A Evolução da Causa Palestina no Contexto Árabe
Um Novo Cenário Regional
Em 2020, Israel iniciou um processo de normalização de suas relações com alguns vizinhos, mediado pelos Estados Unidos. Os Acordos de Abraão geraram questionamentos sobre a relevância da causa palestina no mundo árabe. Com o avanço do tempo e a possível adesão da Arábia Saudita a esses acordos no final de 2023, a preocupação aumentou: a criação de um estado palestino estava de fato fora da agenda árabe?
A situação se agravou em outubro de 2023, quando um ataque do Hamas a Israel resultou em uma violenta resposta militar israelense em Gaza. As repercussões internacionais foram intensas diante da escala de violência e do bloqueio à ajuda humanitária. O sofrimento contínuo dos palestinos — seja em Gaza, na Cisjordânia ou em Israel — gerou, entre os cidadãos árabes, uma indignação que poderia impactar as políticas governamentais.
A Raiva nas Ruas e Seus Efeitos
Contrariando a expectativa de que o desinteresse pela causa palestina prevalecesse, a opinião pública árabe apresentou mudanças significativas. A raiva provocada pela escalada do conflito em Gaza interrompeu a normalização progressiva das relações árabe-israelenses. Governos que antes estavam prontos para se alinhar a Israel passaram a enfrentar uma forte oposição popular, dificultando qualquer progresso nesse sentido.
Durante a visita do presidente Donald Trump a países como Catar e Arábia Saudita, a questão palestina, que já estava empurrada para o fundo da pauta, tornou-se ainda mais secundária. Para muitos analistas, a indignação popular parecia não se traduzir em uma ação coletiva efetiva, uma ironia que poderia ser considerada como um "cachorro que não latiu".
A Nova Consciência Coletiva
Entretanto, essa interpretação ignora mudanças fundamentais na percepção pública. Nossa pesquisa com o Barômetro Árabe revelou que há um forte apoio pela criação de um estado palestino entre os cidadãos árabes. Vários respondentes descreveram a ação israelense em Gaza como "genocídio" ou "limpeza étnica", refletindo um sentimento profundo e crescente de solidariedade com os palestinos.
- Resultados da Pesquisa do Barômetro Árabe:
- A maioria concorda que Israel tem direito de existir.
- A demanda por uma solução de dois Estados continua a ser favorecida.
- Apenas uma fração ínfima considera Israel favoravelmente em países como a Tunísia (3%).
Além disso, a aceitação da normalização com Israel diminuiu drasticamente. Em Marrocos, por exemplo, apenas 13% favoreciam essa normalização em comparação com 31% em 2022.
Mudanças na Dinâmica das Relações Internacionais
A guerra em Gaza também impactou a percepção dos cidadãos árabes em relação a potências internacionais. A favorabilidade em relação aos Estados Unidos caiu significativamente, com quedas de até 23 pontos percentuais em países como Jordânia e Mauritânia. Similarmente, aliados de Israel como França e Reino Unido enfrentaram uma queda em suas avaliações.
Por outro lado, a imagem da China cresceu, com muitos árabes favorecendo a potência asiática como alternativa confiável. Isso ressalta uma dinâmica crescente de descontentamento com a política ocidental em relação a Israel e um desejo por novas alianças.
Protestos e Ações Populares
Apesar da repressão governamental, os protestos contra a ação israelense em Gaza têm se tornado cada vez mais frequentes em vários países árabes. Em locais como a Jordânia, onde há um tratado de paz com Israel, a insatisfação popular levou a manifestações regulares.
- Exemplos de Protestos:
- Marrocos: Centenas de manifestações em resposta à normalização com Israel.
- Kuwait: Atos de boicote a empresas que apoiam Israel e mobilizações de apoio.
Nesse contexto dinâmico, os cidadãos árabes estão se mobilizando de diversas formas, apesar das restrições. Eles usam as redes sociais para expressar apoio aos palestinos, organizam protestos locais e participam de iniciativas de ajuda humanitária.
O Desafio aos Governos
Embora os governos árabes criticam publicamente as ações de Israel, não tomaram medidas efetivas para impedir a continuidade das operações militares. A razão não é apenas um desinteresse pela causa palestina, mas também o temor da reação popular. Antes de outubro de 2023, parecia que a Arábia Saudita estava pronta para estabelecer laços mais próximos com Israel. Desde então, essa trajetória foi comprometida.
A pressão da opinião pública está moldando a política externa árabe. Em resposta à indignação popular, a Arábia Saudita e outros países começaram a adotar posições mais firmes em relação ao apoio por um estado palestino independente.
O Caminho à Frente
Entonces, à medida que a pressão popular aumenta, fica claro que a causa palestina não pode ser ignorada. As recentes reações demonstram que os líderes árabes não podem simplesmente desconsiderar o desejo de seus cidadãos por justiça e paz para o povo palestino.
- Próximos passos possíveis:
- Adoção de políticas mais robustas em apoio à Palestina.
- Aumento do diálogo sobre soluções diplomáticas viáveis.
- Criação de um caminho claro para a independência palestina como parte do processo de normalização com Israel.
Conforme este panorama evolui, é evidente que o papel da população na formação da política árabe contemporânea está se tornando cada vez mais central. Contudo, as forças repressivas ainda operam, limitando a expressão da insatisfação popular.
Reflexões Finais
As mudanças nas dinâmicas sociais e políticas no mundo árabe revelam um cenário complexo e interconectado. Ao mesmo tempo em que as oposições se manifestam, também surgem movimentos que desafiam o status quo. O engajamento popular na causa palestina é um lembrete poderoso de que a ação coletiva pode influenciar, e até mesmo reverter, direções políticas.
Como o futuro se desenrola, será fundamental manter a atenção sobre como esses sentimentos se traduzem em ações concretas e mudanças no diálogo internacional, especialmente em relação ao conflito israelense-palestino. Convidamos você a refletir sobre essa realidade e a compartilhar suas opiniões sobre o impacto da causa palestina nas relações árabes.
