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Questões Legais e a Realidade da Preservação no Brasil
Em tempos de crescente debate sobre o meio ambiente e sustentabilidade, muitas vezes nos esquecemos de considerar quem realmente arca com os custos da preservação ambiental. Um estudo intitulado “Normas Florestais no Mundo: Áreas legalmente protegidas em propriedades privadas”, elaborado pelo Observatório de Bioeconomia da FGV, revela que os países estão divididos em duas categorias: aqueles que impõem obrigações legais aos proprietários rurais e aqueles que incentivam a conservação através de pagamentos por serviços ambientais (PSA) ou pela criação de unidades de conservação (UC).
Comparando as áreas de conservação legalmente protegidas nas propriedades rurais de países como Estados Unidos, Canadá, Argentina, Angola, Alemanha, França, China, Austrália e Brasil, é notável o contraste no empenho de cada nação. O Brasil se destaca como líder mundial na preservação realizada em propriedades privadas, porém, o conhecimento geral sobre a rigidez da legislação ambiental brasileira e o volume de conservação efetivamente praticado dentro dessas propriedades é limitado.
O Código Florestal Brasileiro: Regras e Responsabilidades
O Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/2012) estabelece diretrizes claras para a proteção ambiental dentro das propriedades privadas, restringindo o direito de propriedade sem qualquer compensação financeira em diversos níveis. Para dar uma ideia clara:
- Na Amazônia Legal, os proprietários devem preservar 80% da área.
- No Cerrado, a obrigatoriedade é de 35%.
- Nas demais regiões do país, a preservação deve ser de 20%.
Em média, os produtores rurais no Brasil preservam cerca de 50% de suas propriedades, utilizando o resto para produção. Isso resulta em um vasto espaço de recuperação ambiental.
O Terreno da Preservação: Números Que Impressionam
O estudo também revela que, considerando as áreas de conservação nas propriedades (as chamadas Áreas de Preservação Permanente – APPs e Reservas Legais – RLs), os agricultores brasileiros mantêm aproximadamente 120 milhões de hectares de florestas em terras privadas. Para ter uma melhor noção, esse valor é maior do que os 113 milhões de hectares de todas as Unidades de Conservação do país, o que representa uma conquista significativa no campo da preservação.
Em outras palavras, os produtores rurais do Brasil estão protegendo uma área equivalente ao total da França e da Alemanha combinadas. Enquanto isso, na Angola, embora a legislação ambiental seja semelhante e exija a preservação de 20% a 80% das terras privadas, a prática de cumprimento é bastante limitada.
Métodos de Conservação em Outros Países
Nos Estados Unidos, a abordagem de conservação é frequentemente baseada em programas voluntários, como o Conservation Reserve Program (CRP), que incentiva os proprietários a retirar terras da produção por um tempo determinado, visando à recuperação ambiental. A extensão dessas áreas está sujeita a variações a cada novo “Farm Bill”, o que mostra um compromisso oscilante com a conservação.
O cenário é semelhante no Canadá, onde o Ecological Gifts Program abrange cerca de 1% das propriedades privadas, incentivando a doação de áreas ecologicamente sensíveis em troca de benefícios fiscais. A União Europeia, por sua vez, destina entre 5% e 10% das terras privadas para conservação, utilizando práticas sustentáveis financiadas pelo bloco, que totaliza um investimento significativo nos próximos anos.
Na Austrália, cerca de 2% das propriedades privadas participam de projetos agroambientais, enquanto na China, onde a propriedade privada não existe, o reflorestamento é promovido através de PSA públicos, como o programa que já recuperou milhões de hectares de terras.
A Injustiça da Preservação no Brasil
Um ponto crucial que emerge dessa análise é que apenas uma pequena fração das terras privadas, estimada em menos de 2%, é sujeita a restrições ambientais sem compensação no Brasil, em contraste com políticas de PSA em outros países que oferecem suporte financeiro aos proprietários. Isso levanta questões sobre a equidade das regras que exigem que os produtores rurais brasileiros suportem sozinhos o peso da conservação ambiental, enquanto outros países recebem apoio governamental robusto.
A Hora da Reflexão e Ação
Portanto, fica claro que é momento de discutir seriamente formas de incentivar a adaptabilidade ao Código Florestal, garantindo uma justiça ambiental e competitividade no cenário internacional. Existe uma oportunidade significativa para comunicar a sustentabilidade inerente à produção agrícola brasileira; cada tonelada de produtos como soja, milho, carne e outros, carrega consigo o custo da preservação ambiental.
Os agricultores brasileiros têm provado que é possível preservar a natureza enquanto produzem, mas isso vem a um custo que outros países não impõem aos seus produtores. Assim, é vital que todos nós, como sociedade, consideremos como podemos apoiar medidas que reconheçam e valorizem essa contribuição essencial para o meio ambiente.
* Helen Jacinto é engenheira de alimentos e produtora rural com mais de 20 anos de experiência no agronegócio. Com formação em Business for Entrepreneurs na Universidade do Colorado, ela é responsável pela implementação de gestão Lean na Fazenda Continental e Regalito e é fundadora do grupo Forbes Mulher Agro. Além disso, ocupa um cargo estratégico como conselheira do COSAG/FIESP e faz parte da lista Women to Watch 2025.