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A infraestrutura portuária no Brasil volta e meia se torna alvo de debates acalorados. O motivo? Os navios, com suas capacidades de transporte cada vez maiores, superam em muito as limitações dos nossos portos. Essa desproporção acaba resultando em prejuízos bilionários que afetam a economia nacional.
A complexidade da situação vai além de melhorias logísticas ou da estrutura dos terminais. Um aspecto crucial é o calado, que representa a distância entre a quilha do navio e a superfície da água. Essa medida é essencial para evitar que embarcações encalhem. Em 2024, essa fragilidade resultou em uma perda de US$ 21 bilhões (aproximadamente R$ 114,45 bilhões) no comércio exterior brasileiro.
Mesmo o porto de Santos, o mais relevante da América Latina em movimentação de contêineres, enfrenta desafios similares. O calado nesse porto oscila entre 13,5 metros (em maré baixa) e 14,5 metros (em maré alta). Em contrapartida, as maiores embarcações do mundo precisam de um calado mínimo de 16 metros devido à sua capacidade de transportar até 24 mil TEUs (unidade que mede a capacidade de contêineres de um navio). A única zona com um calado maior é a de Salvador (BA), com 15,6 metros.
Desde 2013, o governo federal tem se esforçado para modernizar a infraestrutura portuária com a criação da Lei dos Portos. O objetivo é atrair investimentos privados para essas áreas. Em 2020, houve uma reforma parcial da legislação – a Medida Provisória (MP) 945/20 – que, entre outras mudanças, tornou os contratos de arrendamento mais flexíveis.
Em maio deste ano, o ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, anunciou que, até 2027, a infraestrutura portuária brasileira deve receber uma injeção de R$ 25 bilhões de investidores estrangeiros. Esse valor é essencial para a modernização dos portos, já que o governo não tem recursos suficientes para cobrir a necessidade. Mas como está a situação atual?
A Realidade Atual
Segundo o economista e Conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon-SP), Welinton Santos, o Brasil possui 380 terminais portuários, sendo 210 de uso privado (TUPs) e 170 portos organizados sob gestão pública ou privada. “Essa infraestrutura é responsável por cerca de 95% das nossas exportações, o equivalente a US$ 320 bilhões (R$ 1,75 trilhão), destacando sua importância para a economia brasileira,” conta Santos.
Os portos de Santos e Paranaguá (PR) são as principais artérias para exportações e importações. Contudo, ambos operam no limite de sua capacidade, de acordo com João Fruet, diretor de corporate e investment bank do Banco do Brasil. Apesar disso, grandes multinacionais continuam a operar no Brasil, como a MSC, Maersk, CMA CGM, COSCO/OOCL e Hapag-Lloyd.
Um Setor Estratégico
O professor da FIA, Carlos Honorato, destaca que, apenas em 2023, empresas estrangeiras investiram US$ 9,3 bilhões (R$ 50,96 bilhões) na infraestrutura portuária. “O panorama é otimista: o governo lançou um novo bloco de leilões portuários em maio de 2025, com previsão de R$ 1 bilhão em investimentos iniciais e 21 concessões para este ano, totalizando quase R$ 9 bilhões,” afirma.
Para Santos, os projetos de modernização e os incentivos a parcerias público-privadas elevam a atratividade do país para investidores internacionais. A chegada dessas empresas não só traz capital, mas também conhecimento técnico e experiência.
Os investimentos estão se concentrando principalmente em terminais de contêineres, granéis e operações interligadas a cadeias exportadoras de commodities. “Multinacionais como Mundo dos Portos de Dubai, Terminais APM e PSA estão ampliando seus investimentos no Brasil, atraídas pelo tamanho do mercado, sua localização estratégica e pela previsibilidade de receitas a longo prazo”, enfatiza o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Hugo Garbe.
A CMA CGM, por exemplo, recentemente adquiriu a Santos Brasil e, em resposta à Forbes Brasil, a empresa francesa expressou sua confiança na economia brasileira. “Estamos comprometidos em expandir nossa capacidade operacional e melhorar a produtividade”, declarou a CMA.
“O Brasil se tornou um dos países emergentes mais atraentes para investidores internacionais, graças aos bons projetos, segurança jurídica e múltiplas opções de investimento. Isso será fundamental para gerar empregos e fomentar o desenvolvimento do país. O mundo está de olho no Brasil como uma grande oportunidade,” mencionou Costa Filho no programa “Bom dia, Ministro”, da EBC.
Desigualdade na Distribuição de Investimentos
Embora tenha havido avanços, a atração de capital estrangeiro ainda é concentrada nas regiões Sul e Sudeste. “A presença de investimentos internacionais nos portos do Norte e Nordeste é limitada, principalmente pela menor escala de operações e a falta de integração com as principais malhas ferroviárias e rodoviárias,” justifica o professor Garbe.
Porém, segundo Fabricio Julião, CEO do Grupo Brasil Export, essa realidade está mudando. “Cada vez mais, as regiões Norte e Nordeste se tornarão fundamentais para escoar a produção. Novos terminais modernos estão sendo construídos no Norte e há operações portuárias em expansão no Nordeste,” observa Julião.
Perspectivas para o Futuro
Em novembro, está previsto o leilão do Terminal STS-10, que deve aumentar a capacidade dos terminais de contêiner de Santos. Com uma área de 621,9 metros quadrados e 1,3 km de cais, o projeto gerou grande interesse de gigantes internacionais como MSC, Maersk, COSCO e Portos de Dubai.
Com a entrada de mais investidores, a expectativa é que a defasagem da infraestrutura portuária diminua, tornando-a mais competitiva. No entanto, isso não depende apenas de leilões e incentivos.
“O Brasil possui ativos logísticos estratégicos e uma base exportadora sólida que garante demanda constante pelos seus portos. O desafio é transformar esse potencial em um ambiente de negócios mais previsível e competitivo,” argumenta Garbe. Ele acredita que um marco regulatório estável e melhorias institucionais são essenciais para que o país se torne um dos principais destinos de capitais estrangeiros em infraestrutura.
Fruet endossa essa ideia: “É fundamental adotar medidas que simplifiquem a instalação de terminais e definir claramente os riscos que os governos devem assumir nos contratos de arrendamento, além de aprimorar os procedimentos, prazos de resposta e mecanismos de resolução de conflitos.”
“Vivemos na ‘Era dos Meganavios’ e preparar nossos portos para recebê-los é crucial para reduzir custos operacionais e avançar no desenvolvimento do setor,” conclui o conselheiro do Corecon-SP.




