segunda-feira, junho 2, 2025

Como Proteger Autores na Era da IA é Vital para a Inovação do Futuro


Imagem gerada por IA no estilo do Studio Ghibli

Getty Images

Nos últimos tempos, as redes sociais têm sido inundadas por fascinantes imagens criadas por IA, que imitam o característico estilo visual do renomado Studio Ghibli. Seja com crianças, animais de estimação ou casais, essas imagens estão inseridas em cenários etéreos que lembram obras icônicas como “A Viagem de Chihiro” e “Meu Amigo Totoro”. Contudo, essa tendência vai além de uma simples estética: ela revela um dilema ético e econômico sobre questões de autoria, criatividade e o futuro do valor simbólico na era das máquinas. Diante disso, uma pergunta crucial surge: o que essa febre revela sobre o momento cultural e criativo em que vivemos?

A IA e o Mundo da Arte

A difusão de ferramentas geradoras de imagens tem impulsionado a criação de obras que evocam estilos consagrados na história da arte, frequentemente sem que os artistas originais tenham recebido qualquer consulta ou remuneração. O impacto emocional dessa estética é fácil de compreender: ela ativa memórias afetivas e evoca mundos idealizados. Porém, a questão central é: a verdadeira alma da arte pode ser capturada e traduzida em pixels por uma máquina?

A Subjetividade da Criação Artística

Recentemente, conversei com Helena Klang, doutora em Comunicação pela UERJ e especialista em desenvolvimento artístico nos Estúdios Globo. Helena destacou: “A criação artística surge da subjetividade, que precisa do corpo, das emoções e das experiências vividas. Uma máquina não sente, não elabora; ela é um instrumento, não sua origem.” Portanto, a IA pode ser uma excelente ferramenta, mas não pode ser uma criadora autônoma. Sem a intenção humana, a máquina é incapaz de gerar significado — apenas formas.

Identidade e Autoria na Era Digital

Os desafios aumentam quando discutimos como essas Inteligências Artificiais são treinadas. Elas utilizam vastos bancos de dados visuais e textuais, frequentemente sem autorização, utilizando obras que são protegidas por direitos autorais. Nesse ponto, a discussão sobre autoria precisa se mover do âmbito simbólico para o jurídico e o econômico.

  • “O estilo carrega a identidade de quem criou”, afirma Helena. O que significa que, ao solicitar uma imagem “à moda de Klimt”, não é a IA quem cria, mas o próprio Klimt. Assim, a autoria se torna um fator crucial para o direito de remuneração, reconhecimento e a sustentabilidade das carreiras artísticas.
  • Desconsiderar esse princípio legitima um modelo em que poucos acumulam os lucros, enquanto muitos veem suas obras diluídas e replicadas sem créditos. O que está em jogo não é apenas a justiça individual, mas a preservação de um investimento cultural e do patrimônio criativo a longo prazo.

Pelo que Lutamos na Era da IA

Helena expressa sua visão de forma contundente: “Embora muitas pessoas possam ser criativas, nem todas são artistas. O artista cria um estilo e imprime uma identidade. Isso é algo que precisa ser preservado — não por nostalgia, mas pela perspectiva de um futuro que podemos alcançar.” Se não protegermos a essência do que é ser artista, podemos acabar deixando um legado de mediocridade.

Os Custos Invisíveis da Criatividade Artificial

Enquanto muitos se encantam com as imagens geradas, poucas discussões surgem sobre o impacto real por trás desse processo: custos energéticos elevados, o uso massivo de dados de terceiros, a precarização do trabalho criativo e a falta de regulação. Apesar de parecer mágica, a IA não é neutra.

  • Quando se paga para gerar uma imagem baseada em estilos alheios, na verdade, estamos compensando o uso de trabalhos que já foram realizados por outros artistas: “Se a IA cobra pelo serviço e utiliza o acervo de artistas para entregar o produto, uma parte dessa receita deveria retornar a eles”, defende Helena.
  • É admissível utilizar obras em domínio público, mas a maioria delas ainda está protegida por lei, garantindo assim que os autores tenham tempo e recursos para continuar criando.

Uma Estratégia para o Futuro da Criatividade

Protegendo os autores, estamos investindo em um futuro mais rico e diversificado. Ao remunerar aqueles que inovam hoje, asseguramos um banco de qualidade para as próximas gerações. Se ignorarmos esse ciclo, o que restará no domínio público nas próximas décadas? Um mar de cópias sem originalidade, uma cultura moldada por algoritmos, desprovida de estilo?

Como sociedade, precisamos decidir que tipo de inovação desejamos promover: uma que simplesmente reproduza e acelere sem reflexão ou aquela que reconhece o valor da criação humana como um ativo estratégico.

O Cerne da Questão

No horizonte da IA generativa, quem controla os dados possui o poder, mas quem produz o estilo detém a autoria. Essa discussão sobre autoria deve voltar ao centro do nosso debate. Afinal, nem todos são artistas. A criatividade é abundante, mas o estilo é raro e é isso que realmente confere valor.

Se não compreendermos isso agora, poderemos nos deparar, no futuro, não com um mundo encantado como os de Miyazaki, mas com um panorama sem essência — belo, mas vazio.

Ao trilhar esse caminho entre inteligência artificial e a verdadeira arte, a questão que emerge é: que tipo de imaginário coletivo desejamos cultivar? Um imaginário formado por experiências genuínas e escolhas autênticas ou um produto pasteurizado, gerado sob demanda e rapidamente esquecido?

Uma inteligência artificial pode ser uma parceira valiosa, desde que não percamos de vista aquilo que é irreplicável: a experiência vivida, a memória e os momentos que realmente importam. É nesse espaço que reside a arte, e é isso que devemos proteger.

Iona Skurnik é fundadora e CEO da Education Journey, uma plataforma de educação corporativa que utiliza Inteligência Artificial para proporcionar uma experiência de aprendizado personalizada. Iona possui mestrado em Educação e Tecnologia pela Universidade de Stanford e foi parte da equipe de criação da primeira plataforma de educação online da universidade. Com vasta experiência no mercado de SaaS de edtechs no Vale do Silício, Iona também cofundou a Brazil at Silicon Valley, é fellow da Fundação Lemann, mentora de mulheres e investidora-anjo.

As opiniões expressas nos artigos são de total responsabilidade dos autores e podem não refletir necessariamente a visão de Forbes Brasil e seus editores.

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