Crime Organizado no Sudeste Asiático: A Nova Era das “Fazendas de Golpes”
No Sudeste Asiático, os grupos de crime organizado têm passado por uma transformação significativa. Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), esses grupos estão se moldando como verdadeiros “prestadores de serviços criminosos”, oferecendo uma variedade de atividades ilegais em um cenário crescente de operações ilícitas. Um fenômeno notável, especialmente após a pandemia de Covid-19, são as chamadas “scam farms” ou fazendas de golpes, que operam em países como as Filipinas, frequentemente ao lado de empresas legítimas de jogos de azar.
Desvendando as Redes Criminosas
O Unodc está à frente de um esforço colaborativo entre os países da região para combater a crescente influência dessas redes criminosas. Benedikt Hofmann, representante regional adjunto do Unodc para o Sudeste Asiático e o Pacífico, recentemente visitou uma dessas “fazendas de golpes” nas Filipinas, que foi desmantelada em março deste ano. O local, situado no norte do país, familiares do sistema de jogos de azar, revela um submundo que poucos conhecem.
Durante a visita, Hofmann ficou impressionado com a estrutura e a organização do complexo. “Existem diversas ‘fazendas de fraude’ espalhadas por aqui, com prédios destinados ao trabalho, cafeterias e dormitórios”, informou. Um dos edifícios, por exemplo, era utilizado para atividades de jogos de azar e tinha registro governamental, o que camuflava a verdadeira natureza da operação.
O local abrigava trabalhadores vietnamitas e chineses, ambos envolvidos em esquemas fraudulentos. Enquanto os primeiros eram responsáveis por aplicar golpes, os segundos buscavam vítimas em seu país de origem.
A Escala do Problema e Sofisticação das Operações
O que mais chamou a atenção de Hofmann foi a sofisticação da operação: “A escala e a complexidade desse sistema são surpreendentes, assemelhando-se a uma empresa de tecnologia consolidada”, comentou. No momento da invasão, cerca de 700 pessoas estavam no complexo, e embora esse número não seja dos maiores registrados, a infraestrutura era robusta, quase como um microcosmos isolado.
Uma das questões mais perturbadoras é o contraste gritante entre a qualidade de vida dos chefes operacionais e a condição precária dos trabalhadores. “As pessoas que vivem e trabalham frequentemente são isoladas do mundo externo, com suas necessidades básicas supridas internamente”, explicou. Os complexos contam com restaurantes, dormitórios e até áreas de lazer, impedindo que os trabalhadores consigam deixar esses ambientes.
O Lado Sombrio: Trabalho Forçado e Violência
Infelizmente, muitas das pessoas que foram forçadas a trabalhar nesses locais vivem em condições brutais. Relatos de sobreviventes apontam que, mesmo desejando sair, muitos encontram barreiras intransponíveis. Torturas e abusos físicos são comuns como forma de punição para aqueles que tentam escapar ou que não atingem suas metas diárias de ganhos ilícitos. “O sofrimento humano que ocorre nesses locais é imensurável”, enfatizou Hofmann.
Muitas das “fazendas de fraudes” na região do Mekong, que inclui países como Tailândia, Laos e Mianmar, começaram como cassinos que facilitavam a lavagem de dinheiro oriundo do tráfico de drogas. Essa conexão criminal ampliou a rede de operações ilegais e aumentou o desafio enfrentado pelas autoridades.
Impactos da Pandemia e a Revolução Digital
A pandemia de Covid-19 trouxe mudanças drásticas ao modus operandi desses grupos. Durante esse período, muitos cassinos migraram para o espaço online, intensificando golpes e fraudes cibernéticas. “Essas operações estão se adaptando e se transformando em prestadores de serviços de crimes cibernéticos”, disse Hofmann. Isso inclui desde fraudes até o uso de informações pessoais para enganar e coagir vítimas.
A introdução de tecnologias emergentes, como inteligência artificial, promete mudar ainda mais a dinâmica. “A IA pode permitir que um golpista opere em uma escala antes impensável, transformando a forma como catadores e exploradores de dados atuam”, destacou o representante do Unodc. Com ferramentas eficazes, um único aplicativo pode substituir a necessidade de centenas de operadores humanos.
Desafios e Estratégias de Prevenção
Hofmann observa uma crescente disparidade entre a velocidade com que essas organizações aproveitam novas tecnologias e a capacidade dos governos em responder à altura. “Esse é um problema local com afetos globais”, enfatizou. Se bem que essas operações sejam predominantemente centradas na região, já se observa a emergência de similaridades em lugares distantes, como América do Sul e África.
É importante ressaltar que nenhum país conseguirá enfrentar esse problema isoladamente. As operações, mesmo que extintas em uma nação, podem simplesmente se realocar para regiões com menos fiscalização. Esse fenômeno exige uma abordagem integrada.
A Nova Era da Cooperação Regional
Para enfrentar esse desafio imenso, é essencial uma resposta unificada entre os países da região. O apoio do Unodc tem proporcionado um fortalecimento da colaboração, facilitando operações conjuntas e troca de informações entre nações como Filipinas, países do Mekong e até mesmo a China.
Hofmann acredita que a sinergia é a chave para fortalecer as defesas contra essas organizações criminosas. O impulso atual em cooperação e compartilhamento de conhecimento é mais forte do que nunca, e quanto mais intensos forem os esforços conjuntos, mais preparados estarão para enfrentar os desafios do futuro.
A realidade do crime organizado no Sudeste Asiático é alarmante, mas a determinação de enfrentá-lo através da cooperação é um sinal de esperança. A luta contra esses criminosos pode estar longe de uma solução definitiva, mas a união de esforços pode, de fato, fazer a diferença. Assim, a reflexão sobre como podemos contribuir para esse movimento se torna mais relevante do que nunca.