quarta-feira, maio 14, 2025

Responsabilidade Fiscal e Ajuda Social: Como Equilibrar a Economia Sem Prejudicar os Mais Pobres

A pandemia de Covid-19 causou um choque econômico global de proporções inéditas, afetando simultaneamente oferta e demanda e provocando uma crise humanitária significativa. Para conter esses impactos, os governos ao redor do mundo investiram em programas de auxílio para preservar a renda e o emprego, como o auxílio emergencial. No Brasil, esses programas representam quase 10% do PIB em 2020, um dos maiores gastos entre os países emergentes, comparável aos níveis de economias desenvolvidas como Estados Unidos, Canadá e Alemanha.

Com um déficit fiscal crescente e a dívida pública se aproximando de 100% do PIB, muitos questionam se o Brasil deve manter o teto de gastos e o ajuste fiscal ou permitir a continuidade dos programas de transferência de renda. Acredita-se que ajudar os mais necessitados e manter a responsabilidade fiscal são objetivos opostos, mas essa visão pode ser simplista. Feitas as escolhas certas, esses objetivos podem ser complementares, e a falta de controle fiscal acaba prejudicando muito mais os pobres do que os ricos.

O Teto de Gastos e a Flexibilidade em Tempos de Crise

A Emenda Constitucional 95, também conhecida como o teto de gastos, foi criada para impor previsibilidade ao crescimento das despesas públicas ao longo de 20 anos. Essa medida buscou promover o ajuste fiscal gradual, com o objetivo de reduzir as taxas de juros reais e evitar um aumento na carga tributária. Com a chegada da pandemia, muitos questionaram se o teto de gastos impediria a criação de medidas emergenciais.

Contudo, o teto de gastos inclui uma flexibilização para casos de calamidade pública ou pandemias, permitindo despesas extraordinárias para lidar com situações atípicas. Dessa forma, o governo pôde implementar o auxílio emergencial, que chegou a transferir R$ 50 bilhões por mês no auge do programa, 20 vezes o valor médio mensal do Bolsa Família. Esses gastos, embora elevados, foram feitos dentro da legalidade e sem comprometer a responsabilidade fiscal a longo prazo, pois o teto visa a despesas recorrentes, não emergenciais.

Em um contexto em que o déficit nominal consolidado deve fechar em 16% do PIB e a relação dívida/PIB se aproxima de 100%, é crucial manter o teto de gastos para garantir recursos permanentes para educação, saúde, segurança e programas de transferência de renda. O aumento temporário do déficit durante a pandemia foi necessário, mas uma política de expansão fiscal sem controle tornaria insustentável a retomada econômica e o financiamento de serviços públicos essenciais.

Expansão do Bolsa Família e Implementação do Renda Cidadã: Uma Questão de Priorização

O Bolsa Família, com reconhecimento internacional pela eficiência, beneficia cerca de 13 milhões de famílias no Brasil. Em 2021, a proposta orçamentária prevê o aumento no número de beneficiários para 15 milhões de famílias, o que elevará o gasto de R$ 29 bilhões para R$ 34 bilhões anuais. Há também discussões sobre a criação do Renda Cidadã, que visa expandir a rede de proteção social com um benefício médio de R$ 300, demandando um adicional de R$ 15 bilhões.

Para viabilizar essa expansão sem comprometer o teto de gastos, diversas estratégias estão sendo discutidas. Uma delas é a racionalização de outros programas sociais de menor eficiência, redirecionando os recursos para o Bolsa Família ou o Renda Cidadã. Outra proposta, apresentada no estudo Programa de Responsabilidade Social: Diagnóstico e Propostas, sugere ajustes para ampliar a rede de proteção social sem romper com o teto.

Além dessas alternativas, a aplicação efetiva do teto remuneratório no setor público também pode liberar recursos consideráveis. Atualmente, muitos funcionários do Judiciário e do Ministério Público recebem acima do teto constitucional de R$ 39.300. Aplicar essa regra de forma rigorosa, como sugerem estudos do CNJ, TCU e Ministério da Economia, poderia gerar economias de até R$ 15 bilhões, que poderiam ser redirecionadas para programas sociais.

Redução de Incentivos Fiscais: Uma Solução de Longo Prazo

Outro ponto crucial para a responsabilidade fiscal é a revisão dos incentivos fiscais. Em 2019, o governo federal abriu mão de mais de R$ 330 bilhões em arrecadação por meio de renúncias fiscais, enquanto os estados deixaram de arrecadar R$ 91,7 bilhões. Esses incentivos, concedidos muitas vezes a setores específicos como fábricas de refrigerantes na Zona Franca de Manaus, têm baixa eficiência econômica e beneficiam setores já estabelecidos.

Rever esses incentivos fiscais, mantendo apenas aqueles com impacto econômico comprovado, não resolve o problema do teto de gastos, mas melhora a performance fiscal a longo prazo. Com uma gestão mais eficiente, esses recursos poderiam financiar programas que beneficiem diretamente a população de baixa renda, reduzindo a necessidade de novos impostos e promovendo maior justiça social.

O Impacto do Desajuste Fiscal na População de Baixa Renda

A manutenção do equilíbrio fiscal é fundamental para proteger a população de baixa renda dos efeitos adversos do desajuste. Caso a situação fiscal se deteriore, o governo precisará aumentar os juros para atrair investidores, e cada ponto percentual de aumento na taxa de juros significaria um custo adicional de cerca de R$ 70 bilhões. Esse montante é equivalente a duas vezes o orçamento anual do Bolsa Família, o que limita o espaço para políticas sociais.

Além disso, uma crise fiscal pressiona a inflação e desvaloriza o real, aumentando o custo de vida. Os mais afetados por esses efeitos são justamente os que dependem dos serviços públicos e de uma economia estável para sua subsistência. A classe de renda mais alta, por sua vez, pode se beneficiar com juros elevados em investimentos atrelados ao CDI.

A piora na situação fiscal ainda ameaça a geração de empregos, prejudicando principalmente trabalhadores de baixa qualificação e reduzindo as oportunidades de quem mais precisa. Em um cenário de descontrole fiscal, a capacidade de recuperação econômica fica comprometida, reduzindo as chances de uma recuperação robusta para a população de baixa renda.

Responsabilidade Fiscal e Sensibilidade Social: Um Caminho Necessário

A responsabilidade fiscal e a sensibilidade social não são objetivos excludentes. Com escolhas conscientes, é possível criar uma política fiscal que priorize os mais vulneráveis, mantendo ao mesmo tempo o equilíbrio financeiro. A situação atual exige coragem para enfrentar grupos de interesse que buscam preservar privilégios e desviar recursos que poderiam melhorar a vida dos que mais precisam.

É essencial que o governo mantenha o teto de gastos e promova reformas estruturais que eliminem privilégios, ampliem a eficiência dos programas sociais e garantam uma rede de proteção social sustentável. O desajuste fiscal prejudica os mais pobres, e a responsabilidade fiscal é a melhor forma de proteger a população vulnerável dos riscos econômicos.

Com o uso racional dos recursos e a eliminação de privilégios, o Brasil pode expandir o Bolsa Família, implementar o Renda Cidadã e fortalecer os programas sociais sem comprometer o orçamento público.

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