segunda-feira, junho 9, 2025

Pam Thorton Alerta: A Crise do Cacau e o Preço da Complacência


cacau
Desafios da produção global de cacau no cenário atual

No recente encontro da World Cocoa Foundation (WCF) em São Paulo, a economista Pam Thornton, especialista em commodities da Nightingale Investments, de Nova York, chamou a atenção do setor de cacau para a necessidade urgente de ações fundamentadas em pesquisa e planejamento estratégico. Ela ressaltou que a incerteza nos preços e os problemas estruturais enfrentados pela produção global comprometem a sustentabilidade da cadeia do cacau em aspectos econômicos, climáticos e operacionais.

“Por muito tempo, fomos complacentes. Havíamos uma abundância de mão de obra nas regiões produtoras, criando uma falsa sensação de segurança sobre a oferta. O aumento da produção, mesmo em tempos de preços baixos, era apenas resultado da falta de alternativas para esses trabalhadores,” refletiu Thornton. “Além disso, vimos a exploração de novas áreas, como Uganda e República Dominicana, e acreditamos que a oferta de cacau seria sempre garantida. No entanto, com a colheita de 2023/2024, percebemos um grande problema: a escassez de cacau.”

Ela fez uma análise do impacto dessa realidade no mercado: “O aumento histórico dos preços é sem precedentes desde a década de 1970. O gráfico dos últimos 50 anos mostra uma commodity estável até que, de repente, tudo mudou. Nos últimos dois anos, observamos uma intensa atividade de mercado, com preços atingindo picos de até US$ 12 mil por tonelada, antes de retornarem a US$ 8 mil.”

WCF Divulgação

Pam Thornton, economista e trader de commodities da Nightingale Investments

Embora o cenário atual seja considerado “promissor”, Thornton colocou uma questão crucial: “Como podemos manter esse nível? O entusiasmo está presente, mas a verdadeira preocupação é: essa elevação nos preços é sustentável?”

Com vasto conhecimento sobre o mercado brasileiro, ela ressaltou o papel histórico do país na produção de cacau. “Estou profundamente familiarizada com o setor no Brasil, conhecendo suas regiões produtoras e recursos. Porém, pergunto: onde esteve o Brasil nas últimas duas ou quatro décadas?”

Thornton lembrou a época em que, em 1981, o Brasil era o segundo maior produtor de cacau do mundo. “Hoje, a produção brasileira é apenas metade do que era naquela época. É compreensível: os preços não eram atraentes. No entanto, agora que o interesse pelo cacau está ressurgindo, ele só será justificável se houver sustentabilidade.”

A Retomada do Setor: Desafios e Oportunidades

Um dos principais desafios identificados por Thornton é a falta de previsibilidade e o conhecimento limitado acerca das causas por trás das crises produtivas. “Embora tenhamos investido em sustentabilidade, sua aplicação foi restrita. É essencial canalizar recursos de maneira eficaz para assegurar a viabilidade econômica dos produtores e das empresas,” afirmou. “E isso só será possível se tivermos uma compreensão mais clara do que está ocorrendo.”

GetTyimages

Produtores globais de cacau necessitam de apoio contínuo.

Ela destacou um exemplo prático: “Quando surgiram os primeiros casos de doenças de sistema vascular nas plantas de cacau, disseram que as árvores morreriam em dois ou três anos. Quinze anos depois, elas ainda estão vivas, embora deterioradas. Isso evidencia que não entendemos nem mesmo o básico sobre nosso cultivo.”

Thornton compartilhou suas percepções dividindo os desafios em três frentes principais:

  • Capacidade de Previsão: “É necessário prever riscos antes que eles se tornem crises. Após a safra de 2023/2024, muitos ainda acreditavam que se tratava de um evento isolado, enquanto outros consideravam uma crise duradoura. Com o tempo, a repetição dos incidentes confirmou que ainda não compreendemos bem a situação.”
  • Controle de Pragas e Doenças: “Estamos focados em problemas na África, mas há desafios significativos na América Latina, como a contaminação por cádmio no Peru e Equador. Se as colheitas dessas regiões não podem ser consumidas devido a essa contaminação, enfrentamos uma séria questão de desperdício.”
  • Produtividade: “Estamos atrasados em relação à modernização das nossas práticas. Algumas plantações brasileiras já adotam polinização artificial e melhoramento genético, enquanto a realidade em muitas áreas da África ainda é arcaica,” apontou.

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Amêndoas de cacau: um ingrediente em escassez no mercado global.

Thornton ainda citou a variedade CCN 51, desenvolvida no Equador, como um exemplo positivo de ação rápida e eficaz na América Latina. “Essa variedade é resistente e de alta produtividade, trazendo resultados mais rápidos. Embora isso não se aplique diretamente à situação da África, é justamente iniciativas como essa que devemos replicar.”

Em sua defesa, ela destacou a importância de desenvolver árvores menores, que sejam mais fáceis de manejar e colher, como parte do processo de introdução da mecanização nas plantações. “Precisamos pensar em produtividade juntamente com a escalabilidade do manejo,” completou.

Um Novo Caminho para o Cacau

Para se adaptar a esse novo cenário, Thornton propôs a criação de uma Iniciativa de Sobrevivência do Cacau. “A WCF atua como a voz do setor privado, enquanto a Organização Internacional do Cacau (ICCO) representa os países produtores. Juntas, elas podem se unir para formar uma forte representação global.”

Ela criticou a atual fragmentação da pesquisa no setor: “Muito do que poderia ser feito está sendo realizado em universidades. Precisamos de um foco global que otimize o uso dos recursos e que busque mais investimentos.”

Por fim, Thornton deixou uma mensagem clara: “O caminho à frente é desafiador. O cenário econômico e político é incerto, e os investimentos para o desenvolvimento estão diminuindo. Se não aproveitarmos a atenção temporária voltada ao cacau para estabelecer uma base sólida, corremos o risco de sermos esquecidos novamente. Isso pode ser o maior risco que enfrentamos.”


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