A transformação digital impulsionada pela tecnologia blockchain está nos levando a questionar as bases tradicionais do sistema financeiro. A possibilidade de tokenizar moedas e títulos públicos pode reconfigurar funções monetárias essenciais – meio de troca, unidade de conta e reserva de valor – e desafiar o papel dos bancos centrais no processo.
O Novo Cenário: A Tokenização como Alternativa ao BRL
1. O Exemplo Cripto: LIDO e stETH
No universo das criptomoedas, a LIDO Finance revolucionou o staking de Ethereum (ETH) ao criar um token derivado: o stETH. Este token pode ser usado livremente em aplicações DeFi como meio de troca e investimento, enquanto acumula juros atrelados ao staking de ETH.
O paralelo para o mercado tradicional seria:
- Um fundo lastreado em títulos públicos brasileiros (Tesouro Nacional);
- O fundo emitiria um token equivalente (TesBRL) como cota de participação, livre para circular e servir como moeda de troca no dia a dia.
Imagine pagar o café no supermercado ou comprar um imóvel usando TesBRL – um token lastreado em títulos públicos que rende juros automaticamente.
TesBRL: Um Novo Papel para o Tesouro Nacional?
Aqui surgem perguntas intrigantes:
- Quem emite moeda? Atualmente, é o Banco Central (BCB). Contudo, com TesBRL, a emissão se tornaria um passivo direto do Tesouro Nacional. Isso gera um conflito estrutural entre política fiscal (Tesouro) e monetária (BCB).
- A senhoriagem seria redistribuída? Hoje, o BCB ganha com a emissão de moeda. Um TesBRL amplamente aceito poderia transferir essa receita ao Tesouro.
- Como ficaria o sistema bancário? Se TesBRL incorpora juros e circula como moeda, os bancos perderiam sua função intermediária de captação e emissão de crédito.
A Disrupção no Sistema Financeiro Atual
- CBDCs vs. Tokenização de Títulos
- As CBDCs (moedas digitais emitidas por bancos centrais) representam a digitalização do dinheiro físico e não pagam juros em quase nenhum projeto atual. O receio é que CBDCs com juros criem uma fuga de recursos dos bancos para o BC, desestabilizando o crédito.
- A tokenização de títulos públicos, por outro lado, criaria uma moeda híbrida que paga juros e circula livremente no mercado.
- Eliminação do Papel dos Bancos?
Se a população puder transacionar diretamente com TesBRL e obter rendimentos, qual seria a função dos bancos?
- Gestão de contas? Poderia ser automatizada por contratos inteligentes.
- Empréstimos? Tokenização de recebíveis e soluções DeFi já demonstram que a intermediação bancária é dispensável.
Implicações Futuras: Quem Dorme com o Inimigo?
- O Tesouro Nacional poderia emergir como um concorrente direto dos Bancos Centrais no controle da moeda, com impactos significativos na política monetária.
- Desafios de governança: A separação entre política fiscal (Tesouro) e monetária (BC) se tornaria obsoleta, gerando dilemas sobre controle inflacionário e estabilidade financeira.
- O poder da tokenização: A facilidade tecnológica para representar ativos em blockchain abre espaço para uma “descentralização da moeda”, aumentando o risco de fragmentação e competição entre emissores públicos e privados.
O Futuro: Integração ou Ruptura?
O Drex, a plataforma de Real Digital do Banco Central do Brasil, é apenas a ponta do iceberg. No horizonte, a tokenização de ativos oferece uma revolução na forma como armazenamos, transacionamos e acumulamos valor.
Se o Tesouro adotar a tokenização de títulos públicos como moeda funcional, o mundo verá uma ruptura definitiva com o sistema financeiro atual. O BCB estaria, de fato, “dormindo com o inimigo” – um Tesouro capaz de emitir, remunerar e circular sua própria moeda.
Por ora, esse cenário ainda é teórico, mas a tecnologia está pronta. A questão agora é regulatória e política. Como o mercado reagirá a essa nova dinâmica? O monopólio dos Bancos Centrais sobre a moeda será desafiado?
Uma coisa é certa: o futuro do dinheiro será tokenizado. 🚀