A Nova Era de Ahmad al-Shara e os Desafios da Síria
No final de março, o novo líder da Síria, Ahmad al-Shara, deu um passo audacioso ao apresentar um governo provisório. Essa medida é vista como uma tentativa de guiar o país em direção a uma nova trajetória após cinquenta anos de regime autoritário. Ao formar sua equipe ministerial, Shara incluiu rostos variados que refletem a diversidade religiosa e étnica da Síria: uma mulher cristã para as relações sociais, um oficial curdo para a educação, um druza para a agricultura e um alauíta para o transporte. Essas escolhas são uma resposta a pressões externas e internas, visando garantir que sua administração represente todos os cidadãos sírios, não apenas um grupo específico.
No entanto, o desafio é monumental. Em março, houve um violento massacre na região oeste da Síria, onde combatentes ligados ao governo de Shara atacaram a minoria alauíta, resultando em centenas de mortes. Este episódio acentuou a urgência de Shara em demonstrar que ele pode ser o líder que a Síria precisa.
O Contexto da Revolução Síria
A ascensão de Hayat Tahrir al-Sham (HTS), grupo rebelde do qual Shara faz parte, trouxe importantes mudanças à dinâmica do poder na Síria. Em dezembro de 2024, HTS, com o apoio da Turquia, atuou decisivamente para derrubar o regime de Bashar al-Assad. Desde então, a comunidade internacional se pergunta se um líder com uma orientação islâmica tão pronunciada como Shara será capaz de governar uma nação tão diversificada em termos étnicos e religiosos.
Embora HTS tenha conseguido consolidar controle em Idlib durante a guerra civil, a transição para uma Síria unificada se apresenta repleta de incertezas. Shara, que começou como um jihadista radical, buscou se reformar como um moderado, disposto a proteger os direitos das minorias e a promover a inclusão política. No entanto, a autenticidade dessa moderação é questionada, dado o histórico extremista do seu grupo.
A Estrutura do Novo Governo
Atualmente, Shara tem o controle na capital, Damasco. O novo governo temporário, que deverá permanecer por cinco anos antes das eleições presidenciais, reserva a ele um poder considerável. As principais pastas permanecem nas mãos de aliados próximos, enquanto a nova constituição, aprovada em março, concede a Shara amplos poderes, incluindo a nomeação de membros do tribunal constitucional e a seleção de um terço dos assentos parlamentares.
Ainda assim, muitos ocidentais temem que essa configuração possa se transformar em um regime de partido único, semelhante ao que existiu sob Assad. Shara é visto como um pragmatista radical que não hesitará em renunciar a alianças se isso significar consolidar seu controle. Contudo, a realidade é que a Síria não está destinada a se transformar em uma autocracia unificada novamente.
Os Desafios da Governança
O governo de Shara enfrenta a complexa tarefa de unificar um país dividido em facções. A liderança do HTS mantém um controle rigoroso, mas essa centralização na tomada de decisões pode ser um obstáculo para a inclusão e a representação da diversidade síria. Enquanto isso, facções armadas em regiões como o sul e o leste da Síria continuam a contestar a autoridade do novo governo.
Grupos e Desigualdade de Poder
O HTS opera por meio de uma estrutura de poder complexa, com Shara no centro, rodeado por uma rede de aliados e comandantes experientes. Aqui estão os principais círculos de influência dentro do governo:
Círculo central: Composto por membros do HTS e assessores próximos de Shara que supervisionam as operações políticas e de segurança.
Círculo de governança: Inclui comandantes islâmicos veteranos e figuras influentes com experiência em administração civil em Idlib.
Milícias sírias: O setor composto por milícias apoiadas pela Turquia, ainda não totalmente integradas ao governo.
- Comunidades locais: Shara busca apoio das comunidades árabes sunitas, importantíssimas para a estabilidade do novo regime.
A Questão da Inclusividade
Em fevereiro, o governo organizou uma conferência de "diálogo nacional" para tentar incorporar diferentes vozes e ampliar sua base social. Essa estratégia pode parecer promissora, mas enfrenta limitações. A centralização excessiva de poder tem gerado descontentamento e questionamentos sobre a verdadeira vontade de Shara em compartilhar o poder.
Os temores sobre a "Idlibização" de Damasco, com a introdução de visões mais conservadoras, alimentam a resistência de grupos que possuem uma posição forte, como os militantes druzos no sul e os curdos no nordeste. Embora haja disposição formal dos curdos em se integrar ao novo ministério da defesa, eles mantêm exigências para garantir autonomia e direitos das minorias.
A Necessidade Urgente de Estabilidade
A Síria, no entanto, não pode esperar. O país enfrenta uma crise econômica severa, com milhões de cidadãos lutando para sobreviver. A situação agravada por sanções internacionais e combates constantes torna a tarefa de reconstrução do estado quase impossível. Sem ajuda imediata, inclusive a redução de sanções, a capacidade do governo de Shara de estabelecer uma administração funcional é drasticamente limitada.
Além disso, o governo tem que lidar com o rescaldo da violência sectária em áreas alauítas, onde até mil pessoas foram mortas em março. Grupos armados sob a bandeira de Shara têm atacado comunidades alauítas, resultando em um aumento alarmante de tensões sectárias. O medo é que a exclusão dos alauítas das estruturas de poder possa levar a uma insurreição e à desestabilização do governo.
Caminhando para um Futuro Incerto
Shara designou uma comissão para investigar os assassinatos e responsabilizar os culpados. Esse é um passo crucial, visto que o apoio internacional depende da capacidade do novo governo de controlar a violência e restaurar a confiança entre as diversas comunidades. A maneira como o governo lida com as questões sectárias determinará sua legitimidade e eficácia.
É imperativo que o novo governo não apenas enfrente suspensões sobre seu poder, mas que também crie um caminho claro para um futuro pacífico. A construção de um estado coeso depende da habilidade de Shara em equilibrar as necessidades de diferentes grupos e estabelecer uma governança inclusiva.
Neste cenário complexo, o que o futuro reserva para a Síria? A resposta pode muito bem depender da capacidade de Ahmad al-Shara de transcender sua identidade anterior e se firmar como um líder inclusivo. O tempo dirá se ele consegue unir um país fragmentado ou se a Síria continuará a ser um campo de batalha por influência e poder. Que o diálogo e a reconciliação prevaleçam, pois, no final, é isso que todos os sírios desejam.