Denial e as Complexidades das Relações Internacionais
Em dezembro de 2024, o cenário internacional foi marcado por um acontecimento chocante: o assassinato do general Igor Kirillov, chefe das forças de defesa radiológica, química e biológica da Rússia, em Moscovo. O governo ucraniano havia acusado Kirillov de cometer crimes de guerra pelo uso de armas químicas em solo ucraniano. Como resposta, autoridades russas rapidamente atribuíram a culpa a Kyiv. Entre murmúrios de fontes ucranianas anônimas, a responsabilidade foi, de certa forma, admitida, embora o governo ucraniano não tenha oficializado essa versão. Este incidente foi apenas o mais recente em uma série de ataques que Kyiv supostamente perpetrou, mas sobre os quais optou por não se pronunciar.
A Dinâmica da Negação
Esta situação não é única de um país. A negação é uma estratégia comum em muitas nações. A Rússia, por exemplo, tem um histórico de desmentir suas ações, mesmo diante de evidências palpáveis. Quando tropas russas foram avistadas na Ucrânia em 2014, a presença delas foi inicialmente negada pela Kremlin. Mais recentemente, Rússia também se recusou a admitir qualquer envolvimento em tentativas de assassinato no Reino Unido, como o caso do ex-espião Sergei Skripal em 2018. Além disso, as alegações de interferência nas eleições americanas desde 2017 também foram prontamente negadas, apesar das evidências coletadas pelas agências de inteligência dos EUA.
Outros países também seguem esse padrão. Por exemplo, em 2023, quando um balão chinês cruzou os EUA, Pequim alegou que era um monitor meteorológico, apesar das afirmações de especialistas que contestavam essa versão. O Paquistão muitas vezes oculta o papel de suas forças armadas em conflitos com a Índia por causa da disputa de Caxemira. Israel, por sua vez, pratica uma política de "nem confirmar, nem negar" atentados. Os Estados Unidos, por anos, não reconheceram os milhares de ataques aéreos realizados em seu esforço anti-terrorista no Paquistão, apesar de ampla cobertura da mídia.
O Lado Positivo da Ambiguidade
Pode parecer que um atacante não teria muito a ganhar ao ocultar a verdade. No entanto, nossas pesquisas recentes mostram que negar a responsabilidade pelos atos hostis pode, de fato, amenizar a pressão pública no estado-alvo para uma resposta escalonada. Esse fenômeno fica ainda mais claro ao observar que, quando um estado nega sua responsabilidade, os cidadãos do estado afetado percebem a hostilidade como menos insultante e menos prejudicial à reputação nacional. Isso gera uma ambiguidade que torna a resposta menos urgente.
Portanto, quando ambos os lados de um conflito desejam evitar a escalada, as negações podem realmente ajudar a manter a situação sob controle. Essa dinâmica, entretanto, pode se tornar problemática quando um governo se sente compelido a agir decisivamente contra provocações hostis, pois as negações podem frustrar tais intenções. Além disso, a eficácia das negações pode encorajar estados hostis a agir com maior impunidade.
Dica: Para contrabalançar as negações, produzir provas concretas é fundamental. Quando as evidências são esmagadoras, a eficácia da negação se reduz consideravelmente.
Como o Público Encarrega as Negações
Compreender a percepção pública em relação às negações é crucial, pois isso influencia as decisões de política externa. Em nossas pesquisas, que incluíram amostras representativas da população americana, utilizamos cenários hipotéticos de ataques de marinhas estrangeiras a petroleiros com bandeira americana no Golfo Pérsico. Alternamos entre atacantes identificados como o Irã, um adversário dos EUA, e Qatar, um estado mais neutro.
