O Futuro Incerto da Federalismo na Índia: Desafios e Implicações
Em março, durante um casamento, M. K. Stalin, o ministro-chefe de Tamil Nadu, fez um apelo inusitado: “Antes dizíamos para os casais terem paciência e esperar para ter filhos. Mas agora, temo que a situação mudou… Urge que os recém-casados tenham filhos imediatamente.” Para muitos, essa declaração pode parecer estranha, especialmente em um país cuja política frequentemente girou em torno do controle populacional. No entanto, a posição de Stalin estava ligada não apenas à demografia, mas ao jogo de poder político.
O Que Está em Jogo?
A Constituição da Índia determina que os assentos parlamentares devem ser redistribuídos após cada censo, que ocorre normalmente a cada dez anos. Entretanto, desde 1973 não houve esse processo, conhecido como “delimitação”. O último censo ocorreu em 1971 e, desde então, o cenário demográfico da Índia mudou drasticamente.
O Congelamento do Sistema
Em 1976, uma emenda constitucional suspendeu a delimitação para evitar que as mudanças demográficas em estados mais desenvolvidos alterassem o equilíbrio de poder, principalmente entre o norte e o sul do país. As taxas de natalidade mais baixas nos estados ricos do sul foram consideradas como um motivo para que outros estados mais pobres não ficassem em desvantagem. Essa situação perdurou, mas a disparidade entre os estados só aumentou com o tempo. Por exemplo, o estado de Uttar Pradesh, que tinha uma população duas vezes maior que a de Tamil Nadu em 1971, atualmente é três vezes maior.
Consequências da Nova Delimitação
Censos realizados em datas irregulares complicaram ainda mais a política. Após o censo de 2021 ser adiado sem explicações, em junho de 2025 o governo central anunciou que um novo censo deverá ocorrer em março de 2027. Isso significa que a redistribuição das cadeiras acontecerá antes das eleições gerais de 2029.
Os interesses políticos estão em jogo. O Bharatiya Janata Party (BJP), que domina o cenário político, possui forte apoio no norte, mas tem dificuldades em ganhar espaço no sul, particularmente em Tamil Nadu. Com a possibilidade de perda de assentos pelos estados do sul, o BJP vê uma oportunidade de consolidar seu poder.
Federalismo em Crise: Um Desafio ao Modelo
A Diversidade da Índia
A Índia é um país vasto e diversificado, com uma população rica em culturas, religiões e idiomas. Durante a luta pela independência e no processo de formação da nação, preservar essa diversidade tornou-se crucial. Ao conquistar a independência em 1947, os fundadores da Índia criaram um sistema federal que compartilha poder entre o governo central e os estados, promovendo um “estado-nação” que concede autonomia para preservar identidades culturais.
Um Sistema Federal em Transformação
A ideia era que a centralização ajudasse a alcançar metas sociais e econômicas, mas com o tempo, o governo central usou esse poder para enfraquecer as autonomias estaduais, especialmente durante períodos de crise política.
A partir dos anos 90, com a queda da influência do Partido do Congresso, partidos regionais começaram a ganhar força, desafiando o projeto unilateral do partido dominante e trazendo à tona a importância de representar as diversidades regionais.
Um Novo Cenário Político
Em 2014, a ascensão do BJP ao poder trouxe uma nova dinâmica. Este partido, alicerçado no nacionalismo hindu, está insatisfeito com o federalismo e busca promover uma identidade nacional unificada, centrada na religião e na língua.
O Impacto das Políticas do BJP
Em 2019, o governo do BJP revogou o Artigo 370 da Constituição, que garantiu autonomia a Jammu e Caxemira. Isso não apenas retirou a autonomia do estado, mas também alterou sua situação jurídica, levando a um governo direto. Medidas semelhantes foram adotadas em relação a Delhi, onde o governo central tomou o controle de funções administrativas fundamentais.
Essas ações abalaram os fundamentos do federalismo indiano e atenderem a um público que sente que a diversidade cultural está sob ameaça.
A Necessidade de Ações
Desigualdades Econômicas
A estrutura fiscal da Índia foi projetada para atender às necessidades de desenvolvimento dos estados, mas à medida que as desigualdades econômicas crescem, estados mais ricos exigem maior autonomia fiscal. Um exemplo é o estado de Karnataka, que reivindicou que, em vez de penalizado, deveria ser recompensado por seu desenvolvimento.
O Desafio da Redistribuição
A redistribuição é uma questão delicada. As diferenças econômicas entre estados complicam a cooperação no sistema federal. Paradoxalmente, a busca por integração econômica exige um certo grau de centralização nas políticas fiscais. Em 2017, a Índia implementou o Imposto sobre Bens e Serviços (GST), um movimento que exigiu que estados abrissem mão da autonomia em favor de um sistema tributário unificado. Esse aspecto provocou tensões, tornando os estados mais céticos em relação à redistribuição de receitas.
O Futuro da Federalismo Indiano
Enquanto as divisões regionais se intensificam, a governança nacional e a resolução de disputas tornam-se mais desafiadoras. O modelo de federalismo tradicional pode não ser suficiente para lidar com as disparidades crescentes. O futuro pode não incluir secessionismo, mas sim um aumento das tensões que dificultam a governança efetiva.
Caminhos Possíveis
Algumas sugestões para restaurar o equilíbrio incluem:
- Reforma do Parlamento: O Rajya Sabha, ou câmara alta, poderia se tornar um verdadeiro representante dos estados, oferecendo espaço para um diálogo mais significativo.
- Aproveitar Conselhos Interestaduais: A Índia já possui estruturas subutilizadas para mediar relações entre os estados, mas frequentemente esses órgãos são negligenciados.
A Necessidade de Compromisso
O compromisso político é fundamental para renovar o pacto federal indiano. A falta de um mediador confiável e a resistência a reformas significativas podem dificultar o avanço em direção a um sistema mais justo e colaborativo.
Reflexão Final: O futuro do federalismo na Índia não é apenas uma questão de política, mas também de identidade e bem-estar social. As escolhas que o país faz agora moldarão não só sua estrutura política, mas também seu compromisso com a democracia e com a diversidade que o caracteriza. Como os cidadãos se envolvem nessa discussão e avançam em direção a soluções viáveis, é vital que cada voz seja ouvida e considerada.