Caros leitores, digníssimas leitoras,
O setor automotivo brasileiro vive mais uma crise e, no dia 25, o governo federal promete anunciar um pacote de medidas para impulsionar o segmento. O principal ponto em discussão é o retorno do “carro popular”, uma tentativa nostálgica de reviver soluções do passado, como o famoso Fusca Itamar, relançado nos anos 90, ou a popularização dos motores 1.0.
Naquela época, a fórmula consistia em “depenar” os veículos ao extremo para reduzir custos. Componentes básicos, como o retrovisor direito, eram removidos e vendidos como opcionais. Entretanto, em 2023, essa ideia soa impraticável por vários motivos.
Por que o carro popular não resolve mais?
- Veículos já são essencialmente básicos:
Hoje, é impossível reduzir ainda mais os recursos dos carros, que já oferecem o mínimo em termos de funcionalidades. Equipamentos de segurança, eficiência energética e conectividade não são opcionais: são exigências regulatórias e dos consumidores modernos. - Impacto limitado de incentivos fiscais:
A redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) já foi tentada antes e tem um impacto mínimo. A alíquota atual para carros 1.0 é de apenas 5% no nível federal. Já o ICMS estadual (12%) representa a maior parcela do custo tributário. Considerando a situação fiscal delicada dos estados, é difícil acreditar que eles abrirão mão dessa receita. - Benefício para poucas marcas:
Nem todas as montadoras possuem veículos que se enquadram nessa “realidade fantasiosa”. O pacote beneficiará apenas um segmento restrito, sem resolver os problemas estruturais do mercado.
O real problema do mercado automotivo: crédito e renda
O principal gargalo do setor automotivo brasileiro não é a falta de incentivos fiscais, mas a escassez de crédito. Atualmente:
- Menos de 40% dos carros novos vendidos são financiados;
- Mais de 60% das compras são realizadas à vista.
Esse cenário é reflexo direto do aumento exorbitante das taxas de juros, que atingiram os maiores níveis desde 2016. O custo do financiamento tornou-se proibitivo para boa parte dos consumidores.
O dilema da economia: juros altos ou inadimplência?
Vivemos um eterno dilema econômico:
- A inadimplência é alta devido aos juros elevados?
- Ou os juros estão altos justamente por conta do risco de inadimplência?
Independentemente da resposta, o fato é que crédito é a força motriz do setor automotivo – e ele desapareceu. Sem políticas claras para reativar o financiamento, reduzir impostos ou lançar um “carro popular” não surtirá efeito prático.
A verdade incômoda: o brasileiro está mais pobre
O problema é estrutural. A renda do brasileiro tem encolhido ano após ano, e o carro, que já foi símbolo de ascensão social, tornou-se um sonho distante para grande parte da população.
Uma solução paliativa para um problema complexo
Para ilustrar o dilema, imagine uma pessoa com garganta inflamada:
- O tratamento eficaz seria uma injeção de benzetacil – doloroso, mas definitivo;
- O governo, entretanto, escolhe o equivalente a um tratamento homeopático com florais de Bach: agradável na aparência, mas ineficaz para curar o problema real.
O que o mercado automotivo brasileiro realmente precisa é de soluções estruturais, focadas em renda, emprego e crédito. Sem essas mudanças, qualquer medida será apenas um paliativo temporário para uma crise profunda.