A Ascensão da Tecnopolítica: O Impacto da Tecnologia no Poder Global
Em fevereiro de 2022, enquanto as forças russas avançavam rumo a Kyiv, o governo ucraniano enfrentou uma vulnerabilidade crítica: suas redes de internet e comunicação estavam sob ataque, e logo suas tropas e líderes ficariam sem informações. Nesse momento crítico, Elon Musk—chefe de empresas como Tesla, SpaceX, Neuralink e outras—interveio decisivamente. Em questão de dias, a SpaceX enviou milhares de terminais Starlink para a Ucrânia, ativando o serviço de internet por satélite sem custo. Com isso, Musk foi celebrado como um herói por manter o país conectado.
No entanto, essa intervenção trouxe riscos. Meses depois, quando a Ucrânia solicitou à SpaceX a expansão da cobertura do Starlink para a Crimeia ocupada pela Rússia, Musk recusou-se, temendo uma escalada do conflito. O fato de um cidadão não eleito e sem responsabilidades poder impedir uma operação militar em um cenário de guerra ativo evidenciou que governos tinham muito pouco controle sobre decisões cruciais que afetavam seus cidadãos e a segurança nacional.
A Emergence da Tecnopolítica
Esse episódio ilustra bem o que chamei de "tecnopolítica" em Foreign Affairs: um novo fenômeno em que líderes tecnológicos não apenas impulsionam o mercado, mas também controlam aspectos da sociedade civil, política e relações internacionais, que tradicionalmente eram prerrogativas dos Estados. Nos últimos anos, a ascensão dessas figuras e das empresas que controlam transformou a ordem global, que até então havia sido definida por Estados desde os tratados de Westfália, quase 400 anos atrás. Agora, estamos vivendo um "momento tecnopolítico", onde um punhado de grandes empresas de tecnologia rivaliza com os Estados por influência geopolítica.
A Consolidação da Tecnopolítica
O cenário estava favorável para o setor de tecnologia em 2021. Empresas dominantes prometiam um futuro de inovação e liberdade, com Mark Zuckerberg anunciando um "metaverso" e criptomoedas ganhando força como alternativas descentralizadas ao controle governamental. A pandemia acelerou ainda mais a dependência digital, tornando plataformas tecnológicas essenciais para trabalho, educação e entretenimento.
Essa dependência fez com que decisões em salas de reuniões corporativas influenciassem a vida de bilhões, definindo quais produtos lançar, como funcionavam os algoritmos e quais regulações seriam aplicadas. Além disso, as empresas de tecnologia expuseram-se cada vez mais ao mundo físico, com suas infraestruturas de data centers e sistemas de computação em nuvem se tornando críticas para economias e esforços militares.
A Retorno da Soberania do Estado
No entanto, à medida que as empresas de tecnologia expandiam seu poder, a geopolítica tradicional também ressurgiu com força. Uma onda de proteção protecionismo e rivalidades estratégicas, especialmente entre EUA e China, abalou a ideia de um ecossistema tecnológico global. O governo americano iniciou um esforço para limitar o desenvolvimento tecnológico chinês por meio de controles de exportação e investimentos.
Esse tipo de controle ocorreu não apenas em inovação, mas em toda a cadeia de suprimentos, levando as grandes empresas a reconsiderar suas estratégias globais. A "friend shoring", por exemplo, ganhou força à medida que empresas como Apple começaram a mover operações de países como a China para lugares como Índia e México, se protegendo contra riscos geopolíticos crescentes.
Da Libertação à Controle
Em um contexto ocidental, o controle do espaço digital ainda está em disputa. Figuras como Musk e Peter Thiel, que um dia acreditaram na capacidade revolucionária da tecnologia para libertar sociedades, agora buscam capturar essa mesma tecnologia para promover interesses privados. Eles viram no governo não um empecilho, mas uma plataforma para seus objetivos, repensando o papel do Estado e favorecendo uma abordagem que privilegia a eficiência em detrimento da responsabilidade democrática.
Porém, essa captura do Estado não é meramente pragmática; traz consigo uma mudança ideológica. Personalidades como Musk passaram a enxergar a governança americana como disfuncional e desejam, em vez da pluralidade, um líder forte que conduza o país por meio da inovação. Com uma infusão de interesses privados nos processos públicos, o controle da informação e dos dados pode se tornar uma ferramenta poderosa para manipulação política e econômica.
A Estrutura do Futuro Híbrido
Estamos nos movendo em direção a um futuro híbrido, onde o poder tecnológico se funde com o gerenciamento estatal de uma maneira talvez nunca antes vista. O futuro pode ser moldado por duas esferas: uma dominada por empresas tecnológicas nos Estados Unidos, que possuem um controle significativo sobre a infraestrutura digital e política, e outra rigidamente controlada pelo Estado na China, onde as empresas operam sob a supervisão do governo.
Dada a evolução das relações entre tecnologia e política, as consequências vão além da mera competição geopolítica. O que está em jogo agora é a própria sobrevivência das sociedades abertas frente a um controle cada vez mais centralizado, onde tanto o Estado quanto as corporações podem sacrificar a liberdade individual em nome de um bem maior, que frequentemente é mais privado do que público.
Reflexões Finais
Diante desse cenário em rápida evolução, somos deixados a ponderar: será que a tecnologia, que um dia prometeu liberdade e democratização, está, na verdade, se tornando um instrumento de controle e opressão? O dilema que enfrentamos envolve não apenas a dinâmica de poder entre Estados e empresas de tecnologia, mas também a natureza do que chamamos de liberdade na era digital.
À medida que a tecnopolítica se torna a nova norma, é essencial que todos nós—cidadãos, formuladores de políticas e líderes empresariais—reflitamos sobre como podemos navegar por essas águas complexas. A urgência de garantir que os valores democráticos não sejam apenas preservados, mas reforçados, nunca foi tão clara. E a responsabilidade de moldar o futuro cabe a todos nós.
Se você compartilha dessas preocupações ou tem uma visão diferente, sinta-se à vontade para nos contar sua opinião nos comentários. Como você vê a relação entre tecnologia e poder em nossa sociedade atual?