Como o Equilíbrio Fiscal Afeta a Inflação: Uma Análise dos Canais de Transmissão
O Banco Central tem mencionado, em diversas comunicações, que a dinâmica da política fiscal pode ser um risco para a inflação. No entanto, essa relação nem sempre é tão clara. Para compreender melhor, é importante analisar os três principais canais pelos quais o equilíbrio das contas públicas pode impactar os preços da economia:
- Demanda interna;
- Risco-país e taxa de câmbio;
- Risco de monetização da dívida pública.
Vamos avaliar a situação atual desses canais para entender se a política fiscal irá contribuir para a redução da inflação no horizonte almejado pelo Banco Central.
Canal 1: Demanda Interna
O primeiro canal é a demanda interna, que ocorre quando o aumento da despesa pública eleva a procura por bens e serviços. Isso pode acontecer:
- Diretamente: por meio de compras públicas;
- Indiretamente: através de transferências de renda, como o Bolsa Família e outros programas sociais.
O aumento da demanda pressiona os preços quando não há ociosidade nos fatores de produção. Ou seja, se a oferta não puder crescer sem elevar os custos, os preços aumentam.
Situação Atual:
- Entre 2021 e 2023, as despesas públicas do governo central cresceram 21% acima da inflação.
- Houve ainda desonerações tributárias, como a redução de tributos sobre combustíveis, que liberaram renda adicional ao consumidor.
Estudos recentes mostram que essa expansão fiscal foi crucial para sustentar a demanda interna, como comprovado pela resiliência em indicadores de vendas no varejo e serviços.
Impacto do Arcabouço Fiscal:
O novo arcabouço fiscal traz limites para o crescimento das despesas no futuro, o que é positivo para a previsibilidade da economia. Contudo, ao garantir crescimento real das despesas a partir de um patamar já elevado, ele permanece expansionista para a demanda interna no curto prazo.
Canal 2: Taxa de Câmbio e Risco País
O segundo canal é o risco-país, que afeta a taxa de câmbio. Um aumento na percepção de risco fiscal pode levar à depreciação do real, pressionando os preços domésticos via inflação importada.
Situação Atual:
Atualmente, este canal não preocupa tanto o Banco Central. Fatores como:
- Valorizacão das commodities;
- Atuação independente do Banco Central brasileiro;
- A atratividade da matriz energética limpa do Brasil,
ajudaram a estabilizar o real. A taxa de câmbio, que chegou a R$ 5,6 por dólar em 2021, agora está na casa de R$ 5,0.
Dessa forma, a depreciação cambial não tem sido um canal significativo de preocupação inflacionária no momento.
Canal 3: Risco de Monetização da Dívida Pública
Por fim, temos o risco de monetização da dívida. Esse canal ocorre quando uma dívida crescente eleva as chances de um calote em algum momento. Se a dívida é interna e em moeda local, o calote ocorre por meio da inflação (imposto inflacionário).
Histórico Brasileiro:
O Brasil tem um histórico recente de financiamento via inflação, como ocorreu nos anos 1990 e novamente entre 2021/2022.
Arcabouço Fiscal e Riscos:
O novo arcabouço é um caminho possível para equilibrar as contas, mas arriscado. Isso porque:
- O aumento das despesas públicas é certo;
- O aumento de receitas, porém, é incerto.
Estudos indicam que apenas 62% das receitas adicionais projetadas devem se concretizar. Mesmo com essa arrecadação, o déficit primário em 2024 pode ficar próximo de 1% do PIB, enquanto o objetivo do governo é 0%.
Consequência:
Com um déficit persistente, a dívida pública deve voltar a crescer nos próximos anos, mantendo as expectativas de inflação pressionadas. Isso pode obrigar o Banco Central a manter a política monetária contracionista.
Conclusão: Política Fiscal e os Desafios para o Banco Central
Ao analisar os principais canais de transmissão entre política fiscal e inflação:
- A demanda interna segue pressionada devido ao aumento das despesas;
- A taxa de câmbio está relativamente estável, não sendo um fator preocupante no momento;
- O risco de monetização da dívida pode manter as expectativas de inflação elevadas.
Portanto, mesmo com o novo arcabouço fiscal, há razões para o Banco Central manter cautela e manter a política monetária contracionista por mais tempo. A situação requer monitoramento constante para garantir que os objetivos de inflação sejam alcançados de forma sustentável.