Desde meu primeiro contato com o Bitcoin em 2017, o que mais me fascinou foi a possibilidade de transferir valores pela Internet de forma direta, sem intermediários, globalmente e quase instantaneamente. Após trabalhar por mais de duas décadas com o mercado de câmbio e suas dificuldades, essa ideia era revolucionária. No entanto, faltava algo crucial: estabilidade no valor do ativo (no caso, o Bitcoin) e uma infraestrutura para facilitar essas transações. Foi aí que as stablecoins entraram no radar.
Stablecoins: um passo além no ecossistema cripto
As stablecoins trouxeram a estabilidade necessária ao criar um token atrelado a uma moeda fiduciária, como o dólar. Diversos modelos foram testados, mas o mais prevalente hoje é o de colateralização total, com reservas em depósitos à vista ou títulos públicos de curto prazo. Os maiores players, como USDC, USDT e BUSD, seguem esse formato.
Apesar de centralizadas, essas stablecoins atuam na ponte entre o universo blockchain, transparente e descentralizado, e o sistema financeiro tradicional, mais opaco. Isso gera dúvidas recorrentes sobre a correspondência entre reservas e tokens emitidos. Por serem pouco reguladas, algumas emissoras aproveitam brechas no sistema, aumentando os riscos de confiança.
Entre essas opções, a USDC, emitida pela Circle, é vista como a mais transparente e com um modelo de governança robusto. Alternativas descentralizadas, como a DAI, oferecem maior transparência, pois tudo ocorre on-chain, mas enfrentam desafios como menor eficiência de capital e dependência de colaterais centralizados (como o próprio USDC).
Stablecoins no câmbio global: um mercado em evolução
Embora o mercado de stablecoins de dólar já esteja consolidado e represente uma parte significativa do ambiente cripto, a presença de outras moedas fiduciárias ainda é tímida. A segunda maior moeda global, o euro, possui iniciativas limitadas, como a Stasis Euro (EURS) e a EUROC, da Circle, ambas com volumes emitidos e negociados muito abaixo do potencial.
Por exemplo, enquanto o USDC movimenta cerca de US$ 4 bilhões por dia, o EURS negocia apenas US$ 2 milhões. Isso contrasta com o mercado spot de câmbio global, onde o volume de euro é cerca de um terço do dólar, evidenciando o espaço para crescimento.
No caso de moedas menores, como o real, a representatividade no mercado de stablecoins é ainda mais reduzida. O risco de crédito do emissor, aliado à ausência de regulação clara, afeta a confiança e limita a adoção em larga escala.
O avanço das exchanges e as possibilidades de negociação
Do lado das plataformas de negociação, o ambiente está bem desenvolvido, com exchanges centralizadas (CEX) e descentralizadas (DEX) facilitando bilhões de dólares em transações diárias. As DEX, em particular, destacam-se por eliminarem intermediários e oferecerem liquidação quase instantânea, registro transparente e custos baixos.
Um estudo recente analisou trocas entre USDC e EURC na Uniswap (DEX) e encontrou correlações altíssimas entre as taxas de câmbio das stablecoins e suas moedas fiduciárias. Simulações de transações mostraram que o custo de converter US$ 500 entre dólar e euro via stablecoins e DEX pode ser tão baixo quanto 0,01%, contra uma média de 6,00% no câmbio tradicional.
Isso demonstra o potencial disruptivo das stablecoins e DEX para o mercado financeiro global, reduzindo custos e barreiras.
Regulação: o próximo passo crucial
O principal entrave ao crescimento exponencial das stablecoins é a falta de regulação clara. Nos EUA, as discussões sobre o tema estão avançadas, com propostas legislativas previstas para este ano. A introdução de normas trará maior segurança e confiança, impulsionando a adoção.
As CBDCs (Moedas Digitais de Bancos Centrais) são frequentemente vistas como concorrentes das stablecoins. No entanto, os modelos mais promissores, como o do Real Digital, sugerem uma coexistência: CBDCs para transações de atacado entre bancos e stablecoins reguladas para o varejo. Nesse cenário, stablecoins emitidas por entidades reguladas desempenhariam um papel crucial na digitalização financeira.
O futuro das transações financeiras
Com a regulamentação no horizonte, o mercado de stablecoins está prestes a entrar em uma fase de crescimento exponencial. A combinação de tecnologia blockchain, estabilidade e regulação abrirá novas possibilidades para transações globais, permitindo câmbio eficiente, barato e sem intermediários.
Como escrevi em 2019: “Se tivermos duas stablecoins em uma determinada exchange ou carteira, o fechamento de câmbio pode ser feito entre elas de forma fácil, barata e sem intermediários…”.
Quatro anos depois, essa realidade está mais próxima do que nunca. A infraestrutura técnica está pronta; o que falta é o ambiente regulatório para destravar o verdadeiro potencial das stablecoins.