A Estranha Paz do Século XXI: Reflexões sobre o Conflito e a Cooperação Global
Nos últimos oitenta anos, o mundo viveu a mais longa pausa de guerras entre grandes potências desde a era do Império Romano. Este momento atípico de paz prolongada surgiu na esteira de dois conflitos globais devastadores que redefiniram a história da humanidade: as duas guerras mundiais. Se a violência tivesse continuado da mesma forma que nas milênios anteriores, a vida de praticamente todos nós seria radicalmente distinta.
A ausência de guerras entre potências desde 1945 não foi mera coincidência. O resultado de experiências traumáticas e a determinação de líderes visionários para moldar um novo sistema internacional foram fatores cruciais. Os líderes americanos, armados pela confiança adquirida com a vitória nas guerras, ousaram o inimaginável: criaram uma ordem mundial voltada para a paz. Para preservar essa paz edificada em esforços tão grandiosos, é essencial que tanto cidadãos quanto líderes dos EUA reconheçam a importância e a fragilidade dessa conquista, além de promover um debate aprofundado sobre o que é necessário para mantê-la nas próximas gerações.
O Milagre da Paz Duradoura
Três números significativos ilustram as realizações do ordenamento de segurança internacional: 80, 80 e 9.
- 80 anos sem guerras quentes entre grandes potências possibilitaram que a população global triplicasse, a expectativa de vida dobrasse e o PIB mundial crescesse 15 vezes.
- Nesse mesmo período, 80 anos se passaram desde o último uso de armas nucleares em combate. O mundo enfrentou momentos de tensão extrema, como a Crise dos Mísseis de Cuba, em que a possibilidade de uma guerra nuclear era real.
- Por fim, apenas 9 países possuem arsenais nucleares, um número surpreendentemente baixo considerando a proliferação esperada após a Segunda Guerra Mundial.
Esses números nos mostram o quão perto estivemos de uma nova catástrofe. A estabilidade após 1945, longe de ser algo garantido, é um feito delicado, rodeado por vários riscos potenciais.
O Desafio da Não Proliferação Nuclear
Nos anos 50 e 60, líderes mundiais acreditavam que a proliferacão de armas nucleares era inevitável, prevendo que cerca de 25 a 30 estados estariam armados até os anos 70. Contrariando essas previsões, hoje, a maioria dos países optou pela estabilidade, assinando o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), que conta com 185 signatários. No entanto, mais de 100 nações já possuem a capacidade técnica para desenvolver armas nucleares.
Um estudo recente revelou que três quartos dos sul-coreanos apoiariam a construção de um arsenal nuclear próprio em resposta às ameaças da Coreia do Norte. Se um ataque nuclear da Rússia se concretizasse, é provável que outros países seguissem o exemplo. Essa realidade nos alerta sobre a fragilidade do tabu nuclear, que essencialmente atua como uma norma de não utilização dessas armas.
Reflexões sobre a Paz: Da Guerra Fria ao Mundo Multipolar
Em 1987, o historiador John Lewis Gaddis publicou um ensaio marcante, “A Longa Paz”, onde argumentou que a estabilidade global da época era um reflexo das circunstâncias estruturais da Guerra Fria. Naquele período, os Estados Unidos e a União Soviética se equiparam militarmente, criando uma situação de destruição mútua assegurada — a famosa “MAD”.
Isso gerou um paradoxo peculiar. Embora ambos os lados se odiassem ideologicamente, o desejo de evitar a destruição total prevaleceu. Assim, os EUA implementaram iniciativas como o Plano Marshall e estabeleceram alianças que criaram um sistema de segurança internacional sem precedentes.
Após a queda da União Soviética, muitos celebraram um novo ordenamento unipolar dominado pelos EUA. Contudo, a crença em um “dividendo da paz” rapidamente se esvaiu. As guerras no Afeganistão e no Iraque revelaram a natureza complexa de um mundo que nunca se livrou completamente dos conflitos.
Riscos que Perpetuam o Conflito
Levando em consideração o período de paz que vivemos, é crucial examinar quais fatores podem fazer essa era chegar ao fim. Aqui estão cinco perigos que podem pôr em risco os últimos oitenta anos:
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Amnésia Histórica: Um número crescente de indivíduos não tem memória dos horrores causados por grandes guerras. Essa falta de lembrança torna difícil reconhecer que a paz atual, apreciada por muitos, é uma exceção histórica.
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Rivais em Ascensão: O crescimento espetacular da China representa um desafio à preponderância dos EUA. A rivalidade entre potências estabelecidas e emergentes tem sido um precursor de conflitos ao longo da história. Já a Rússia, sob a liderança de Putin, demonstra cada vez mais um desejo de restabelecer antiga grandeza.
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Desigualdade Econômica: Assim como os EUA se tornaram a força econômica dominante após a Segunda Guerra, outros países têm recuperado suas economias, resultando em um mundo cada vez mais multipolar. Essa transição pode fomentar rivalidades, quando estados buscam reafirmar sua influência sem considerar limites.
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Extensão Militar: Militarmente, os EUA se encontram sobrecarregados por conflitos prolongados, como os do Oriente Médio. Isso diminui sua capacidade de resposta a novos desafios e enfraquece a dissuasão contra adversários.
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Divisões Internas: As profundas divisões políticas nos EUA comprometem a coesão necessária para uma atuação estratégica eficaz no cenário global. As oscilações nas políticas de relações internacionais geram incertezas, permitindo que outras potências aproveitem-se do caos.
A Nova Realidade Geopolítica
À medida que avançamos, a pergunta que permanece é: os EUA poderão reconhecer esses riscos e reunir a pluralidade necessária para navegar esses tempos turbulentos? A história mostra que muitos ciclos geopolíticos não duram para sempre. O pensamento estratégico que possibilitou a paz do período pós-Guerra Fria pode ser necessário novamente.
A visão inovadora e a determinação nacional que construíram a arquitetura da paz devem emergir com ainda mais força e inspiração. Para alcançar isso, o diálogo aberto entre as nações, a construção de parcerias robustas e uma visão compartilhada do futuro podem ser o caminho.
A era que vivemos é ímpar — marcada pela paz entre grandes potências e pela esperança de um futuro mais seguro. É um lembrete de que, embora a história possa nos ensinar, frequentemente esquecemos lições essenciais. A jornada pela manutenção da paz é contínua e exige nosso compromisso e engajamento. Que possamos, assim, não apenas observar, mas participar ativamente da construção de um mundo mais pacífico e unido.
Você está pronto para ser parte desta história?
