A Queda do Regime Assad: Um Novo Capítulo na História da Síria
Por mais de cinquenta anos, a dinastia Assad teve uma presença firme e quase inabalável na Síria. Com um aparato de segurança robusto, a força militar brutal e o apoio de aliados poderosos como Rússia, Irã e Hezbollah, o governo resistiu a várias revoltas e a uma guerra civil que deixou centenas de milhares mortos. Desde 2011, o presidente Bashar al-Assad enfrentou sanções internacionais e um isolamento crescente nas esferas diplomáticas. Contudo, nos últimos anos, parecia que Assad estava recuperando parte do seu prestígio, com a reintegração da Síria à Liga Árabe e conversas sobre alívio de sanções à vista.
Mas o que parecia ser uma fortaleza política desmoronou de forma surpreendente. Em uma reviravolta dramática, o grupo rebelde islamista Hayat Tahrir al-Sham (HTS) tomou o controle de cidades estratégicas, inclusive a capital, Damasco, em questão de dias, sem oferecer resistência substancial. O próprio Assad procurou abrigo em Moscovo, enquanto seu ex-primeiro-ministro era levado ao Four Seasons em Damasco para formalizar a entrega do poder. Este processo, com pouco derramamento de sangue, contrastou com os anos de violenta repressão onde grandes porções da população estavam sujeitas a bombardeios e cerco.
A Queda de um Imperador
Diversos fatores contribuíram para a rápida desintegração do regime Assad. Os seguintes eventos foram cruciais:
- Desestabilização de Hezbollah: O ataque decisivo de Israel aos altos escalões do Hezbollah, destruição de seu arsenal de mísseis e a deterioração do apoio iraniano foram significativos.
- Falência das Negociações com a Turquia: O colapso das conversas entre Ancara e Damasco sobre reformas e o retorno seguro de refugiados estabeleceram um novo cenário.
- Desmotivação das Forças Armadas: O exército sírio, subremunerado e desmoralizado, não conseguiu reagir eficazmente.
- Conflito ucraniano: A distração russa com a guerra na Ucrânia esvaziou as prioridades relacionadas à Síria.
A ofensiva do HTS, que obteve sinal verde da Turquia, culminou em uma conquista impressionante. Em 30 de novembro, o HTS tomou a cidade de Aleppo rapidamente e avançou para Damasco, acendendo revoltas espontâneas em outras regiões, como Sweida e Daraa.
Eventos Chave da Revolução
Os momentos cruciais da ofensiva HTS incluem:
- Captura de Hama e Homs: Em poucos dias, o HTS tomou cidades que estavam sob domínio do regime, desmantelando sua capacidade de defesa.
- Movimentos Populares: A ascensão de movimentos de resistência em cidades como Daraa, onde os cidadãos expulsaram as forças de Assad.
Esse rápido avanço trouxe um saldo tranquilo, muito diferente do que foi visto durante os anos de guerra civil, onde a destruição e a morte eram a norma.
Um Novo Equilíbrio de Poder
A queda do regime Assad não apenas transformou a Síria, mas também alterou o equilíbrio de poder em todo o Oriente Médio. Enquanto os principais líderes políticos e militares mundialmente estavam atônitos com a velocidade das mudanças, as reações começaram a se desenrolar. Recentemente, o governo Biden estava colaborando com os Emirados Árabes para aliviar as sanções em troca de um distanciamento de Assad em relação ao Irã e Hezbollah.
Contudo, a revelação mais alarmante foi a interconexão das diversas crises na região. O ressurgimento do conflito israelense-palestino, junto ao ressurgimento de tensões na Síria, trouxe à tona a fragilidade de uma ordem já instável. A queda do regime Assad representa um terremoto político, mostrando que ignorar as realidades geopolíticas da região pode ter consequências drásticas.
A Guerra que o Ocidente Esqueceu
A história do HTS remete aos conflitos da Primavera Árabe de 2011. Inicialmente, eram protestos pacíficos que foram brutalmente reprimidos, levando à militarização do movimento. A situação rapidamente se transformou em um campo de batalha internacional, com diversas potências, como Irã, Turquia e EUA, apoiando grupos armados.
As consequências desse conflito foram devastadoras. Estima-se que, com a ajuda de seus aliados, o regime Assad causou a morte de pelo menos 500 mil cidadãos, além de milhões de deslocados. A guerra na Síria não apenas impactou a vida dos sírios, mas também teve ramificações globais, como o aumento do extremismo e o fluxo de refugiados para a Europa, que moldou políticas em diversos países.
A Intervenção Estrangeira
- Rússia e Irã: Ambos os países decidiram apoiar Assad vigorosamente, mas a mudança de tendências recentes mostrou que a lealdade dos aliados pode ser efêmera.
- Relação com a China: O alinhamento de Beijing com Moscovo começou durante a guerra, destacando as novas dinâmicas globais que se formaram.
O Futuro da Síria
A incierta trajetória futura da Síria ressalta a necessidade de ação imediata e eficaz na restauração da ordem. O HTS, classificado como um grupo terrorista pelos EUA, enfrenta o desafio de governar um país devastado por anos de guerra. A liderança de Abu Mohammed al-Jolani é vista como uma tentativa de estabelecer um governo inclusivo na região de Idlib, mas a questão permanece se isso se transformará em um exemplo de governança positiva.
Inúmeras perguntas ainda flutuam no ar sobre como será o futuro do país. A reconciliação entre as diversas facções, os conflitos em potencial entre grupos com diferentes agendas e o papel das potências estrangeiras são questões que exigem um exame cuidadoso.
Ambientes de Incerteza
- Conflito Turco-Kurdo: Grupos armados turcos enfrentam as forças lideradas por curdos.
- Presença do Estado Islâmico: Militares prisioneiros sob controle das Forças Democráticas da Síria (SDF) podem se tornar uma ameaça se não forem adequadamente mantidos.
Reflexão Final
A Síria está no limiar de um estado falido, e é essencial que a comunidade internacional reconheça essa realidade. Um apoio coordenado para a construção de uma nova governança e para a recuperação do país é vital para evitar mais uma crise humanitária.
À medida que as esperanças se reacendem com a queda do regime Assad, a população síria anseia por um futuro melhor. O que se segue dependerá das escolhas feitas hoje pelas potências regionais e internacionais que há tanto tempo ignoram as realidades da Síria. O momento exige uma ação decidida e uma abordagem humanitária para garantir que o sofrimento dos sírios não seja em vão. Que possamos ser todos parte da solução e trabalhar para um futuro de paz e prosperidade.