A Nova Fase da Fabricação Chinesa: Desafios e Oportunidades
A China, frequentemente chamada de “fábrica do mundo”, está passando por uma transformação significativa em seu setor de fabricação. Nos últimos dez anos, o país tem se esforçado para elevar sua indústria em uma nova direção, focando na produção de tecnologias sustentáveis e acessíveis. Modelos de veículos elétricos (EVs) a preços inimagináveis, como abaixo de R$ 50.000, estão se tornando cada vez mais comuns, enquanto a China agora domina cerca de 80% da cadeia global de fornecimento de energia solar. Isso tudo pode parecer promissor, mas o que está por trás desse boom tecnológico? Vamos explorar.
O Que Está Acontecendo?
Apesar do crescimento monumental no setor de tecnologia verde, as principais economias mundiais, como os Estados Unidos e a União Europeia, estão manifestando preocupação. Em 2024, o governo Biden anunciou tarifas de até 100% sobre uma variedade de produtos chineses, argumentando que a China estava “inundando os mercados globais com exportações a preços artificialmente baixos”. Da mesma forma, a Comissão Europeia reclamou de subsídios injustos ao setor automobilístico chinês, alegando prejuízos para os produtores locais. Isso levanta uma questão crítica: a China está produzindo mais do que o mundo consegue absorver?
A Tradição da Excesso de Capacidade
O fenômeno do “excesso de capacidade”, que é a produção acima da demanda, não é novidade. No passado, a China enfrentou críticas por seus altos níveis de produção em setores como aço e cimento, prejudicando concorrentes internacionais. O problema tem raízes em um sistema econômico nacional que privilegia subsídios governamentais e investimentos em infraestrutura, em detrimento do consumo interno. Se os consumidores chineses não compram o suficiente, o resultado é um excesso de exportações.
A Revolução Verde e A Complexidade do Excesso
Porém, a atual onda de produção de tecnologia verde na China lança uma nova luz sobre esse problema. Embora a demanda por instalações solares continue crescendo — com 277 gigawatts de nova capacidade instalados apenas em 2024 — e os subsídios do governo tenham sido encerrados em 2021, a oferta parece não ter limites. Desde 2024, as autoridades chinesas alertaram sobre uma “expansão cega” na produção de energia solar e veículos elétricos. O que está impulsionando essa avalanche de produção?
Demanda Sustentável: Mesmo com as queixas internacionais, a demanda interna por energia solar e veículos elétricos continua alta.
Mudanças Estruturais: A economia chinesa tem se transformado desde 2020, com uma recessão no mercado imobiliário e a pressão sobre empresas privadas, que agora têm dificuldade em obter financiamento.
A Questão da Estabilidade
Com a economia em desaceleração, o excesso de produção se torna ainda mais problemático. As guerras de preços entre empresas, por exemplo, resultaram em uma queda média de 40% nos preços dos produtos solares. Embora ações legais estejam sendo implementadas para regular o mercado e limitar práticas de preços predatórios, muitos especialistas acreditam que a solução deve ir além de ajustes temporários.
A Incentivização da Produção Excessiva
Um dos fatores centrais para compreensão desse fenômeno é o sistema tributário e as práticas de avaliação do Partido Comunista Chinês (PCC). Os líderes locais são premiados com promoções baseadas em resultados de crescimento, levando à criação de clusters industriais em inúmeras províncias. Vamos explorar como isso impacta a capacidade produtiva do país:
Sistema Tributário: O imposto sobre valor agregado (IVA) é dividido entre o governo central e o local, o que incentiva a construção de grandes bases industriais.
Atuação do Governo Local: Funcionários locais, em busca de crescimento econômico, expandem a capacidade produtiva, gerando ineficiências que reverberam pela economia.
Esses fatores criam um ciclo vicioso no qual as empresas lutam para se manterem à tona, mesmo quando a rentabilidade é baixa. Os bancos estatais têm preferido continuar financiando empresas “zumbis”, evitando o colapso de grandes empregadores municipais.
Mudando o Jogo
Para que a China mude essa trajetória de excesso, reformas abrangentes são necessárias. O governo precisa criar incentivos que promovam não apenas a expansão, mas também a qualidade, produtividade e inovação. Algumas sugestões incluem:
Reformulação do Sistema Fiscal: Reduzir a dependência de receitas de produção, favorecendo o consumo e sustentando o crescimento das pequenas empresas inovadoras.
Financiamento de Longo Prazo: Os bancos devem ser incentivados a direcionar seus créditos para startups tecnológicas e inovações, diversificando os riscos.
Incentivos à Inovação: Proteger propriedade intelectual e garantir um ambiente favorável à concorrência são passos essenciais para estimular verdadeiras inovações.
Essa abordagem não só reduzirá o excesso de capacidade, mas também criará um ecossistema econômico mais resistente e dinâmico.
O Caso dos Gigantes Privados
Outro elemento essencial para entender a dinâmica chinesa é o papel das empresas privadas. Nos últimos anos, muitas delas enfrentaram um esfriamento no financiamento, especialmente após as regulamentações draconianas. À medida que o governo se afasta do apoio às plataformas gigantes, as pequenas e médias empresas lutam para sobreviver.
Enquanto isso, as que se mostram inovadoras muitas vezes conseguem se destacar através de:
Resiliência: Estratégias criativas e operações enxutas permitem que algumas empresas prosperem, mesmo em meio à pressão do mercado.
Engajamento em Nichos: Focar em segmentos específicos de mercado é muitas vezes uma maneira eficaz de escapar da compressão de preços.
Por exemplo, enquanto gigantes como a BYD expandem suas vendas internacionais, a pressão de lucros continua a corroer suas margens. A pergunta que resta é: poderão as empresas privadas encontrar novos caminhos para crescer em um ambiente tão regulado?
Quando A Inovação Encontra a Imitação
A realidade é que embora a China produza inovações, muitas delas são impulsionadas por uma lógica de imitação rápida e crescimento exponencial. Esse é um modelo que tem funcionado, mas que, com o tempo, não será suficiente.
O que é necessário para romper esse ciclo?
Adoção de Novos Paradigmas: O governo deve deslocar o foco da simples expansão para o desenvolvimento sustentável e inovador.
Maior Acesso ao Capital: O desenvolvimento de um verdadeiro mercado financeiro que atenda não apenas grandes indústrias, mas também startups inovadoras é fundamental para garantir um futuro mais competitivo.
Promoção da Originalidade: Estabelecer e fortalecer as leis de propriedade intelectual garantirá que os criadores e inovadores sejam protegidos, incentivando um ambiente saudável de competição.
Um Futuro em Cheque
Olhando para o futuro, a trajetória da economia chinesa está diretamente conectada à capacidade do PCC de se adaptar às circunstâncias em evolução. O país já provou que pode inovar, mas agora é o momento de testar se pode equilibrar ambição com sustentabilidade.
O desafio será, portanto, não apenas manter o crescimento, mas fazer isso de uma maneira que não comprometa a sustentabilidade econômica e ambiental. A capacidade da China de se reimaginar e se reinventar é o que realmente determinará seu sucesso nos desafios globais que estão por vir.
O que você acha? Será que a China conseguirá navegar por esses desafios e se estabelecer como um líder sustentável nas tecnologias do futuro? Afinal, o mundo observa e o tempo dirá.