A Nova Fase Econômica da China: Entre Estímulos e Desafios
Em setembro, após meses de frustração ao não alcançar as metas de crescimento pós-pandemia, o governo chinês decidiu introduzir um abrangente conjunto de medidas de estímulo econômico. Esse movimento incluiu ações como suporte ao mercado de ações, flexibilização da política monetária, recapitalização de grandes bancos estatais e um estímulo fiscal limitado. Embora os detalhes específicos do pacote fiscal sejam esperados após as eleições nos EUA, o Vice-Ministro das Finanças, Liao Min, já indicou que será de "grande escala". Com isso, Pequim finalmente reconheceu um fato que tanto os cidadãos chineses quanto o resto do mundo já percebiam: a economia do país enfrenta sérios problemas.
O "Sonho Chinês" em Risco
O tão almejado "Sonho Chinês" do presidente Xi Jinping, que envolve a meta de dobrar o tamanho da economia até 2035 e garantir prosperidade para todos, está ameaçado. A grande pergunta agora é: as medidas de estímulo realmente funcionarão? Neste contexto, uma das principais questões a serem enfrentadas é a fraca demanda interna, que é impulsionada pela falta de confiança do consumidor.
Os Dilemas da Confiança do Consumidor
Quando os consumidores chineses hesitam em gastar, eles tendem a acumular dinheiro, o que gera um excesso de poupança. Isso, combinado com o investimento excessivo do governo em setores politicamente favoráveis, agrava um problema estrutural crônico da economia chinesa: a supercapacidade industrial. Para combater essa dinâmica, o governo chinês está tentando aumentar o consumo. No entanto, ao não oferecer assistência direta às famílias, continua a seguir uma abordagem tradicional baseada em investimentos estatais.
A crise de confiança que muitos cidadãos enfrentam hoje é um reflexo das suas preocupações sobre a economia. Em 2017, quando Xi Jinping iniciou seu segundo mandato, as famílias urbanas desfrutaram dos frutos de décadas de crescimento robusto. Contudo, a realidade que encaramos hoje é bem diferente. Até 2024, a renda disponível média aumentou apenas 50%, comparado à duplicação a cada oito anos até 2017. Esse cenário gera uma expectativa de crescimento muito mais moderada e leva a um ciclo vicioso de baixa demanda e baixa confiança.
Desvendando as Medidas de Estímulo
Recentemente, as medidas de estímulo de Pequim parecem ter o objetivo primordial de restaurar a confiança entre os grandes empresários do país. O Banco Popular da China (PBOC) adotou uma estratégia semelhante à flexibilização quantitativa utilizada pelo Federal Reserve dos EUA, focando em aumentar os preços dos ativos financeiros na esperança de gerar um efeito riqueza que beneficie a economia como um todo. Essa estratégia se desdobra em duas frentes principais:
Programa Governamental de Compra de Ativos: Um investimento de 70 bilhões de dólares permitirá que investidores institucionais, principalmente os bancos e seguradoras estatais, adquiram ativos financeiros de maior risco e troquem por títulos governamentais de alta qualidade.
- Programa de Refinanciamento: Com um aporte de 42 bilhões de dólares, essa iniciativa visa oferecer empréstimos a empresas de capital aberto, permitindo que utilizem esses recursos para recomprar suas ações no mercado. A expectativa dos oficiais é que isso impulsione uma alta contínua nas ações, que já aumentaram cerca de 25% desde meados de setembro.
O Papel da Habitação e das Finanças Domésticas
Embora essas medidas pareçam promissoras, a verdade é que elas pouco fazem para estimular a demanda do consumidor. Até mesmo as novas normativas que permitem a um número significativo de famílias refinanciar suas hipotecas resultam em um alívio modesto nas despesas. Além disso, os governos locais têm reduzido o valor de entrada exigido para a compra de imóveis, buscando equilibrar o setor imobiliário e estabilizar os preços.
É fundamental ressaltar que o setor habitacional representa cerca de 70% dos ativos das famílias chinesas e que os financiamentos são responsáveis por cerca de 75% da dívida das famílias. Estabilizar os preços das casas é um passo crítico para restaurar a confiança do consumidor no futuro financeiro.
O Dilema das Transferências Diretas
Os principais formuladores de políticas da China têm mostrado resistência em discutir transferências diretas de dinheiro aos cidadãos. Essa hesitação pode ser atribuída à falta de experiência do governo em aplicar essa política e ao temor de representantes econômicos de que uma mudança significativa nas diretrizes aconteça sem um direcionamento explícito de Xi. Contudo, a infraestrutura financeira da China está preparada para facilitar essa ação, com a maioria dos salários e benefícios sociais já vinculados a contas em bancos estatais.
Xi Jinping, embora aberto a reverter políticas, como foi o caso da abrupta mudança na estratégia de “zero COVID”, é resguardado em relação a doações em dinheiro. Para ele, pagar em dinheiro poderia perpetuar uma cultura de dependência do Estado. Sua visão busca a transformação da China em uma superpotência autossuficiente, priorizando o desenvolvimento econômico em detrimento de iniciativas que poderiam empoderar os consumidores.
Um Olhar para o Futuro
As recentes medidas de estímulo podem até alcançar objetivos imediatos, como revitalizar o mercado de ações, estabilizar o setor imobiliário e promover um aumento temporário na confiança do consumidor. Entretanto, há uma clara falta de soluções para os problemas estruturais mais profundos que afligem a economia chinesa.
É evidente que, sem um crescimento salarial mais significativo, as famílias continuarão a economizar em altas taxas. Mesmo que as ações do governo sejam inicialmente eficazes, a combinação do envelhecimento da população e das crescentes tensões geopolíticas pode perpetuar a incerteza econômica a longo prazo.
Nos últimos 40 anos, a China vivenciou um ciclo de crescimento econômico sem precedentes. Para muitos cidadãos, a transição de uma era de prosperidade parece ter estagnado, levando a uma crescente preocupação sobre o futuro. Para os jovens, as expectativas de carreira e ascensão social estão se tornando reposicionados em um cenário de desemprego que ultrapassa 17%.
Reflexões Finais
O próximo governo dos EUA encontrará uma China enfrentando um crescimento econômico lento e uma classe média nervosa. Essa complexidade requer uma estratégia que avalie realisticamente as capacidades e limitações de Xi, ao mesmo tempo em que evita se prender a uma narrativa ameaçadora.
Conforme observamos as consequências do pacote de estímulos e a provável incapacidade de Pequim de resolver problemas econômicos fundamentais, o Ocidente deve estar atento a oportunidades de redefinir as relações EUA-China, além de concentrar-se apenas em percepções de ameaça. A economia chinesa é uma história em evolução, e o futuro é uma caixa de surpresas.
Com a instabilidade atual, um questionamento permanece no ar: até onde o governo chinês irá para garantir a prosperidade de sua população, enquanto tenta se afirmar como uma potência global? Essa é uma jornada que nos afeta a todos. Que possamos acompanhar os próximos capítulos desta intrigante narrativa.