 tribunais federais não cumpriram seus tetos individuais, e o Poder Executivo teve que compensar o excesso de gastos do Judiciário. Em 2020, apesar da crise econômica, a pressão por gastos públicos permaneceu forte. Não se trata apenas dos programas essenciais de auxílio emergencial, mas de aumentos salariais para corporações públicas que tradicionalmente recebem acima da inflação.

Em agosto de 2020, o Tribunal de Contas da União e o Congresso Nacional aprovaram uma abertura de crédito suplementar de R$ 166,8 milhões para o Ministério Público da União (MPU), destinado a cobrir despesas como auxílio-moradia. Além disso, o Poder Judiciário solicitou autorização para usar R$ 500 milhões das custas processuais para aumentar o seu teto de gastos, uma ação que representa o esforço constante de aumentar despesas dentro de um cenário de restrição orçamentária.

Essas exceções ao teto de gastos comprometem a efetividade da regra e desviam recursos que poderiam beneficiar a população em áreas essenciais, como saúde e educação. Com altos salários e benefícios adicionais, setores como o Judiciário e o MPU seguem pressionando o orçamento e minando o objetivo de estabilidade fiscal proposto pela EC 95.

A Necessidade de uma Reforma Administrativa Abrangente

O Brasil segue padrões defasados em relação a outros países que modernizaram suas administrações públicas. Na última década, países como Austrália, Nova Zelândia, Inglaterra, Portugal e Chile realizaram reformas em suas máquinas públicas, buscando melhorar a eficiência e alinhar os incentivos à produtividade. No entanto, o Brasil continua com uma estrutura pública marcada por altos salários, progressões automáticas e estabilidade incondicional, que muitas vezes se traduz em proteção ao desempenho inadequado.

A recente proposta de reforma administrativa, que incide apenas sobre novos servidores e somente no Poder Executivo, limita-se a uma ação superficial que não resolve as distorções atuais. O Congresso Nacional é chamado a ampliar o alcance dessa reforma, incluindo todos os poderes e carreiras, a fim de corrigir as desigualdades e aplicar efetivamente o teto remuneratório. Reformas bem-sucedidas em outros países indicam que uma administração pública mais eficiente é essencial para a prestação de melhores serviços e para a sustentabilidade fiscal.

A Reforma Tributária e o Fim dos Privilégios Fiscais

Os privilégios no Brasil não se limitam ao setor público. Apenas em 2019, a União deixou de arrecadar R$ 330,6 bilhões em incentivos fiscais, enquanto os estados abriram mão de R$ 91,7 bilhões em receitas por meio de renúncias fiscais. O sistema tributário brasileiro é altamente complexo, com mais de 100 regimes especiais apenas para PIS e Cofins, criando uma rede de isenções que beneficia poucos setores, sem retorno significativo para a economia.

A ineficiência dos incentivos fiscais é evidente em casos como a isenção tributária para atum e caviar, itens que recebem o mesmo benefício que produtos da cesta básica, como feijão e arroz. Além disso, o país oferece isenções generosas para investidores de alta renda, que não pagam impostos sobre dividendos, enquanto os trabalhadores de baixa renda arcam com uma carga tributária desproporcional sobre o consumo.

Uma reforma tributária que elimine esses privilégios é urgente. A complexidade do sistema e a concessão de benefícios para grupos com forte influência política aumentam a desigualdade na distribuição da carga tributária e prejudicam o desenvolvimento econômico. Políticas que visem corrigir essas distorções são essenciais para um crescimento inclusivo e justo.

A Crise e a Oportunidade de Reformas Necessárias

A crise de 2020 trouxe enormes desafios, mas também uma oportunidade única de realizar reformas significativas que o Brasil precisa há anos. Em meio à perda de milhões de empregos e à pressão sobre o sistema de saúde, o país deveria consolidar um esforço nacional para reduzir privilégios e promover a igualdade de oportunidades.

No entanto, o que se vê são grupos poderosos buscando preservar ou ampliar seus benefícios. Para que o Brasil possa superar a crise e promover o crescimento, é necessário encarar de frente os interesses corporativos que se beneficiam de uma estrutura fiscal e administrativa desigual. A manutenção do teto de gastos, a reforma administrativa e uma reforma tributária que elimine privilégios são fundamentais para construir um país com maior justiça social e equilíbrio fiscal.

A experiência de crises passadas, como a de 2015 e 2016, mostrou que, sem reformas estruturais, o Brasil ficará preso em um ciclo de baixo crescimento e endividamento. Ao invés de preservar o status quo, o Brasil deve aproveitar este momento para construir uma economia mais inclusiva e eficiente.

 

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