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Nos últimos tempos, as redes sociais têm se tornado a presença mais marcante e, muitas vezes, prejudicial da tecnologia na vida dos jovens. O que antes era apenas entretenimento agora atua como influenciador silencioso do comportamento adolescente. A série “Adolescência”, da Netflix, traz à tona um alerta crucial: a era digital está reconfigurando a formação emocional e psicológica de uma geração. O que muitos governos e grandes empresas de tecnologia preferem ignorar é que o ambiente online, sem supervisão ou regulação, pode ser extremamente nocivo para crianças e adolescentes.
Como mãe de dois adolescentes, assistir a essa série foi uma experiência angustiante. A história de um garoto de 13 anos envolvido em um assassinato brutal, possivelmente influenciado por ideologias misóginas encontradas na internet, reflete o pesadelo que muitas famílias enfrentam hoje. O acesso desenfreado a conteúdos tóxicos, a normalização da violência e a formação de comunidades extremistas em espaços obscuros da internet não são mais questões distantes; são realidades de nosso cotidiano.
A adolescência virtual
A adolescência é, por natureza, uma fase de mudanças intensas — físicas, emocionais e sociais. O cérebro ainda se desenvolve, a identidade busca sua definição e o pertencimento aos grupos se torna essencial. Nesse contexto de fragilidade, operam algoritmos projetados para captar a atenção e manipular os comportamentos, com pouca ou nenhuma preocupação com a segurança.
Essas plataformas sabem exatamente como manter um adolescente rolando a tela: sugerem conteúdos cada vez mais apelativos, reforçam padrões de sucesso, beleza e performance impossíveis de alcançar e promovem comparações incessantes. O resultado disso? Uma avalanche de crises de identidade, ansiedade, raiva e solidão.
“Adolescência” ilustra bem esse cenário e deixa uma pergunta inquietante: quem se responsabiliza por essa situação?
O silêncio confortável das gigantes da tecnologia
A resposta mais sincera? Raramente alguém. As conhecidas Big Five — Apple, Google, Meta, X e Microsoft — operam com liberdade suficiente para negligenciar os impactos de suas plataformas. Apesar de uma enxurrada de estudos que indicam os danos à saúde mental dos jovens, as empresas parecem priorizar apenas as métricas de engajamento. Pesquisas como a da Universidade de Oxford, publicada em 2024, revelam que adolescentes que passam mais de três horas diárias nas redes sociais têm 60% mais chances de desenvolver depressão. Além disso, a Associação Psicológica Americana observou que a exposição contínua a conteúdos prejudiciais aumenta a ansiedade e prejudica a autoestima.
Diante de dados alarmantes, o que encontramos? Apenas comunicados institucionais vazios, termos de uso pouco efetivos e uma resistência sistemática à regulação. A resposta usual é sempre a mesma: “Estamos comprometidos com a segurança de nossos usuários” — enquanto seus algoritmos permanecem em funcionamento nas sombras.
Avanços tímidos e resistência contundente
Alguns países, como França, Austrália e Brasil, começaram a implementar restrições ao uso de celulares nas escolas, e o Reino Unido discute formas de limitar o acesso de menores às redes sociais. A União Europeia está avançando com a Lei de Serviços Digitais, que exige maior transparência algorítmica e melhores proteções para os menores. Entretanto, nos EUA — onde estão sediadas as maiores plataformas — qualquer tentativa de controle enfrenta forte lobby.
Nesse cenário, surge uma pergunta fundamental: quem protegerá os jovens?
O papel das famílias, da sociedade e das lideranças
Não podemos esperar que as grandes empresas tomem a iniciativa de mudar por conta própria. Como mãe, me pergunto diariamente: como posso proteger meus filhos em um ambiente que foi projetado para atraí-los?
A resposta passa por três frentes: supervisão ativa, diálogo constante e, principalmente, pressão pública por uma regulação responsável. Os celulares não são apenas ferramentas de socialização, mas portais que trazem narrativas, valores e estímulos que moldam identidades. A mediação dos adultos, com empatia e consciência, é mais essencial do que nunca.
No entanto, a responsabilidade não pode cair apenas sobre as famílias. Precisamos de líderes públicos, educadores, empreendedores e investidores comprometidos com um ecossistema tecnológico mais saudável. Medidas como a regulação algorítmica, a criação de plataformas educativas seguras e o investimento em tecnologias com design ético não são meras utopias: são caminhos possíveis — e urgentes.
Um chamado à ação imediata
A frase mais poderosa da série ressoa em minha mente: “Leva uma vila para criar uma criança, mas também leva uma vila para destruí-la.” Nesse momento, essa “vila” está sendo dominada por sistemas opacos que exploram a vulnerabilidade humana — especialmente a dos mais jovens.
Já é hora de mudarmos essa realidade. Se queremos proteger a saúde mental da próxima geração, é essencial tratar as redes sociais como ferramentas poderosas que demandam responsabilidade, limites e transparência. Essa responsabilidade deve começar com as empresas que influenciam e moldam a atenção e a inocência das nossas crianças, e se estender a todos nós. A cultura da negligência precisa ser substituída por uma nova cultura: a do cuidado.
Iona Skurnik é fundadora e CEO da Education Journey, uma plataforma de educação corporativa que utiliza Inteligência Artificial para propor experiências de aprendizado personalizadas. Com mestrado em Educação e Tecnologia pela Universidade de Stanford, Iona fez parte da equipe que criou a primeira plataforma de educação online da universidade. Como executiva, atuou durante oito anos no mercado de SaaS de edtechs no Vale do Silício. Iona é também cofundadora da Brazil at Silicon Valley, fellow da Fundação Lemann, mentora de mulheres e investidora-anjo.
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