O Reencontro com a Geopolítica: O Impacto da Guerra na Ucrânia
A invasão da Ucrânia por Vladimir Putin em 2022 foi mais do que um simples conflito regional; foi um marco que expôs as fragilidades do que temos chamado de "ordem internacional baseada em regras". Esta ação segue os passos da anexação da Crimeia em 2014, que serviu como um primeiro passo para testar os limites da resposta ocidental. O desdobramento desse conflito não apenas forçou a Europa a reavaliar sua dependência dos Estados Unidos, como também trouxe à tona a necessidade de reconsiderar os compromissos globais desses líderes. Além disso, a guerra transformou a China em aliada da Rússia, levantando interrogantes que vão muito além da Europa Oriental, abrangendo países distantes que agora se veem em meio a decisões cruciais sobre suas parcerias com potências em conflito.
Análise da Geopolítica Pós-Guerra Fria
Nos últimos vinte anos após o fim da Guerra Fria, muitos dos dilemas geopolíticos pareciam ter perdido relevância. A queda da União Soviética trouxe um alívio para as nações ocidentais, que temiam um novo conflito mundial. Com isso, a ideia de que o multilateralismo e um esforço coletivo para a segurança poderiam superar rivalidades geopolíticas de soma zero tornou-se uma crença amplamente difundida.
Entretanto, o cenário global começou a se alterar com a crise financeira de 2008-2009, que impactou a economia ocidental, enquanto Putin fortalecia seu poder na Rússia e a influência da China crescia rapidamente. Essa mudança trouxe de volta uma dinâmica de poder que parecia ter sido deixada para trás: países maiores começaram a usar sua força militar, seu poder econômico e sua influência diplomática para exercer controle sobre áreas geográficas que, ainda que não formalmente soberanas, ficam sob seu domínio.
O Eco da História: Lições do Final da Segunda Guerra Mundial
Hoje, o jogo de poder no cenário internacional assemelha-se à era pós-Segunda Guerra Mundial. Os líderes de então, como Franklin Roosevelt, Winston Churchill e Joseph Stalin, colaboraram para dividir a Europa em esferas de influência. Agora, os principais poderes do mundo, como os EUA, Rússia e China, estão novamente se organizando para definir um novo ordens global, usando negociações que podem não requerer um encontro formal, mas que ecoam os debates realizados na Conferência de Yalta de 1945.
Diferente do cenário daquela época, onde duas democracias estavam em diálogo com uma autocracia, hoje o regime político não parece impedir que interesses comuns sejam identificados. O que importa, agora, é a força: “os fortes fazem o que podem, e os fracos sofrem o que devem”. Nesse novo panorama, organizações multilaterais como a OTAN e a União Europeia podem perder espaço, enquanto a autonomia de nações menores se torna vulnerável.
O Retorno das Narrativas de Grandeza
Observa-se também que, nas últimas duas décadas, os líderes das nações que estão impulsionando o retorno da política de poder — Rússia, China e Estados Unidos — adotam discursos de uma narrativa de “tornar nossos países grandes novamente”. Essas lideranças frequentemente se comparam de maneira ressentida, destacando uma atual condição restrita em relação a um passado glorioso. Essa sensação de humilhação alimenta a crença de que somente pelo exercício do poder duro suas nações podem se redimir.
- Exemplos Concretos:
- Para a China, Taiwan não é suficiente;
- Para a Rússia, a Ucrânia é vista como parte de um ideal maior de recuperação de prestígio.
Essa lógica pode levar a uma normalização do uso da força militar para atingir interesses nacionais, o que, se consolidado, premia a agressão e legitima a perda da soberania de estados mais frágeis.
Alternativas ao Quadro Atual
Ainda existe espaço para um futuro diferente, em que a União Europeia e a OTAN se adaptem ao invés de sucumbirem. Nesta visão, essas organizações poderiam servir como contrapesos efetivos contra as manobras de poder de Estados Unidos, Rússia e China. No entanto, essa defesa da ordem global exigirá que essas entidades lutem por sua relevância e aproveitem o caráter mais globalizado do mundo, que representa um obstáculo para os poderes que buscam dividí-lo.
Por meio de uma análise mais prática, podemos considerar como a ideia de “esfera de influência” surgiu nas Conferências em Berlim em 1884-85, onde potências coloniais europeias delimitaram suas áreas de controle na África. Com o tempo, essa noção se entrelaçou com questões de auto-determinação e colonialismo, culminando na necessidade de um paradigma que ultrapasse essas concepções arcaicas.
O Caminho Adiante: Reformulação e Segurança Coletiva
Mas como se dará o futuro das relações internacionais? No contexto atual, onde a Rússia não é mais uma superpotência em termos absolutos, mas ainda carrega o peso do seu legado soviético e é uma potência nuclear, a questão das esferas de influência torna-se cada vez mais relevante. As negociações para o término do conflito na Ucrânia podem espelhar uma nova Yalta, com a China exercendo um papel semelhante ao que a Grã-Bretanha teve em 1945.
Entretanto, traçar esferas de influência numa era globalizada e interligada torna-se um desafio. A interdependência dos recursos pelo mundo atual significa que potências não podem simplesmente dividir territórios sem causar instabilidade. O exemplo de Taiwan, que produz recursos essenciais como chips, ilustra esse ponto: os Estados Unidos não podem se permitir que a China domine a produção desses insumos cruciais.
E Agora?
As potências estão diante de uma encruzilhada. Se um novo alinhamento de interesses entre Estados Unidos e Rússia ocorrer contra a China, isso poderá forçar Japão e Coreia do Sul a buscarem alternativas em políticas de defesa, talvez até mesmo minimizar sua dependência do Ocidente. Caso a Rússia se aproxime mais da China e a Europa mantenha seu alinhamento com os Estados Unidos, estaremos diante de um sistema de dois blocos que remete à Guerra Fria.
Por outro lado, é possível que Rússia e estados europeus busquem um caminho mais independente, desempenhando um papel de poder equilibrador entre os dois gigantes. Essa nova dinâmica poderia criar um cenário multipolar, onde as nações atuam como fatores de estabilidade.
Um Olhar para o Futuro
Conforme navegamos por esses tempos turbulentos, uma certeza permanece: a ordem internacional baseada em regras ainda pode se reafirmar. No entanto, nesse ínterim, os Estados Unidos não estão mais servindo como um estabilizador confiável. Com a possibilidade de um retorno a uma política de poderes arcaica, é imperativo que as nações decidam como contestar essas esferas de influência. O futuro da paz e da estabilidade mundial pode depender da maneira como esses conflitos são geridos e das escolhas que as nações farão a respeito de como se posicionar nesse novo jogo de poder.