segunda-feira, junho 23, 2025

Como a Guerra de Trump Contra as Universidades Pode Abalar a Inovação nos EUA


A Nova Era da Tecnologia: A Competição entre EUA e China

Em junho de 2024, durante uma conferência nacional de ciência e tecnologia, o presidente chinês Xi Jinping declarou que o setor de alta tecnologia se tornou “a linha de frente e o principal campo de batalha na competição internacional, reformulando profundamente a ordem global e o padrão de desenvolvimento.” Ele acertou em cheio. A disputa entre Estados Unidos e China por dominação econômica, militar e diplomática está cada vez mais centrada no desenvolvimento de novas tecnologias, com aplicações tanto civis quanto militares.

A Ascensão da China na Corrida Tecnológica

Desde que apresentou o plano “Made in China 2025” em 2015, o governo chinês vem investindo em uma estratégia abrangente para impulsionar tecnologias emergentes. E agora, a China está se tornando um concorrente de peso. Em uma demonstração clara disso, no quarto trimestre de 2024, a montadora chinesa BYD superou a Tesla em vendas de veículos elétricos. Além de conquistar o mercado, a BYD está inovando com características como veículos que podem estacionar de lado e flutuar em situações de emergência, além de carregadores que reabastecem até 400 km de autonomia em apenas cinco minutos — vários vezes mais rápido que os supercarregadores da Tesla.

A Corporação Comercial de Aviões da China (COMAC) também está se preparando para desafiar líderes do setor aeroespacial dos EUA, com planos de um jato supersônico que gera ruídos de boom comparáveis ao som de um secador de cabelo. Recentemente, Pequim avançou na comunicação quântica enviando imagens criptografadas para a África do Sul via satélite, um feito significativo no campo das comunicações quânticas. As empresas de biotecnologia chinesas estão competindo fortemente com suas homólogas dos EUA na criação de novos medicamentos. E, à medida que as demandas energéticas da inteligência artificial aumentam, a energia de fusão, uma fonte promissora de eletricidade sem carbono, ganha destaque; a China conta com o maior número de projetos públicos de fusão e de patentes nessa área.

A Resposta dos EUA e Seus Efeitos

Nos últimos anos, o governo dos EUA tem respondido a essa crescente competição com uma abordagem protecionista. Isso inclui tarifas sobre veículos elétricos, restrições a investimentos chineses em setores estratégicos e controles de exportação em chips de GPU e equipamentos usados para inteligência artificial avançada. Contudo, o sucesso da empresa chinesa DeepSeek, que desenvolveu uma ferramenta de IA de alta qualidade sem acesso a grandes quantidades de GPUs, mostra que essa estratégia pode ser fútil. A verdade é que, mais cedo ou mais tarde, a China encontrará maneiras de contornar as barreiras que Washington impõe.

A Necessidade de Inovação Contínua nos EUA

É vital que os Estados Unidos não deixem de inovar em suas próprias tecnologias. Quando o governo chinês decide que deve liderar uma determinada tecnologia, os recursos não são uma limitação, e o lucro a curto prazo não é uma preocupação. Já Washington, por tradição, respeita as forças do mercado e rejeita diretrizes de política industrial controladas pelo Estado. Portanto, em um cenário de competição tecnológica, é imprescindível que os americanos continuem a fazer o que sabem fazer de melhor, ao mesmo tempo em que buscam novas formas de melhorar sua competitividade.

Desde a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos têm sido pioneiros em criar e comercializar tecnologias inovadoras. No entanto, esse sucesso não deve ser encarado como garantido. As iniciativas recentes do governo Trump, que propuseram cortes nos fundos federais para pesquisas em universidades, podem drenar uma fonte crucial de novas ideias para a indústria e o setor militar, especialmente em um contexto em que as ameaças geopolíticas se intensificam.

A Essência da Inovação: Universidades e Pesquisa

As universidades de pesquisa dos EUA são um berço de inovações fundamentais. Tecnologias que transformaram o mundo — como a internet, redes neurais artificiais, computação quântica e até vacinas de mRNA — surgiram de laboratórios universitários. Essas descobertas não só geraram novas empresas como também foram incorporadas por empresas de tecnologia já estabelecidas, que investiram nelas para levá-las ao mercado.

A inovação mais significativa tende a ocorrer onde a melhor ciência é realizada. Em outras palavras, o avanço do conhecimento gera novas ideias, ferramentas e processos que aceleram a inovação. Em 2021, os Estados Unidos ainda eram o país que mais investiu em pesquisa científica básica. Universidades lideram essas pesquisas, com o governo federal sendo o maior patrocinador. O impacto econômico desse investimento é imenso.

