A Ascensão do Sul Global: Um Novo Paradigma em Construção
Em outubro de 2024, durante o mais recente encontro do BRICS, o presidente russo Vladimir Putin fez um apelo para que as nações do “Sul Global” construíssem uma alternativa à ordem global vigente. O presidente chinês, Xi Jinping, também enfatizou a importância da solidariedade entre as nações do Sul, posicionando o BRICS, um grupo que começou como uma aliança entre Brasil, Rússia, Índia e China em 2009 e que se expandiu significativamente na última década, como um líder em reforma da governança global. Essa não foi a primeira vez que ambos os líderes celebraram a ideia do Sul Global; em maio de 2024, uma declaração conjunta reafirmou que a ascensão do Sul Global promoveria a democratização das relações internacionais e uma maior justiça global.
O Dilema do Sul Global
Apesar das intenções declaradas, a maneira como o termo "Sul Global" é utilizado gera um certo desconforto. O cientista político americano Joseph Nye critica essa expressão por ser considerada enganosa, dado seu significado ambíguo. Em um artigo na revista Foreign Affairs, Comfort Ero, diretora do International Crisis Group, descreveu o conceito como “conceitualmente complicado” e alertou para seu uso com cautela. Outros pensadores, como Sarang Shidore e Bilahari Kausikan, reconhecem as limitações do termo, mas não estão prontos para abandoná-lo, com Shidore argumentando que devemos reconhecer o Sul Global como um “fato geopolítico”, caracterizado pela exclusão de seus países constituintes das instituições que sustentam a ordem internacional.
Em uma tentativa de definir o Sul Global, muitos se deparam com uma realidade complexa. Literalmente, o termo se refere a países localizados ao sul do equador, algo que exclui regiões como a maior parte da África, partes da América Latina e quase toda a Ásia do Sul e Sudeste, incluindo países que frequentemente são categorizados como parte do Norte Global, como Austrália e Nova Zelândia.
A Necessidade de uma Nova Definição
Independentemente de sua aplicação inconsistente, a busca por capturar uma experiência compartilhada entre essas nações persiste. Historicamente, “Sul Global” é uma das mais recentes tentativas de categorizar o mundo em grupos de povos brancos e não brancos. Essa categorização sugere uma série de suposições sobre o que significa ser “branquíssimo” e, por consequência, “não-branquíssimo” na ordem global.
As expressões que antecederam o Sul Global — como civilizados versus bárbaros, o Ocidente versus o Oriente, e o Mundo Desenvolvido versus o Mundo em Desenvolvimento — são exemplos de divisões simplificadas que refletem um viés racial. Muitas vezes, essas terminologias não apenas se aplicam de forma literal, mas trazem um conjunto de suposições em torno de raça, valores e riqueza.
A Persistência das Ideias Coloniais
O legado de termos como “Sul Global” remonta à época do imperialismo europeu, especialmente na segunda metade do século XIX. Os administradores coloniais enfrentaram o dilema de como controlar os povos colonizados, cuja resistência começava a ameaçar a expansão europeia. Um marco nesse período foi a Revolta dos Sepoys, em 1857, que levou a uma reavaliação do poder colonial. A partir deste momento, as abordagens de domínio, como a regra direta e a regra indireta, começaram a evoluir.
Frederick Lugard, conhecido como o “pai da regra indireta”, implementou um sistema que se apoiava em autoridades existentes nas colônias, em vez de impor um controle europeu absoluto. Essa mudança refletia uma falha em entender os fundamentos culturais das sociedades indígenas, resultando em um modelo que perpetuava a divisão racial.
A Relevância do Sul Global Hoje
O “Sul Global” ganhou destaque em discussões políticas contemporâneas, mas seu uso levanta questões. Embora muitos líderes em países do Sul se esforcem para ganhar o título de “líder do Sul Global”, a eficácia desse movimento é questionada. Tanto a China quanto a Índia desejam se posicionar como protagonistas nessa narrativa, mas desafios estruturais e padrões históricos de alianças bilaterais dificultam a criação de uma frente unificada.
Um exemplo notável é o Grupo dos 77, uma coalizão de nações que, apesar de seu tamanho e potencial, frequentemente falha em promover ações coletivas significativas em escala global devido a interesses nacionais conflitantes. Isso destaca a complexidade das relações internacionais e a dificuldade em operar sob uma bandeira comum, mesmo quando os objetivos são compartilhados.
Mudanças em Curso
Então, qual é o futuro do conceito de “Sul Global”? A ideia de redefinir ou até mesmo abolir esse termo é uma faca de dois gumes. Enquanto algumas alternativas, como "maioria global", oferecem novos ângulos de análise, o impacto real do “Sul Global” não deve ser subestimado. Com um peso demográfico significativo e representando uma parcela considerável do comércio global, o BRICS se apresenta como um novo ator no cenário internacional, mesmo que enfrente as mesmas divisões que seus predecessores.
Pensamentos Finais
O desafio de substituir o conceito de “Sul Global” se entrelaça com nossa relutância em lidar com as verdades incômodas sobre as hierarquias raciais que ainda permeiam as relações internacionais. Embora a linguagem política busque suavizar a dor histórica da opressão, precisamos lembrar que eufemismos muitas vezes escondem verdades difíceis.
À medida que avançamos para um novo ordenamento mundial, é vital que suas narrativas não sejam moldadas apenas por uma visão ocidental, mas que incluam as vozes e experiências dos países que realmente compõem o Sul Global. A esperança reside na possibilidade de um futuro colaborativo, onde os legados do colonialismo possam ser deixados para trás, em busca de uma nova era de igualdade e respeito mútuo.
E você, qual é sua visão sobre o papel do Sul Global no futuro da política internacional? Sinta-se à vontade para compartilhar suas opiniões e continuar a conversa!