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Nos anos 90, durante uma reunião de acionistas da Berkshire Hathaway, Warren Buffett, o icônico magnata do mercado financeiro, fez uma confissão que chamou a atenção: estava consumindo uma quantidade considerável de conteúdo do The Weather Channel. Era uma declaração peculiar, mas quando se trata de Buffett, é sempre uma pista sobre o que pode movimentar seu interesse financeiro. O assunto em questão? Os chamados “cat bonds”, que nada têm a ver com felinos poderosos, mas sim com títulos de resseguradoras dedicados à proteção contra desastres naturais.
Mas como funciona esse sistema de cat bonds? No mundo da seguradora, a lógica é clara: elas geram receita vendendo proteção contra riscos. No Brasil, um dos exemplos mais comuns é o seguro automotivo, enquanto que nos Estados Unidos, as apólices para desastres naturais como inundações, nevascas e incêndios florestais dominam o mercado. Ao contrário do seguro de automóveis, esses produtos são classificados como “risco catastrófico”, pois envolvem eventos que têm consequências devastadoras em grandes escalas, como o incêndio que consumiu bairros inteiros em Los Angeles logo no início de um ano recente.
Além disso, o impacto de fenômenos naturais não se limita a incêndios. Em um passado recente, furacões como Helene e Milton deixaram um rastro pesado de destruição pela costa americana. Eventos com baixa previsibilidade, mas de alto custo, são o que fazem as seguradoras buscarem proteção através de resseguros, uma forma de seguro contratado por elas mesmas. As resseguradoras, por sua vez, usam essas reservas financeiras para investir no mercado de capitais, e surpreendentemente, qualquer um pode entrar nesse círculo de investidores.
Desvendando os Cat Bonds
Desde a metade dos anos 90, surgiu uma estratégia que as seguradoras e resseguradoras adotaram para minimizar suas perdas: os títulos de catástrofe, ou cat bonds. Este conceito é bem simples: investidores adquirem esses títulos, muitas vezes com promessas de retorno atraente, e oferecem capital para as seguradoras. Cada emissão desses títulos se relaciona a um possível desastre catastrófico em uma determinada região — veja como um terremoto que atinge uma área específica ou incêndios florestais que devastam outro local.
Se a catástrofe previamente designada não ocorrer, os investidores ganham o valor que aplicaram mais os juros acordados. Contudo, se o desastre realmente acontecer, uma parte ou até a totalidade do investimento pode ser utilizada para cobrir os pagamentos das apólices ligadas àquela região. Embora ofereçam ganhos interessantes, esses títulos são considerados investimentos arriscados, frequentemente voltados para investidores institucionais ou com maior conhecimento no assunto.
José Maria Correia da Silva, coordenador de alocação e inteligência da Avenue, destaca que esses títulos, na prática, funcionam como resseguros, mas com a diferença de que ao invés de um intermediário, o investidor atua diretamente. No entanto, essa realidade está prestes a passar por mudanças significativas. Um fundo de índice inédito, o Brookmont Catastrophic Bond ETF, está prestes a estrear na bolsa de Nova York (NYSE), a maior do mundo. Este índice de gestão ativa acompanhará 75 dos aproximadamente 250 títulos desse tipo disponíveis atualmente.
A chegada do ETF representa uma nova era em um nicho que, apesar de pequeno, está se expandindo a passos largos. O mercado de cat bonds é avaliado em cerca de US$ 50 bilhões globalmente, com um crescimento anual próximo de US$ 10 bilhões, e a expectativa é que mais emissões surjam. Atualmente, cerca de 80% deste mercado está concentrado nos Estados Unidos, mas outras áreas, como Japão e certas partes da Europa, começam a se destacar nas emissões.
Crescimento das Catástrofes Climáticas
Os incêndios devastadores na Califórnia e os furacões que atingem a Flórida são apenas exemplos de um quadro mais amplo de desastres naturais. No Brasil, fortes chuvas, como as que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, também ilustram essa crescente preocupação. De acordo com Marcela Ungaretti, chefe de ESG do research da XP Investimentos, o crescimento do mercado de cat bonds está intimamente ligado à crescente preocupação com as mudanças climáticas e ao aumento da frequência dos desastres — que saltaram de cerca de 100 eventos por ano na década de 1970 para aproximadamente 400 eventos anuais nas últimas duas décadas.
A crise climática traz um impacto direto no setor de seguros e resseguros. De secas a inundações, passando por furacões e ondas de calor, as oportunidades para as seguradoras estão se multiplicando — mas os custos também. Luiza Aguiar, analista de ESG na XP, observa que muitas seguradoras têm evitado atuar em regiões de alto risco ou cobrado valores exorbitantes por proteção, abrindo espaço para que os cat bonds se tornem uma alternativa interessante para equilibrar esse risco.
“À medida que a realidade se torna mais alarmante, notamos um aumento na urgência tanto por parte das empresas quanto do mercado como um todo”, ressalta Ungaretti. “Os eventos recentes demonstraram claramente a magnitude dos impactos, não apenas no Brasil, mas também em outros países. Com o aumento das temperaturas e das emissões de gases de efeito estufa, esse cenário deve se agravar, elevando os riscos e, consequentemente, o interesse dos investidores por instrumentos financeiros desse tipo”.
De acordo com as analistas da XP, os cat bonds conectam o contexto macroeconômico a estratégias de investimento, sendo mais adequados a investidores com um perfil mais sofisticado.
ETF: Uma Oportunidade ou um Desafio?
Para José Maria Correia da Silva, o lançamento do ETF pode incrementar o interesse de investidores, proporcionando uma diversificação de risco para quem quer explorar esse segmento. Com a possibilidade de adquirir uma “cesta” de 75 títulos ao invés de focar em um único, o potencial de queda de risco aumenta.
No entanto, se o apetite dos investidores exceder a velocidade de crescimento das emissões, isso pode trazer complicações. “Suponha que o mercado decida comprar US$ 5 bilhões; isso representaria 10% do total atual. Essa demanda impulsionaria os preços para baixo. Isso pode gerar problemas de liquidez para o ETF, mas também poderia beneficar os cat bonds ao facilitar um acesso mais barato a essas estruturas, aumentando assim a liquidez do mercado”, explica o especialista.
Quanto às expectativas dos gestores do ETF, elas não são tão grandes, com uma meta de atrair cerca de US$ 15 milhões em suas primeiras semanas de operação.
Comparando com outros títulos de renda fixa, os cat bonds normalmente possuem uma classificação de crédito BB, o que representa um risco relativamente baixo. Contudo, Silva destaca que o principal risco associado a esse investimento não está na capacidade da emissora de pagar, mas sim na possibilidade de se perder todo o capital investido em caso de uma catástrofe.
“Esse investimento representa um perfil de risco que, embora possa oferecer altos retornos, também implica estar disposto a perder tudo em troca de uma taxa de juros elevada”, esclarece. Para aqueles que desejam incluir cat bonds em seus portfólios, a recomendação da Avenue é adotar uma abordagem de alocação semelhante à utilizada para ativos alternativos.