quinta-feira, março 13, 2025

Como a Geopolítica Pode Desviar a Transição da Síria: O Que Precisamos Saber


A Transformação da Síria: Emergência de um Novo Futuro

Em dezembro de 2024, a estrutura do regime de Bashar al-Assad desmoronou de maneira inesperada, como um castelo de cartas. As forças rebeldes, lideradas pelos combatentes do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), conquistaram Aleppo, no norte da Síria, e em uma ofensiva rápida, avançaram rumo ao sul. Ao chegarem em Damasco pouco mais de uma semana depois, ficou evidente que as forças de segurança do governo não estavam dispostas a lutar por um regime em colapso, levando Assad, após quase 25 anos no poder, a buscar asilo em Moscovo. Ahmed al-Sharaa, líder do HTS, assumiu a liderança de fato da Síria, estabelecendo um governo interino e anunciando um cronograma para a transição política do país.

O Papel da Preparação e da Assistência Turca

O sucesso da ofensiva rebelde foi resultado de um planejamento cuidadoso e da assistência da Turquia, que mantém uma presença militar no norte da Síria e forneceu a única rota de acesso seguro a Idlib, onde o HTS estava baseado. Mesmo assim, poucos esperavam que o regime de Assad entrasse em colapso de forma tão rápida. Os observadores subestimaram a dependência contínua de Assad dos apoiadores externos que o ajudaram a sobreviver à guerra civil que começou em 2011, após a violenta repressão de manifestações pacíficas.

Enquanto a Rússia se concentrava na guerra na Ucrânia, o Irã estava debilitado, e o Hezbollah, no Líbano, enfrentava dificuldades em seu combate contra Israel. Esses fatores contribuíram para a fragilidade do regime sírio, culminando em sua queda abrupta.

Uma Nova Liderança e a Busca por Reconhecimento

Após a queda do regime, representantes dos EUA, Europa e Nações Unidas apressaram-se para entender os novos líderes da Síria. Agências humanitárias em Idlib consideraram o HTS e seu governo provincial como atores pragmáticos, apesar de sua origem no al-Nusra Front, a vertente síria da al-Qaeda. Embora o grupo tenha tentado se distanciar de suas raízes extremistas e renunciado à al-Qaeda, a designação como organização terrorista pelos EUA e pela ONU continua a gerar preocupações sobre os objetivos e ideologias de seus membros.

A maioria dos sírios – incluindo empresários, autoridades religiosas e burocratas experientes – clama por uma ruptura clara com a corrupção e a má gestão do regime de Assad. Para que essa transição leve a mudanças significativas, é essencial que não se torne objeto de uma luta geopolítica. Durante décadas, potências regionais e globais tentaram isolar o regime de Assad, mas essas abordagens já não são viáveis. A Síria merece uma chance de se afastar dos anos de sofrimento, mesmo que as novas lideranças ainda sejam uma incógnita.

Necessidade de Apoio Internacional para a Reconstrução

Após anos de guerra e destruição, a Síria precisa urgentemente de apoio internacional para sua transição política. A estabilidade é imprescindível para que o país comece a se reconstruir, convencendo refugiados e empresas no exílio a retornar e atraindo novos investimentos. A ONU desempenhará um papel crucial nessa fase e é imperativo que os novos líderes sírios busquem seu apoio.

A ONU já conta com um enviado especial para a Síria e uma resolução do Conselho de Segurança de 2015, encarregando a entidade de facilitar um processo político para estabelecer uma governança “credível, inclusiva e não sectária”. No entanto, os mecanismos para alcançar esses objetivos precisam ser atualizados, uma vez que a situação política mudou drasticamente. O HTS, agora no poder, foi excluído dos processos facilitados pela ONU devido à sua designação como grupo terrorista, limitando as possibilidades de diálogo.

Propostas para o Novo Futuro da Síria

Os novos líderes sírios desejam não apenas se desvincular do regime de Assad, mas também da abordagem internacional em relação à Síria. Eles estão em processo de organizar uma conferência nacional para discutir o futuro do país e estabelecer uma nova constituição, ainda que as facções de oposição que a ONU e muitos países envolvidos apoiaram não estejam representadas como grupos. No entanto, eles sinalizaram abertura para integrar membros individuais dessas facções nas discussões.

Para que a nova liderança consiga construir um governo sustentável que respeite a diversidade étnica e religiosa da Síria, será necessário criar um ambiente de consenso. As disputas por poder e recursos surgirão inevitavelmente, especialmente agora que a luta contra o regime caducou. A nova administração terá que navegar cuidadosamente por essas águas para evitar divisões internas.

Desafios e Oportunidades na Reconstrução

A Síria enfrenta um vasto desafio em termos de reconstrução, com necessidades financeiras estimadas em centenas de bilhões de dólares. Desde o início da guerra civil, o PIB per capita do país foi reduzido pela metade, a infraestrutura de saúde desmoronou e áreas residenciais em cidades controladas pela oposição foram devastadas. As iniciativas de reconstrução devem priorizar a infraestrutura energética, a saúde e a habitação para estimular o emprego e a recuperação econômica.

Contudo, as sanções abrangentes impostas ao regime de Assad, como embargo de armas e restrições financeiras, se tornaram grandes obstáculos à revitalização econômica do país e devem ser reconsideradas. A eliminação dessas sanções é crucial para incentivar o investimento e facilitar o retorno de sírios que vivem no exterior.

Papel dos Poderes Estrangeiros e Respeito pela Soberania

É natural que grandes potências queiram se aproveitar do novo cenário na Síria, mas arrastar o governo interino para disputas regionais ou internacionais pode comprometer sua transição. As prioridades dos novos líderes não incluem a política geopolítica. Por exemplo, apesar de seus antecedentes islâmicos, membros do governo interino adotaram uma retórica moderada em relação a Israel, indicando uma disposição para resolver questões pendentes por meio de negociações pacíficas.

Além disso, eles buscam um relacionamento equilibrado com a Rússia, que, até então, era o principal apoiador do regime anterior. As decisões relacionadas à presença militar russa na Síria também estão sendo discutidas, com os novos líderes reconhecendo a necessidade de uma relação construtiva e sem confrontos.

O Caminho a Seguir

A transição da Síria requer uma abordagem respeitosa e cuidadosa por parte da comunidade internacional. Os principais atores devem evitar imposições que poderiam desestabilizar o governo interino e prejudicar a reconstrução do país. É fundamental promover uma abordagem que apoie a soberania da Síria, garantindo que a nova liderança tenha espaço para moldar o futuro da nação.

Ao permitir que a Síria tome as rédeas de seu destino, a comunidade internacional pode desempenhar um papel importante na construção de um novo futuro para o país. Um apoio genuíno, sem condições sobre questões externas, pode facilitar uma transição estável e próspera.

A reconstrução da Síria é uma tarefa monumental, mas a esperança de um futuro diferente é o que move muitos sírios. O mundo deve olhar para o país com olhos voltados para o auxílio e a compreensão, contribuindo para que a Síria se reencontre consigo mesma e supere anos de dor e divisões. Que essa determinação seja a chave para um novo começo, cheio de promessas e oportunidades para todos os sírios.

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