O Futuro da Pecuária: Refletindo Sobre um Mundo Sem Vacas
O Dilema da COP30
Na última terça-feira, dia 18, durante um painel na AgriZone, localizado na Casa Sustentável da Embrapa em Belém, um tema provocador foi levantado: o que ocorreria se as vacas desaparecessem do planeta? No contexto da COP30, a discussão centrou-se no curta-metragem “Um Mundo sem Vacas Brasil: O Equilíbrio à Prova”, que é uma extensão do projeto global da Alltech, chamado “World Without Cows”. Este documentário reúne relatos de pecuaristas de 20 países, abordando a intersecção entre a pecuária e a sustentabilidade.
Perspectivas do Mundo Rural
O curta nacional retrata a rotina de produtores da Amazônia, explorando três tipos de propriedade rural: uma com 78 hectares, outra com 4,8 mil hectares e uma terceira com impressionantes 34 mil hectares. As imagens serviram como um ponto de partida para debater temas como produtividade, uso da terra e a complexa relação entre a pecuária e os efeitos climáticos.
Clodys Menacho, diretor comercial da Alltech no Brasil, enfatizou que o projeto visa abrir espaço para um diálogo menos polarizado sobre a pecuária. Ele enfatizou a importância de apresentar dados científicos e combater a desinformação, colocando o produtor no centro da narrativa e reconhecendo sua conexão com segurança alimentar, geração de empregos e cultura.
Impacto Global da Pecuária
Dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) mostram que existem cerca de 1,5 bilhão de bovinos no mundo, e que a pecuária sustenta pelo menos 1,3 bilhão de pessoas. Além disso, cerca de 600 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade dependem dos animais como uma fonte vital de renda.
O Olhar de Mark Lyons e a Comunicação na Pecuária
Durante uma entrevista com a Forbes em abril, Mark Lyons, CEO global da Alltech e criador do documentário, compartilhou que a ideia para o filme se desenvolveu ao longo de seis anos. Ele notou que, enquanto narrativas contra a pecuária ganhavam destaque na mídia, o setor lutava para comunicar seu lado da história.
Para Lyons, a intenção foi explorar, através do cinema, a pergunta: “Estaríamos melhor sem vacas?”, utilizando dados concretos, histórias reais e fundamentação científica. A equipe de filmagens visitou mais de 40 locais em diversos países, incluindo Brasil, Índia e Estados Unidos, para ilustrar o papel do gado nas mudanças climáticas e as implicações sociais e econômicas de um possível fim da atividade.
Uma Abordagem Sustentável da Agropecuária
O documentário é parte da plataforma “Planet of Plenty”, que busca mostrar como a agricultura pode contribuir para um futuro sustentável. Lyons acredita que as narrativas mais impactantes vêm de quem realmente trabalha na produção e busca transmitir essas histórias a um público urbano.
O longa já incluía material gravado no Brasil com o pecuarista Victor Campanelli, que aplica técnicas de confinamento e sistemas integrados, visando aumentar a produtividade de maneira sustentável.
Normas Ambientais e Uso da Terra no Brasil
No painel da AgriZone, a pesquisadora Mariana Aragão, da Embrapa Gado de Corte, abordou o impacto do Código Florestal brasileiro, destacando suas exigências rigorosas. A Reserva Legal deve ocupar uma porcentagem significativa das propriedades, variando de 20% a 80%, dependendo do bioma. Isso impõe limites claros à expansão da agropecuária.
Ela ressaltou que, ao contrário do que muitos podem pensar, a área dedicada à pastagem no Brasil não tem aumentado, mesmo com o crescimento na produção de carne. Isso se deve ao aumento da produtividade, resultante de investimentos em tecnologia e pesquisa.
Realidade dos Produtores Brasileiros
Um dado interessante é que cerca de metade dos aproximadamente 5 milhões de produtores brasileiros cria bovinos; 75% desse grupo consiste em pequenos e médios agricultores, responsáveis por cerca de 30% do rebanho nacional. O Brasil é o segundo maior produtor de gado do mundo, colocando o país no centro das discussões sobre emissões e uso da terra.
Lyons, na entrevista à Forbes, indicou que o Brasil possui um papel central nessa transformação, não só pela extensão de seu rebanho, mas também pela inovação tecnológica e pelas legislações ambientais que possui.
Recuperação das Pastagens Degradadas
Outro aspecto relevante é o potencial de recuperação das pastagens no país. Estima-se que 40 milhões de hectares estejam degradados, podendo ser revitalizados para aumentar a produção sem desmatamento e melhorar o sequestro de carbono no solo. A análise sugere que há capacidade para dobrar as áreas de grãos, pecuária e florestas plantadas, através de intensificação e sistemas integrados, sem necessidade de derrubar novas árvores.
A frase “um mundo sem vacas”, frequentemente vista em camisetas e bonés do projeto, provoca uma reflexão mais profunda sobre os impactos econômicos, culturais e climáticos da pecuária. Essa mensagem destaca que a atividade vai além da simples produção de carne e leite; ela está intrinsecamente ligada às identidades locais e, se manejada de forma sustentável, pode ser uma aliada na redução de emissões.
Vozes da Pecuária: Diálogo Internacional
O painel também contou com a participação de Altair Burlamaqui, um pecuarista de Belém com raízes familiares na atividade. Ele compartilhou como a adoção de práticas sustentáveis e o uso de tecnologia na Amazônia podem equilibrar a viabilidade econômica e a preservação do meio ambiente.
Outra contribuição foi da líder climática Lily Tanui, da Federação Nacional dos Agricultores do Quênia, quem descreveu a pecuária como uma atividade multifuncional, que envolve renda, alimento e identidade cultural. Tanui defendeu que mais investimentos em produção sustentável são necessários e que os próprios agricultores devem ter a oportunidade de contar suas histórias.
Ela sublinhou que frequentemente as decisões sobre políticas públicas são tomadas sem a devida compreensão dos agricultores sobre os dados e conceitos discutidos em fóruns. Para garantir uma transição para uma pecuária sustentável e de baixo carbono, é crucial incluir os produtores na formulação dessas soluções.
Reflexões Finais
As reflexões propostas no painel da COP30 evidenciam a complexidade que envolve a pecuária e seu papel essencial dentro da sociedade. Além de ser uma fonte de alimento, a pecuária é parte integrante de culturas e economias ao redor do mundo. Ao promover uma conversa mais aberta e fundamentada, podemos encontrar soluções que respeitem tanto o meio ambiente quanto a necessidade de sustentar as comunidades.
A questão permanece: podemos imaginar um mundo verdadeiramente próspero sem vacas? E como as vozes dos produtores rurais podem influenciar essa narrativa? Essas perguntas nos convidam a explorar mais profundamente as interações entre alimentação, cultura e meio ambiente, e a importância de responder de forma colaborativa e informada. A sustentabilidade não é apenas uma meta distante; é uma conversa que todos devemos participar.




