Vivendo o Campo: Lições da Nova Zelândia para o Agronegócio Brasileiro
Recentemente, tive a oportunidade de embarcar em uma viagem transformadora para a Nova Zelândia, parte do programa Nuffield, onde sou bolsista de 2025. Essa rede internacional de agricultores surgiu em 1947, no Reino Unido, com o objetivo de incentivar produtores a buscar conhecimento além das fronteiras, especialmente em um momento delicado após a guerra. O idealizador foi William Morris, um empresário visionário que criou oportunidades de aprendizado internacional para agricultores britânicos, visando práticas agrícolas mais inovadoras.
A Conexão entre Produtos e Consumidores
Todos os participantes do programa trazem um tópico de pesquisa que deve contribuir com soluções e inovações para o setor agrícola. No meu caso, minha investigação enfoca a comunicação, buscando aprimorar a imagem do agronegócio no Brasil. A pergunta que me guia é: como podemos romper a bolha e nos conectar com o público urbano, que muitas vezes se distancia da produção agrícola? Observamos que muitos consumidores perderam a conexão com a origem dos produtos que consomem; é um desafio vital restabelecer essa ponte por meio do conhecimento acessível.
Durante minha estadia na Nova Zelândia, tive o privilégio de visitar várias fazendas fascinantes, como uma granja de leite em Matamata, que abriga cerca de 600 vacas em lactação. Também experimentei o agroturismo em Rotorua, atraindo de 400 a 1.000 visitantes diariamente, e conheci uma produção verticalizada de leite de ovelha, que se transforma em fórmulas infantis de elevado valor agregado, exportadas para a Ásia.
Aprendizados Inestimáveis
Segui mais ao sul da Ilha Norte e conheci produtores de abóbora que descobriram uma grande oportunidade ao desenvolver branding em frutas e vegetais, similar ao que a Zespri fez, e ao estreitar laços com varejistas no Japão através de inovações. Na mesma região, presenciei a única produção de frango orgânico do país, enquanto a responsável pelo marketing compartilhava os desafios de posicionamento de marca. A quantidade de vacas vista nas estradas me fez refletir sobre como a realidade rural está intrinsecamente ligada ao cotidiano dos neozelandeses.
A Essência Rural da Nova Zelândia
A Nova Zelândia é, inegavelmente, um país rural. Com uma população de 5,3 milhões de habitantes, entre 80% e 90% da produção agropecuária é destinada à exportação, apesar de apenas 15% da população residir em áreas rurais. Esse equilíbrio se reflete na cultura local, onde muitos residentes estão familiarizados com a vida no campo, o que torna o agroturismo uma estratégia de marketing menos impactante nesse contexto.
Vejo um dos principais desafios da imagem negativa do agronegócio brasileiro como a desconexão entre o campo e a cidade. Crescer em um ambiente onde vacas pastam à beira da estrada ajuda a materializar essa realidade e aproxima as pessoas do que realmente importa: a origem dos alimentos que consomem. Isso é fundamental, especialmente quando tentamos relacionar produtos como soja e carne ao seu contexto de produção.
O Potencial do Brasil
O Brasil é um país repleto de recursos, vida e potencial produtivo. Para melhorar a imagem e conectar a cadeia, é crucial contar a história que vai do pasto à mesa, e de produtos como soja à carne, do algodão à camiseta. Enquanto a Nova Zelândia possui a vantagem de poder mostrar vacas em pastos, o Brasil enfrenta o desafio de explicar que, muitas vezes, o bem-estar animal é melhor garantido em um sistema de compost barn do que em pastagens.
O Brasil, com sua enorme diversidade e variações climáticas, precisa desenvolver sua própria narrativa. Como um país com múltiplos biomas e microclimas, devemos ser nossos próprios protagonistas e não simplesmente imitar modelos de outros locais.
Educação e Conscientização
Uma das lições valiosas que tirei da visita à Nova Zelândia foi sobre a importância da educação. Crianças e jovens aprendem sobre agricultura e agroindústria desde cedo, participando de projetos como o Farmer Time for Schools, que conecta estudantes a fazendeiros reais, e outras iniciativas que integram a produção agrícola ao currículo escolar.
Esse acesso à informação é crucial para que a população compreenda o impacto do agronegócio na economia nacional e para a construção de uma imagem comunitária, sem ares de superioridade. A educação se torna, portanto, um pilar essencial para a comunicação eficaz.
A discussão em torno da emissão de metano, especialmente na pecuária, está em alta na Nova Zelândia. Todos, desde empresas de genética a consumidores, estão se adaptando para atender às exigências do novo cenário global. Nesse contexto, a sustentabilidade não é mais um diferencial; tornou-se uma necessidade para a sobrevivência no mercado.
O Papel da Indústria
Observando tudo isso, fica claro que é papel da indústria assumir a liderança no elo entre produtores e consumidores. É fundamental proporcionar uma visão de futuro que alinhe investimentos às demandas do mercado, promovendo uma produção de alimentos que não apenas atenda às expectativas, mas que também valorize a qualidade e os métodos de cultivo.
A indústria deve contar histórias verdadeiras e envolventes para que os consumidores possam valorizar os alimentos que compram e, assim, incentivar os produtores a fazer mais pelo meio ambiente. O agronegócio, com suas práticas sustentáveis, tem um papel significativo na redução das emissões.
Inspire-se e Faça a Diferença
O mundo está repleto de exemplos inspiradores no campo da comunicação, e desejo que o Brasil consiga aprender com eles, mas também se mantenha como protagonista de sua própria história. Nossas narrativas devem surgir de um território rico e único, sem comparações a outros países.
A reflexão que fica é que, mais do que nunca, precisamos de unidade e colaboração no setor. Ao promover um diálogo aberto e transparente, poderemos construir uma conexão significativa entre o campo e a cidade, valorizando cada passo da produção.
Acompanhado de uma rica experiência na Nova Zelândia, emerge a necessidade de se eternizar a essência do agronegócio brasileiro. Que possamos, juntos, nutrir essa conexão, engajando a sociedade em torno da importância do campo e celebrando a diversidade e as histórias que realmente importam.