Moeda Comum: Por Que a Realidade Econômica Torna Impraticável a Proposta Entre Brasil e Argentina
A ideia de adotar uma moeda comum entre os países da América do Sul, especialmente entre Brasil e Argentina, voltou a ganhar força em discursos recentes do governo. Contudo, apesar das intenções de fortalecer a integração regional, a proposta esbarra em divergências econômicas profundas que tornam a iniciativa impraticável no curto e médio prazo.
Este artigo explora os fatores que inviabilizam uma moeda comum, levando em conta o cenário econômico brasileiro e as condições dos demais países envolvidos.
União Europeia: Um Exemplo de Sucesso Após Décadas de Preparação
Antes de tudo, é importante lembrar que a adoção do Euro foi o último passo de um longo processo de integração na União Europeia. Esse processo exigiu:
- Convergência fiscal entre os países;
- Políticas monetárias unificadas;
- Sincronização dos ciclos econômicos;
- Mobilidade de mão de obra e integração comercial.
Além disso, os países precisaram passar por compromissos rigorosos em relação às suas políticas internas antes de adotarem a moeda única.
No caso do Brasil e Argentina, os números mostram que estamos muito distantes de alcançar esse nível de integração.
Disparidades Econômicas: Brasil x Argentina
Um dos maiores desafios para a adoção de uma moeda comum é a desigualdade econômica entre os países envolvidos. Vamos analisar dois indicadores principais:
- Inflação acumulada em 12 meses:
- Brasil: 3,94%
- Argentina: 109%
- Taxa de juros básica da economia:
- Brasil (Selic): 13,75% ao ano
- Argentina: 97% ao ano
Se a autoridade monetária responsável pela moeda comum precisasse ajustar a política econômica nesse cenário, o desequilíbrio seria inevitável. Enquanto o Brasil luta para controlar a inflação moderada, a Argentina enfrenta um cenário hiperinflacionário.
Coordenação Fiscal: Um Desafio Quase Inalcançável
Outro ponto crucial é a coordenação fiscal entre as economias. Isso envolve:
- Alinhamento das despesas governamentais;
- Harmonização das políticas tributárias;
- Definição de regras orçamentárias claras.
Aqui também vemos um abismo entre as duas economias:
- O Brasil trabalha em um novo arcabouço fiscal, com metas de estabilização da dívida/PIB e um déficit primário projetado em 1% do PIB para 2023.
- A Argentina, por outro lado, enfrenta um déficit fiscal de 3% do PIB (acima da meta de 1,9%) e uma dívida que ultrapassa os 91% do PIB.
Esse desalinhamento torna impossível a implementação de políticas fiscais coordenadas, essenciais para o sucesso de uma moeda comum.
Impactos na Política Comercial e Credibilidade Internacional
O Brasil possui uma balança comercial superavitária e deve encerrar 2023 com um saldo positivo de 60 bilhões de dólares. Em contraste, a Argentina, afetada por choques no setor agropecuário, terá um superávit de apenas 4,5 bilhões de dólares.
Adotar uma moeda comum com um parceiro em situação tão frágil teria consequências severas para a economia brasileira, como:
- Deterioração da performance econômica;
- Redução da credibilidade internacional;
- Impacto negativo nos investimentos estrangeiros.
Vale lembrar que a Argentina deu um calote internacional recente, o que poderia prejudicar ainda mais o acesso do Brasil a crédito e investimentos.
Conclusão: Um Ideal Desconectado da Realidade
A proposta de uma moeda comum entre Brasil, Argentina e demais países do Mercosul pode parecer atrativa em um discurso ideológico. No entanto, na prática, as disparidades econômicas, a falta de coordenação fiscal e as diferenças de credibilidade internacional tornam a iniciativa inviável.
Para o Brasil, adotar essa moeda significaria maior vulnerabilidade, com impactos negativos na redução da pobreza, na geração de emprego e na atração de investimentos estrangeiros.
A história da União Europeia nos ensina que o sucesso de uma moeda comum depende de décadas de preparação e de um alto nível de integração econômica — algo que os países da América do Sul ainda estão longe de alcançar.
Portanto, antes de avançar com ideias desconectadas da realidade, é fundamental priorizar políticas econômicas sólidas e estruturais para fortalecer cada economia individualmente.