Em tempos de mudanças nas regras tributárias no Brasil, nos deparamos com um aumento na busca por métodos eficazes de transferência de patrimônio familiar e herança em vida. Entre essas alternativas, surge o fundo fiduciário, uma opção que tem conquistado a atenção de muitos. Para entender melhor esse conceito, conversamos com especialistas e descobrimos como funciona, sua criação e a situação legal atual.
O que é um fundo fiduciário?
Um fundo fiduciário é um tipo de acordo legal que permite a um terceiro gerenciar bens de uma empresa, grupo ou indivíduo, em benefício de um ou mais beneficiários. Esse modelo é similar ao que conhecemos como “trust funds” nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Como funciona?
Para estabelecer um fundo fiduciário, é importante entender que existem sempre três papéis principais, conforme explica Sharon Halpern, sócia e private banker da Blackbird:
- Concedente/instituidor: a pessoa ou grupo que cria o fundo para fazer doações de parte ou de todo o seu patrimônio;
- Beneficiário: a pessoa ou grupo que receberá os ativos conforme as regras definidas no acordo;
- Administrador/fiduciário: aquele que é responsável por proteger, administrar e distribuir os ativos.
O instituído determina as regras do fundo e realiza a transferência dos ativos (que podem incluir dinheiro, imóveis, ações e muito mais) para esse fundo. Após essa etapa, o administrador assume a responsabilidade de manejar os ativos em prol dos beneficiários, gerando rendimentos e realizando as transferências de acordo com as normas estabelecidas.
Quais ativos podem compor um fundo fiduciário?
De acordo com Sharon, os fundos fiduciários podem incluir uma variedade de ativos, como:
- Dinheiro: seja em depósitos ou investimentos;
- Imóveis: como casas, terrenos ou propriedades comerciais;
- Investimentos financeiros: englobando ações, títulos e outros ativos;
- Empresas: participações acionárias ou controle de negócios;
- Outros bens: como obras de arte, joias ou direitos autorais.
Tipos de fundos fiduciários
Basicamente, existem dois tipos de fundos fiduciários:
- Fundos revogáveis: onde o doador pode mudar ou até encerrar a qualquer momento, enquanto estiver vivo;
- Fundos irrevogáveis: uma vez criados, não podem ser modificados ou encerrados pelo instituidor.
Ainda há subcategorias, como os fundos testamentários — que atuam a partir de um testamento após o falecimento do instituidor — e os fundos caritativos, destinados a apoiar instituições de caridade. Também existem fundos para menores, que garantem a segurança financeira de crianças até que atinjam uma idade específica.
Quem pode ser beneficiário?
A escolha dos beneficiários de um fundo fiduciário é determinada pelos termos que o instituidor estabelece. Assim, os beneficiários podem ser familiares (cônjuges, filhos, netos), instituições de caridade ou qualquer pessoa ou entidade selecionada especificamente no contrato.
Como é possível criar um fundo fiduciário?
Se você está considerando criar um fundo fiduciário, aqui estão os passos recomendados por Sharon Halpern:
- Definir os objetivos: compreenda o propósito do fundo e os beneficiários.
- Escolher os ativos: decida quais bens ou recursos você deseja incluir.
- Contratar um advogado especializado: é essencial para elaborar os documentos legais necessários, como o contrato fiduciário.
- Selecionar um fiduciário: escolha alguém ou alguma instituição de confiança para administrar o fundo.
- Registrar o fundo: em alguns casos, o registro é obrigatório junto às autoridades locais.
- Transferir os ativos: formalize a transferência dos bens para o fundo.
A transferência de patrimônio para um fundo fiduciário pode se mostrar uma estratégia eficiente para o planejamento sucessório. Isso não apenas evita o inventário e garante que os bens sejam repassados diretamente aos beneficiários, como também protege os ativos contra dívidas e disputas legais, e pode ainda minimizar a carga tributária incidente sobre heranças.
O cenário legal dos fundos fiduciários
Nos últimos anos, a legislação sobre fundos fiduciários tem sido bastante debatida em Brasília. Atualmente, não existe uma regulamentação específica para esses instrumentos. Há o Projeto de Lei nº 4758/20, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 2022 e aguarda análise no Senado, visando à criação de um “Regime Geral da Fidúcia”. Além disso, o Projeto de Lei Complementar nº 145 de 2022 aborda a questão do ‘trust’ no Brasil.
Recentemente, também houve uma tentativa do governo de legislar sobre o tema mediante a Medida Provisória nº 1.171/2023, que discute a tributação da renda de aplicações financeiras e trusts no exterior. Contudo, o texto sofreu alterações durante o processo legislativo.
Apesar de na prática ser possível elaborar um contrato que funcione como um fundo fiduciário, a falta de regulamentação clara gera incertezas. João Arthur Almeida, CIO e diretor de Wealth Management do Grupo Suno, compara a situação atual dos fundos fiduciários à das offshores antes da implementação da tributação ano passado, destacando a necessidade de maior clareza e segurança jurídica sobre o tema.
Com o crescente interesse por estratégias de proteção e transferência de patrimônio, a criação de fundos fiduciários pode se tornar uma alternativa eficiente e segura. É fundamental que os interessados busquem orientação qualificada para explorar ao máximo essa opção, sempre atentas às mudanças que podem ocorrer no cenário legal e tributário do Brasil. Assim, será mais fácil garantir a proteção dos seus bens e a segurança financeira de seus beneficiários, permitindo que seu legado seja transmitido da melhor forma possível. Pense sobre isso e compartilhe suas dúvidas ou opiniões sobre o tema!