Uma análise realizada pelo Banco da Reserva Federal de Dallas em maio de 2023 mostrou que o apoio do governo dos EUA para a pesquisa e desenvolvimento não defensivo respondeu por pelo menos um quinto do crescimento da produtividade total na indústria desde a Segunda Guerra Mundial. Contudo, o apoio governamental à pesquisa nas universidades tem diminuído nas últimas décadas.

Desafios Atuais e Oportunidades

Com a redução dos fundos federais, que passaram de 61% em 2012 para 55% em 2021, as universidades americanas começaram a aumentar o uso de recursos próprios para a pesquisa. Entretanto, o que antes poderia suplir a diminuição do financiamento federal ainda não é suficiente para compensar a enorme quantia que se perdeu — quase 60 bilhões de dólares no ano fiscal de 2023.

Em contraste, a China anunciou um aumento de 10% nos gastos federais com ciência e tecnologia, com foco crescente em pesquisas fundamentais. Muitos líderes políticos chineses possuem formação em universidades como a Tsinghua, frequentemente referida como “o MIT da China”. Eles entendem o impacto da ciência e da tecnologia em todos os setores. Isso fez com que as universidades chinesas se tornassem pilares da “renovação nacional” e da autonomia tecnológica, triplicando o número de instituições de ensino superior desde 1998.

O Preço da Negligência

Hoje, as mudanças na administração Trump estão permitindo que a descoberta científica e a inovação tecnológica sejam vítimas colaterais de uma guerra cultural contra as universidades. Embora muitos acreditem que a inclinação liberal das universidades seja um motivo para causarem turbulência em um sistema de pesquisa vital, é fundamental lembrar que a busca por soluções, como a cura do câncer ou da doença de Alzheimer, deve transcender questões políticas.

Os danos causados até agora incluem a desestabilização das agências de pesquisa e o congelamento do processo de concessão de verbas. Essa negativa tem gerado uma onda de incerteza entre os futuros talentos, levando a um número alarmante de pós-graduandos e pesquisadores a considerarem abandonar a ciência.

Um Futuro Incerto para Talentos Estrangeiros

Com políticas de imigração hostis e cortes de financiamento, o medo entre os pesquisadores sobre a possibilidade de serem deportados está levando a um "drain brain", ou fuga de cérebros. Universidades em todo o mundo, especialmente na Europa, estão aproveitando essa oportunidade para atrair talentos científicos dos EUA. Essa exaustão de mentes brilhantes também pode ser vista entre cientistas de origem chinesa, que buscam retornar ao seu país natal para continuar suas pesquisas.

Essa situação não é apenas uma questão de perda de talento, mas envolve também um impacto direto nas inovações do futuro. O que está em jogo é a capacidade dos Estados Unidos de manter sua posição de liderança em ciência e tecnologia. O governo deve agir de forma assertiva, revertendo cortes e promovendo novas políticas que favoreçam a pesquisa e a atração de talentos.

A Caminho de um Novo Futuro

O futuro da liderança dos EUA em ciência e tecnologia depende de um compromisso renovado com o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Para isso, algumas ações são essenciais:

  1. Investimentos Públicos: Aumentar os investimentos em pesquisa universitária, ajustando-se às ameaças geopolíticas atuais.

  2. Políticas de Imigração: Criar políticas que atraiam estudantes e pesquisadores internacionais e incentivem sua permanência no país após a formatura.

  3. Aproveitamento de Descobertas: Melhorar a captura do valor das inovações geradas nas universidades, evitando que a falta de capital paciente leve as oportunidades para outros mercados.

Os Estados Unidos têm à disposição um vasto potencial. Contudo, se não houver uma estratégia clara para manter a liderança em inovação, eles podem estar se preparando para perder essa posição em favor de outras potências emergentes.

Uma Reflexão Necessária

Assim como a gravidade na ciência e tecnologia se deslocou da Europa para os Estados Unidos ao longo do século XX, ela pode facilmente mudar novamente neste século. Com economias na Ásia empenhadas em superar as expectativas, os EUA devem agir rapidamente para impedir um retrocesso.

A liderança em ciência e tecnologia não é um dado adquirido, e a falta de ação pode garantir que, se Washington não administrar sua posição, outros rapidamente a ocuparão. O futuro está nas mãos dos responsáveis por políticas, pesquisadores e pela sociedade em geral. É hora de refletir, discutir e agir. Que tipo de futuro queremos construir? Essa é uma pergunta cuja resposta pode determinar a trajetória do progresso humano nas próximas décadas.

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