Durante um recente debate com os economistas Marcos Mendes, Laura Carvalho e Monica de Bolle, Armínio Fraga compartilhou um momento marcante de suas conversas com a equipe econômica de Nelson Mandela na África do Sul. O país, assim como o Brasil, enfrenta um cenário de enorme desigualdade social. Fraga lembrou que, ao assumir o Banco Central, ficou impressionado com a visão pragmática da equipe de Mandela, que era filiada ao Congresso Nacional Africano e comprometida com o desenvolvimento econômico e a justiça social. Segundo ele, a mensagem que ouviu foi clara: “Chegamos aqui cheios de sonhos, mas rapidamente percebemos que o melhor que podíamos fazer pelos mais pobres era evitar que o país quebrasse”.
No contexto da pandemia, o Brasil enfrentou uma necessidade inevitável de políticas compensatórias para mitigar os impactos da crise econômica. Com isso, estima-se que o déficit nominal de 2020 tenha ultrapassado os 15% do PIB, um nível sem precedentes na história recente. A grande questão que se coloca é: o Brasil gasta pouco com políticas sociais ou gasta mal? Essa reflexão é essencial para compreendermos como a relação entre gastos públicos e dívida impacta a capacidade do país de implementar políticas sociais sustentáveis.
Comparação dos Gastos Sociais do Brasil com Outras Economias
De acordo com estudos realizados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) em 2018, e utilizando a metodologia da OCDE/ONU, o Brasil se destaca entre os países com altos gastos públicos. Com cerca de 33,7% do PIB direcionado para gastos governamentais, o Brasil está atrás apenas de países escandinavos, como Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia. No entanto, enquanto esses países possuem renda per capita de 4 a 5 vezes maior e uma carga tributária elevada, o Brasil enfrenta um nível de renda inferior, o que gera uma grande pressão sobre o orçamento público.
Em termos de gastos com proteção social, o Brasil direciona aproximadamente 13% do PIB para aposentadorias e pensões, bem acima da média de 7,6% das economias emergentes e de 8,2% dos países desenvolvidos. Comparando com os países nórdicos, que investem cerca de 12,8% do PIB nessa área, o Brasil demonstra um esforço semelhante, mas sem contar com uma alta proporção de idosos na população. Enquanto, no Brasil, a população acima de 65 anos representa cerca de 14%, na Finlândia, por exemplo, esse número chega a 36%.
Educação: Um Gasto Acima da Média, mas Mal Alocado
O Brasil também apresenta um gasto elevado em educação. Segundo o estudo “Education at a Glance” da OCDE, publicado em 2019, o país investe 4,2% do PIB nessa área, valor superior à média da OCDE, de 3,2%. Esse dado pode soar positivo, mas a realidade se revela mais complexa ao analisar como esses recursos são distribuídos.
Nos ciclos iniciais de aprendizado, o Brasil gasta aproximadamente US$ 3,8 mil por aluno, enquanto a média dos países da OCDE é de US$ 8,7 mil. Embora o país esteja à frente de nações latino-americanas como Argentina, México e Colômbia, o valor investido ainda não é suficiente para garantir uma educação de qualidade.
Por outro lado, o investimento em ensino superior é desproporcionalmente alto. O Brasil gasta cerca de US$ 11,7 mil por aluno, valor próximo ao de países como Portugal, Estônia e Espanha. Embora o investimento em ensino superior seja fundamental, a falta de equilíbrio entre os gastos nos diferentes níveis de educação evidencia uma prioridade alocada de forma inadequada, o que contribui para a baixa qualidade da educação básica e para os maus resultados nas avaliações internacionais, como o teste do PISA.
Saúde: Gastos Relativamente Baixos e Distribuição Inadequada
No setor de saúde, o Brasil se posiciona em 64º lugar entre 183 países no ranking de despesas públicas, com aproximadamente 3,8% do PIB destinado a essa área, segundo relatório de 2018 do Tesouro Nacional e do Banco Mundial. Esse valor é próximo à média da América Latina, mas bem inferior ao que investem os países desenvolvidos, que destinam cerca de 6,5% do PIB à saúde, sobretudo devido à proporção mais alta de idosos em suas populações.
Embora o gasto com saúde esteja próximo ao de outros países da região, o Brasil ainda enfrenta desafios na qualidade e na cobertura do sistema público, o que demanda uma melhor alocação e utilização dos recursos para que a população tenha acesso a serviços essenciais.
Reflexões sobre o Déficit e o Cenário Futuro das Políticas Sociais
A partir de 2021, o Brasil enfrentará um desafio significativo ao tentar equilibrar a necessidade de políticas sociais com a capacidade de financiamento do Estado. Com uma relação dívida/PIB que se aproxima dos 100%, o país se depara com a possibilidade de duas alternativas para manter os gastos sociais em um nível elevado: aumentar a carga tributária ou elevar as taxas de juros.
Atualmente, a carga tributária do Brasil está em torno de 33% do PIB, um valor que já é elevado quando comparado com a média mundial e muito próximo dos 34% dos países mais ricos da OCDE. Um novo aumento nos impostos poderia desencorajar investimentos e impactar o crescimento econômico de um país que já vem registrando crescimento baixo há anos.
O Impacto da Dívida Pública sobre os Juros e o Custo Social
O cenário de descontrole fiscal poderia levar a um aumento das taxas de juros, o que elevaria os custos da dívida pública. Com uma dívida pública próxima de 100% do PIB, uma alta de apenas 1 ponto percentual nas taxas de juros representaria um acréscimo de cerca de R$ 73 bilhões ao gasto anual com juros, um valor quase 2,5 vezes maior do que o orçamento anual do Bolsa Família.
Se a taxa de juros subisse 4 pontos percentuais, o impacto seria ainda mais alarmante, equivalente a aproximadamente 10 anos de gastos com o Bolsa Família. O exemplo da Argentina, que chegou a taxas de juros de 80% em 2019, ilustra como um descontrole fiscal pode afetar a economia de um país e ampliar os custos para a população.
É essencial que o Congresso e o Governo Federal tomem decisões responsáveis quanto à ampliação de programas sociais. É importante que a sociedade saiba com clareza como esses gastos serão financiados no futuro. Caso contrário, o Brasil corre o risco de ver esses programas se tornarem insustentáveis.
Avaliação de Programas Sociais Existentes
Antes de expandir os programas sociais, seria prudente avaliar aqueles já em execução. Há indícios claros de que o país gasta mal em várias áreas, como aposentadorias, pensões e educação. O Brasil gasta significativamente em políticas sociais, mas a ineficiência na alocação desses recursos compromete o alcance dos resultados desejados. A questão não é apenas a quantidade de recursos, mas também a qualidade do gasto.
Evitar que o Brasil enfrente uma crise fiscal e financeira deve ser uma prioridade. Em tempos de incerteza, o país precisa manter uma trajetória sustentável de dívida pública para garantir que os recursos estejam disponíveis para os mais vulneráveis no longo prazo. A estabilidade econômica, nesse contexto, pode ser a política social mais importante para os próximos anos, pois é ela que permitirá que o Brasil continue investindo em programas sociais, educação e saúde de forma sustentável.