Nos últimos anos, o conceito de propósito corporativo tem se tornado um tema central nas discussões entre líderes empresariais ao redor do mundo. As organizações têm adotado propósitos que vão além da busca incessante por lucro, almejando enfrentar desafios sociais e ambientais e, ao mesmo tempo, construir conexões mais sólidas com seus stakeholders. Entretanto, em 2025, uma onda de ceticismo começa a surgir, levando esses líderes a repensarem suas estratégias. Críticas públicas, boicotes, questões políticas e desconfiança dos investidores criaram um cenário desafiador para empresas que buscam se alinhar a um propósito autêntico.
Para muitos, a dúvida não é mais se o propósito é relevante, mas sim quando e como as organizações devem integrá-lo em suas práticas. Após três anos de entrevistas com 33 líderes de diversas indústrias e regiões, nossas análises revelaram que as empresas exploram o propósito através de duas dimensões essenciais: a profundidade do impacto e a comunicação desse impacto. A maneira como uma organização se posiciona nessas duas dimensões pode indicar se suas iniciativas devem ser repensadas, adaptadas ou se, de fato, estão criando um valor duradouro.
Navegando pelo Propósito: Um Modelo Prático
As empresas podem ser divididas em quatro arquétipos comuns na busca por integrar o propósito aos seus negócios. Essa classificação considera o nível de comunicação sobre seu propósito e as ações concretas realizadas. Os arquétipos são: Focadas no Lucro, Focadas na Imagem, Propósito Temporário e Propósito Profundo. Entender onde sua empresa se posiciona pode ser crucial para traçar os próximos passos em relação a suas iniciativas de propósito.
- Focadas no Lucro
Essas empresas priorizam os lucros acima de tudo, realizando apenas o mínimo necessário em questões sociais, geralmente limitadas ao cumprimento de leis. Os líderes dessas organizações costumam enxergar o propósito como uma distração ou até mesmo um obstáculo à eficiência. Porém, com as crescentes expectativas dos stakeholders, manter essa postura torna-se cada vez mais complicado.
- Focadas na Imagem
Aqui, as empresas investem intensamente em comunicar seu propósito, mas frequentemente falham em implementar mudanças significativas. Por exemplo, uma companhia pode promover campanhas de marketing impactantes sobre sustentabilidade, enquanto suas práticas reais demonstram pouco ou nenhum progresso. Embora essa estratégia possa gerar ganhos temporários de reputação, ela acarreta riscos de reações negativas e acusações de “purpose washing” — a tentativa de melhorar a imagem através de discursos vazios.
- Propósito Temporário
Nestas empresas, observa-se um foco em mudanças tangíveis, mas uma intenção de reduzir a comunicação externa para evitar críticas sobre autenticidade. Essa abordagem cautelosa permite que as organizações estabeleçam credibilidade aos poucos, à medida que experimentam e ajustam suas iniciativas antes de realizar declarações ousadas publicamente.
Continua depois da publicidade
- Propósito Profundo
No polo oposto, encontramos as empresas que incorporam o propósito em sua identidade, estratégia e operações. Essas organizações utilizam seu propósito como uma bússola, moldando não apenas suas ações, mas também sua essência. Essa congruência não só gera valor significativo para os stakeholders, mas também proporciona vantagens competitivas sustentáveis.
Onde sua Organização Está? Identificando sua Posição
Para entender a posição atual de sua empresa nesse modelo, é necessário realizar uma autoavaliação honesta sobre ações e comunicações. Os líderes podem começar analisando dois aspectos fundamentais:
Profundidade do Impacto: Reflita sobre os compromissos reais em áreas sociais e ambientais. Sua empresa está implementando mudanças significativas em sua cadeia de suprimentos, desenvolvendo produtos mais sustentáveis ou conquistando certificações reconhecidas?
Comunicação do Impacto: Avalie se os recursos estão sendo alocados para promover um marketing genuinamente voltado para o propósito e se as promessas da empresa estão alinhadas com ações concretas ou se estão superando a realidade de seus esforços.
Desvendando Armadilhas Comuns na Busca pelo Propósito
Empresas que iniciam sua jornada em direção ao propósito muitas vezes enfrentam o que chamamos de “zona de incerteza”, uma etapa desafiadora em que a falta de clareza nas iniciativas pode gerar pressões internas e externas. Aqui estão algumas armadilhas a serem evitadas:
Foco Excessivo na Comunicação: Organizações que operam na esfera da “imagem” podem priorizar a relação externa, deixando de lado alterações significativas internamente. Esse caminho pode resultar em desconfiança e descontentamento com os stakeholders.