Os resultados foram intrigantes: as negações constantes do agressor reduziram significativamente o apoio do público para respostas militares. Por exemplo, quando o cenário oferecia evidências moderadas da responsabilidade iraniana, a negação reduziu o apoio para uma ação militar de 50% para 27%. Da mesma forma, a negação do Qatar baixou o apoio de 49% para 21%. No entanto, quando apresentamos evidências esmagadoras da culpabilidade do Irã, a negação teve um efeito quase desprezível, intensificando a ideia de que uma negação pode ser eficaz apenas sob certas condições.
O Impacto da Confiança
Por que as negações funcionam mesmo na presença de evidências em contrário? Em nossa análise, muitos participantes que leram sobre a negação por parte do estado agressor relataram menos preocupação com as possíveis consequências de não reagir, sentindo-se menos insultados. Isso sugere que, em um contexto de negação, há uma relação de respeito implícita, levando os cidadãos do estado alvo a se sentirem menos forçados a retaliar para restaurar o prestígio nacional.
Uma revelação ainda mais surpreendente foi que uma fração significativa do público, independentemente das evidências apresentadas, escolheu acreditar na negação. No nosso estudo, a crença em que o Qatar era responsável caiu de 96% para 76% após a negação, e, mesmo em casos de responsabilidade iraniana, a crença caiu de 99% para 84%. Embora muitos participantes não se deixassem enganar, o número suficiente que acreditou na negação ajudou a diminuir o apoio a ações retaliatórias.
A Arte da Negação nas Relações Internacionais
Se uma simples negação pode amenizar as repercussões de ações hostis, isso demonstra o poder dessa estratégia nas relações internacionais. Negações podem otimizar não apenas operações secretas, mas também ações militares convencionais, como uma intervenção em zonas de conflito. No entanto, é preciso reconhecer os limites dessa abordagem. Por exemplo, negar uma grande operação militar é praticamente inviável, o que pode explicar por que a Rússia não negou sua invasão em larga escala da Ucrânia em 2022.
O Dilema das Democracias
A negação apresenta um dilema em democracias, onde as informações circulam rapidamente e a verdade é uma mercadoria escassa. Um governo que nega atividades hostis para o público externo corre o risco de enganar seu próprio povo, especialmente em democracias onde a transparência é valorizada. Na prática, o que vemos são esses países optando por uma abordagem de "nem confirmar, nem negar".
Essa estratégia pode facilitar a desescalada, mas, ao mesmo tempo, configura um desvantagem em relação às potências não democráticas, que têm mais liberdade para disseminar mentiras. A ambiguidade pode ser útil, mas também cria desafios, pois a negação pode permitir que adversários se aproveitem das narrativas.
Um Caminho para a Claridade
À medida que a negação e a ambiguidade continuam a moldar as percepções sobre responsabilidade em ações hostis, os governos, especialmente o dos EUA, precisam considerar essas táticas como ferramentas geopolíticas e militares significativas. Estar preparado para obstruir a negação de um adversário é igualmente essencial quando as consequências podem ser prejudiciais.
Com a crescente fragmentação da mídia e a polarização política, a confiança nas informações tem se deteriorado. Portanto, é imperativo que governos compartilhem evidências de maneira clara e acessível, para que a verdade possa prevalecer. Combater as mentiras com a verdade deve ser a prioridade.
Reflexões Finais
As dinâmicas de negação nas relações internacionais revelam um campo complexo e multifacetado. Quando estados tentam controlar narrativas, as consequências podem ser profundas, influenciando a percepção pública e as decisões políticas. O desafio para as democracias é encontrar um equilíbrio entre a transparência e a necessidade de desescalar tensões.
O entendimento sobre como negações e ambiguidade funcionam pode nos ajudar a repensar as abordagens de política externa. É vital que continuemos a refletir sobre esses fenômenos e consideremos como podemos melhor educar o público a fim de construir uma sociedade mais informada e resiliente às narrativas enganosas. O debate sobre esses tópicos é essencial, e suas opiniões são bem-vindas! Que caminhos você acredita que deveriam ser trilhados diante dessas estratégias de negação nas relações internacionais?