Quando se fala em Grupo Objetivo e Natura, a primeira ideia que vem à mente é a diferença nos setores em que atuam: educação e beleza, respectivamente. Porém, essa distinção vai além do óbvio. Ambas são corporações brasileiras com valor de mercado significativo, mas o que realmente as diferencia é o modo como realizaram a sucessão de suas propriedades.
No início deste mês, Guilherme Leal, cofundador da Natura, seguiu os passos do seu sócio Luiz Seabra, formalizando a transferência de 3% do capital da empresa para seus filhos. Com isso, ele diminuiu sua participação de 7,16% para 4,16%. A ação de Seabra, de 81 anos, é emblemática: ele havia reduzido sua participação de 14,36% para 4,79%, fazendo doações para a esposa e filhos. Essas manobras não apenas possibilitaram uma sucessão mais tranquila, mas também garantiram a continuidade dos negócios da Natura, que está avaliada em mais de US$ 1,7 bilhão. Esse modelo de planejamento é o que os especialistas em sucessão sempre recomendam.
Por outro lado, temos o caso de João Carlos Di Genio, que deixou um legado bem diferente para sua família após sua morte há três anos. O empreendedor foi responsável pela criação das escolas Objetivo e da universidade Unip, acumulando um patrimônio estimado em mais de R$ 30 bilhões, que inclui fazendas, emissoras de rádio e uma grande quantidade de imóveis. Infelizmente, ele não deixou um plano sucessório em funcionamento, transformando seu inventário em um dos maiores processos legais em andamento no Brasil. A disputa inclui até mesmo um suposto herdeiro, Bruno Augusto de Mello Pará, que alega ser filho biológico do empresário.
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Di Genio era casado com Sandra Miessa Di Genio, com quem teve três filhos, enquanto Bruno é filho de Patrícia Mello, uma antiga funcionária do Colégio Objetivo. Um primeiro exame de DNA não confirmou a relação de paternidade, mas há rumores sobre o envio de dinheiro e presentes a Bruno, além da organização de viagens, o que complicou ainda mais a situação. A viúva, atualmente, tem conseguido mantê-lo afastado do inventário.
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Bruno chegou a negociar parte de sua suposta herança em redutos jurídicos oficiais, repassando 15% de seus direitos para fundos, segundo uma matéria do jornal Valor Econômico. O emaranhado judicial que se seguiu envolveu até disputas societárias, com antigos sócios questionando as mudanças feitas por Sandra, que assumiu a reitoria da Unip, mesmo sem uma formalização clara como herdeira, já que manteve apenas uma união estável com Di Genio nos últimos anos de vida.
Um testamento poderia ter feito a diferença
Todo esse caos poderia ter sido evitado com a simples elaboração de um testamento, segundo a advogada Renata Bilhim, especializada em planejamento tributário e sucessões. Ela expressa seu espanto: “Como alguém com uma fortuna desse porte pode não ter planejado sua sucessão?”. O planejamento sucessório envolve desde a divisão de bens em vida, como visto no exemplo da Natura, até a disposição dos 50% que não são garantidos aos herdeiros necessários.
É fundamental lembrar que apenas 12% das empresas familiares que atingem a terceira geração têm um membro da família à frente, o que revela uma grande incerteza sobre o futuro dos negócios. A falta de um plano pode complicar e prolongar a resolução após a morte do fundador, especialmente em casos em que o patrimônio é substancial.
Organizando a sucessão de forma eficiente
Eduardo Diamantino, advogado renomado em sucessão, recomenda começar com um levantamento detalhado de todos os bens. Após essa “fotografia” do patrimônio, é necessário avaliar as implicações tributárias e decidir se a criação de uma holding ou a doação em vida é a melhor opção. “É fundamental entender que ter um planejamento sucessório é uma forma de proteger o patrimônio construído ao longo dos anos”, frisa ele.
- Realização de um inventário completo de bens.
- Avaliação tributária para definir a melhor estratégia sucessória.
A próxima etapa é identificar quais herdeiros têm ou não a aptidão para gerir os negócios, e começar a preparar aqueles que estarão à frente no futuro. Aqui, o testamento se torna um instrumento crucial, permitindo que a pessoa defina a destinação de seu patrimônio, respeitando a parte legítima e, inclusive, destinando bens a terceiros e organizações de acordo com sua vontade.
Segundo a advogada Tatiana Arantes, da área de Família e Sucessões do PLKC Advogados, “o planejamento sucessório é indispensável para todos — desde aqueles com milhões até quem possui bens modestos — garantindo uma transição suave, evitando disputas judiciais e minimizando a carga tributária.”
Uma nova tendência no mercado
Uma nova dinâmica que vem chamando a atenção é a entrada de investidores que compram direitos de herança, um fenômeno inexplorado no Brasil até recentemente. De acordo com informações ainda não divulgadas oficialmente, Bruno teria repassado parte de sua suposta herança para fundos de investimento que buscam ativos com alto potencial de retorno, envolvidos na aceleração do processo litigioso.
Esse tipo de operação, já comum em outros países, pode transformar a forma como os processos de herança são administrados no Brasil. “A entrada de fundos nesse tipo de disputa é uma inovação que pode mudar drasticamente as já complexas dinâmicas do mercado”, acredita Diamantino, ressaltando que um processo de herança pode levar mais de 20 anos para ser concluído, devido a exigências legais, avaliações e contestações.
A partir dessas reflexões, podemos concluir que o planejamento sucessório é uma necessidade, não um luxo. Como evidenciado pelos casos da Natura e do Grupo Objetivo, o modo como se lida com a sucessão pode determinar não apenas a vida financeira dos herdeiros, mas também a continuidade de negócios que impactam milhões. É importante que todos nós, especialmente os empreendedores, comecemos a considerar essa questão com a seriedade que ela merece, garantindo um legado sólido para as futuras gerações.