Desconexão Interna: As iniciativas de propósito podem falhar quando os colaboradores estão céticos ou desmotivados, receando que suas rotinas cotidianas e a segurança do emprego estejam em risco.
Promessas Demais sem Ações: Projetos que fazem promessas grandiosas sem os devidos resultados correm o risco de perder rapidamente a confiança dos stakeholders.
Refletindo: Avançar ou Retornar?
Para as empresas em dúvida sobre a continuidade de suas iniciativas de propósito, nosso modelo pode servir como um guia prático na hora de tomar decisões.
Focadas no Lucro: Sustentar ou Adaptar? Aqui, os líderes devem se perguntar se suas táticas tradicionais de foco no lucro vão se sustentar em um ambiente social em transformação. Enquanto algumas empresas podem optar por manter o status quo, outras deverão considerar investimentos gradativos em estratégias voltadas para o propósito.
Focadas na Imagem: A Hora da Mudança é Agora! Para organizações que operam nesse quadrante, chegou o momento de realocar esforços para que sua prática operacional esteja alinhada com suas promessas públicas.
Propósito Temporário: Humildade é a Chave Empresas que se encontram nesse estágio devem equilibrar cautela e visibilidade, evitando exageros que podem limitar a inspiração dos stakeholders.
Propósito Profundo: Mantendo o Ritmo As organizações que já possuem um propósito enraizado enfrentam o desafio de manter o compromisso de longo prazo com o mesmo.
O que Diferencia as Empresas de Propósito Profundo?
Aquelas que aspiram a solidificar seu comprometimento com o propósito — e que operam na esfera do propósito profundo — precisam ir além de ações ou campanhas isoladas. O alinhamento necessário com o propósito requer uma transformação estrutural para integrar a profundidade do impacto e a comunicação do mesmo, permitindo que essas empresas sustenten e ampliem suas iniciativas ao longo do tempo.
Nossa pesquisa sugere que existem sete fatores-chave que definem as empresas com um propósito robusto:
- Alinhamento Organizacional
- Métricas Transparentes e Responsáveis
- Capacitação de Equipes
- Parcerias Colaborativas
- Aproveitamento de Tecnologia e Dados
- Comprometimento da Liderança com o Longo Prazo
- Estratégias Adaptativas
O propósito deve ser uma vivência que permeie todas as áreas da empresa, desde a estratégia até a cultura interna. Empresas que se destacam no propósito buscam alinhar os valores individuais dos colaboradores com o propósito maior da organização, fomentando engajamento, inovação e autenticidade.
Estabelecer métricas claras e transparentes para medir o impacto ajuda a gerar confiança no relacionamento com os stakeholders e a criar um roteiro para o avanço.
Adotar estratégias orientadas por propósito demanda novos conhecimentos e habilidades. Os líderes devem investir na capacitação de seus colaboradores para potencializar ações inovadoras.
Alcançar metas ambiciosas muitas vezes requer colaboração além das paredes da organização.
A tecnologia tem um papel vital na amplificação do propósito. As empresas podem utilizar ferramentas como IA e big data para monitorar e otimizar seus impactos.
A continuidade da liderança é essencial para que o propósito se enraize na essência da organização.
À medida que o cenário externo evolui, as estratégias de propósito também precisam ser flexíveis para se adaptarem às novas realidades.
O percurso em direção a um propósito corporativo genuíno é repleto de desafios, mas as recompensas são significativas. Estudos recentes, como o da Deloitte, indicam que empresas comprometidas com um propósito consistente apresentam 40% mais retenção de colaboradores e 30% mais inovação em comparação com seus concorrentes. Além disso, empresas que demonstram um forte alinhamento entre propósito e clareza geralmente apresentam um desempenho superior em termos contábeis e de mercado.
Antecipar as armadilhas potenciais e desenvolver capacidades robustas são passos fundamentais para organizações que buscam um compromisso sério com o propósito. Gerenciando os momentos críticos e articulando um sistema que alinhe a profundidade e a comunicação, as empresas podem transitar por essa jornada complexa com confiança. Essas ações não apenas mitigam os riscos, mas também abrem portas para vantagens competitivas, confiança dos stakeholders e impactos sociais relevantes.