Em setembro, a Raízen integrou um grupo crescente de empresas que utilizam o mercado de dívida sustentável para financiar iniciativas voltadas para a preservação ambiental. Estamos nos referindo aos títulos verdes, que são instrumentos financeiros vinculados a objetivos ecológicos, diferenciando-se das emissões tradicionais. Estes títulos são uma maneira inovadora de alinhar investimentos a causas que beneficiam o meio ambiente.
A Tendência dos Títulos Verdes
Recentemente, a Raízen captou impressionantes US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,4 bilhões) no mercado internacional, com uma demanda que superou as expectativas em quatro vezes. O capital levantado será destinado ao refinanciamento de dívidas, à produção de etanol de segunda geração e a iniciativas que visam a redução das emissões de carbono.
De acordo com um relatório do Banco Central, até junho de 2024, cerca de 50% das emissões de dívida corporativa foram de naturezas sustentáveis. Esses títulos são parte da estratégia ESG (Environmental, Social, and Governance) — ou, em português, Ambiental, Social e Governança — que cada vez mais atrai o interesse do mercado.
No total, até agora, os emissores brasileiros arrecadaram US$ 6,55 bilhões (aproximadamente R$ 35,37 bilhões) com os títulos verdes no exterior, enquanto no mercado interno as emissões totalizam mais de R$ 2 bilhões. Especialistas da Forbes Brasil acreditam que o apetite dos investidores e o compromisso das empresas com metas ESG tangíveis podem resultar em emissões que superem o recorde histórico de 2021, que foi de US$ 12,11 bilhões (ou R$ 65,3 bilhões).

Reuters
O mercado de títulos verdes voltou a crescer após uma queda no pós-pandemia
O que são Títulos Verdes?
Para compreendermos melhor esse tipo de ativo, é fundamental entender o que envolve um título de dívida. Quando falamos sobre emissões no Brasil, normalmente estamos nos referindo a debêntures ou letras financeiras, enquanto no exterior o termo utilizado é bond. Essencialmente, na emissão de dívida, o investidor “empresta” recursos à empresa ou ao governo, esperando receber de volta o valor emprestado mais os juros acordados na data de vencimento.
Esses instrumentos são utilizados por empresas ou governos para arrecadar fundos, financiar aquisições, projetos, ou até quitar dívidas anteriores. A principal diferença entre um bond convencional e um green bond está no fato de os segundos serem voltados para financiar iniciativas sustentáveis, que vão desde a energia renovável até a preservação de florestas.
Os investidores não apenas recebem o pagamento dos juros, mas também acompanham de perto o progresso das metas ambientais estabelecidas. Caso essas metas não sejam cumpridas até o vencimento, o investidor pode, inclusive, receber um pagamento adicional como compensação.
Segundo Laszlo Cerveira Lueska, sócio-gestor da Octante Capital, o mercado de títulos sustentáveis ganhou destaque principalmente após a pandemia. Ele explica que, frente ao cenário caótico e às perdas enfrentadas, as pessoas passaram a valorizar mais a longevidade e a sustentabilidade. Apesar de um recuo nas emissões após o recorde de 2021, os números estão se recuperando rapidamente.
Antonio Kritsinelis, analista na mesma empresa, acrescenta que, embora os green bonds sejam os mais comuns, existem outros tipos de títulos ESG, como dívidas sociais e os conhecidos títulos de sustentabilidade, que combinam metas ambientais e sociais sem exigir o cumprimento de critérios específicos.
Em 2024, os setores que mais emitiram green bonds foram papel e celulose, commodities e serviços públicos. Especialistas acreditam que as taxas de juros mais baixas nos Estados Unidos criam oportunidades ainda melhores para novas emissões. Além disso, a agenda verde do governo Lula e as iniciativas voltadas para a transição energética posicionam o Brasil como um potencial líder na emissão de títulos verdes.
Vale a Pena Investir em Títulos Verdes?
Embora não haja uma regra rígida, os títulos verdes frequentemente oferecem retornos inferiores aos dos títulos tradicionais. Isso ocorre porque empresas comprometidas com metas sustentáveis podem emitir esses papéis a custos mais baixos, o que significa que o investidor pode abrir mão de parte do retorno financeiro em prol de um investimento com impacto social e ambiental positivo.
A Octante observa que os green bonds costumam pagar até 0,25% a menos do que os títulos convencionais. Com o aumento do interesse de grandes fundos e investidores institucionais comprometidos com a agenda ESG, essas emissões têm cada vez mais êxito.
Portanto, a grande vantagem de investir em títulos verdes é a oportunidade de diversificar a carteira e ao mesmo tempo contribuir para causas que beneficiam o planeta.
Os especialistas também destacam que empresas que emitem esses títulos geralmente já possuem uma estratégia ambiental bem definida, o que aumenta a confiança no mercado.
Atenção aos Riscos
Marília Morais, head de produtos da SulAmérica Investimentos, alerta que o principal risco de investir em green bonds é o compromisso da empresa com o projeto apresentado. “Há a possibilidade de a empresa mudar seu direcionamento após a emissão da dívida, especialmente em títulos de longo prazo,” diz ela.
Para aqueles interessados em investir, Morais recomenda que a análise de um green bond siga as mesmas diretrizes de qualquer outro papel, porém incluindo avaliações relacionadas a componentes ESG. “É crucial analisar o preço, fundamentação técnica, princípios, setor de atuação e a capacidade de gestão da empresa, além de seu comprometimento com práticas sustentáveis,” ressalta.
“Em algumas situações, um green bond pode apresentar uma rentabilidade inferior em comparação a outros títulos, então o investidor deve considerar não só o impacto positivo do projeto, mas também a diversificação proporcionada pela carteira,” conclui.
Greenwashing: Uma Armadilha?
Com a ascensão do conceito ESG, muitas empresas têm adotado uma retórica de sustentabilidade sem implementar mudanças significativas em suas operações — uma prática conhecida como greenwashing. Para a Octante, é difícil que companhias sérias utilizem títulos verdes para essa estratégia, já que o não cumprimento das metas, apesar de resultar em prêmios para investidores, poderia danificar sua reputação, afetando futuras emissões.
Marília Morais aponta que emitir um título verde pode melhorar a imagem da empresa, alinhando-a com consumidores cada vez mais engajados em questões sustentáveis e atraindo grandes investidores institucionais que valorizam esses papéis.
Não São Apenas Empresas
Além das empresas, governos também estão participando ativamente do mercado de títulos verdes. Em 2024, as emissões globais já alcançaram US$ 461 bilhões, com um total de 1.260 emissões. Países como Itália, Alemanha, Reino Unido e Austrália estão entre os principais emissores deste tipo de dívida.
- No Brasil, uma recente emissão de US$ 2 bilhões (R$ 10,8 bilhões) em títulos destinados à preservação da Amazônia, com vencimento em 2031 e taxa de retorno de 6,5% ao ano, direcionou entre 50% e 60% dos recursos para projetos ambientais e o restante para iniciativas sociais.
O mercado de títulos verdes representa uma oportunidade empolgante para investidores que desejam não só a rentabilidade, mas também um impacto positivo no mundo. O caminho para uma economia mais sustentável pode ser pavimentado por meio dessas iniciativas financeiras, que, além de promoverem causas nobres, também oferecem uma alternativa viável para diversificação da carteira de investimentos.