A Transformação da Política Externa dos EUA: Desafios e Oportunidades para o Futuro
À medida que o mundo se transforma, os Estados Unidos precisam se adaptar ou enfrentar sérias consequências. Contudo, esse processo de adaptação costuma ser lento, se é que ocorre. Tanto Donald Trump quanto Joe Biden tentaram mudar a direção da política externa americana, mas ambos se depararam com uma resistência significativa, tanto interna quanto externa. Essa dificuldade não é nova: desde a Segunda Guerra Mundial, muitos presidentes dos EUA tentaram reformular a política externa do país, frequentemente sem sucesso. A inércia, nesse cenário, se revela uma força poderosa.
O Caso do Afeganistão: Um Exemplo Real de Inércia
Um exemplo recente dessa resistência é a guerra de duas décadas no Afeganistão. Por anos, a operação americana falhou em estabilizar o país e garantir um governo democrático. Mesmo assim, interesses burocráticos e políticos em Washington obstruíram qualquer tentativa de mudança de estratégia. Barack Obama e Trump falaram sobre encerrar a guerra, mas acabaram apenas reduzindo o número de tropas. Foi Biden quem, em 2021, finalizou a retirada das forças americanas, em cumprimento a um acordo feito por Trump com o Talibã. No entanto, a retirada foi caótica e Biden pagou um alto preço político, apesar da ampla aprovação pública à sua decisão.
Porém, a guerra finalmente chegou ao fim, o que demonstra que mudanças significativas na política externa dos EUA não são impossíveis. Essa perspectiva é animadora, pois ajustes extensivos são agora necessários. A era em que os Estados Unidos podiam atuar como os policiais do mundo ficou para trás. O país se vê mergulhado em conflitos dos quais já possui uma capacidade cada vez menor de resolver.
Muitos analistas, portanto, defendem uma reorientação estratégica, seja aumentando o tamanho das forças armadas para sustentar luta em múltiplos teatros, ou transferindo algumas responsabilidades para aliados e parceiros. Com a eleição de 2024 se aproximando, Trump ou sua concorrente, a vice-presidente Kamala Harris, poderão tentar implementar grandes mudanças. No entanto, qualquer movimento nesse sentido enfrentará obstáculos substanciais e o novo presidente precisará de um plano eficiente para superá-los.
As Raízes da Inércia Americana
A política externa dos EUA é moldada dentro de um ecossistema institucional que surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, foi ampliado durante a Guerra Fria e mantido no período pós-Guerra Fria da hegemonia americana. As agências que desenvolvem e implementam essa política, como o Departamento de Defesa, o Departamento de Estado e as agências de inteligência, foram cruciais para tornar os Estados Unidos uma potência. Contudo, essas agências também tendem a preservar o que já funciona, uma vez que cada uma naturalmente protege sua missão e recursos; assim, mudanças significativas sempre representam uma ameaça.
Essa resistência burocrática muitas vezes impede mudanças em Washington. Por exemplo, Jimmy Carter tentou retirar forças dos EUA da Coreia do Sul em 1977, Obama tentou fechar o centro de detenção em Guantânamo em 2009 e Trump anunciou a retirada das forças dos EUA da Síria em 2019, sem sucesso em nenhuma dessas tentativas. O sistema se opôs à mudança e venceu.
Além disso, o Congresso pode bloquear as ambições presidenciais. Embora a presidência detenha grande poder, o Legislativo pode engessar alterações em orçamentos, tratados ou autoridades administrativas, áreas essenciais para mudanças significativas. O Legislativo pode obstruir a agenda presidencial por razões políticas, especialmente se o partido oposto controlar a Câmara ou o Senado.
Durante períodos já resistentes à mudança, a psicologia humana desempenha um papel que reforça a inércia. O conformismo e o famoso “custo irrecuperável”, que leva as pessoas a insistirem em um caminho falido, contribuem para a manutenção do status quo.
Obstrução à Vista: O Exemplo de Trump e Biden
As forças que obstruem mudanças se tornaram evidentes durante os mandatos de Trump e Biden. Ambos os presidentes tentaram redirecionar a atenção dos EUA para a Ásia, enquanto limitavam o envolvimento no Oriente Médio e reduziriam os compromissos de defesa na Europa, mas enfrentaram dificuldades.
O sistema de formulação de políticas em Washington impediu algumas iniciativas principais de Trump. Sua tentativa de retirar tropas dos EUA da Síria encontrou forte resistência das Forças Armadas e falta de apoio dos republicanos no Congresso. Ao considerar a redução das tropas na Europa, Trump tomou a decisão unilateralmente no Salão Oval, mas seus aliados estrangeiros enfraqueceram seu esforço, sugerindo que ele realocasse tropas da Alemanha para a Polônia em vez de retirá-las do continente. Uma mudança significativa que Trump conseguiu foi a retirada do acordo nuclear com o Irã, resultado de um objetivo de longa data entre legisladores republicanos.
Biden, por sua vez, assumiu o cargo com a intenção de continuar a “virada para a Ásia” da administração Obama, mas gastou enormes recursos políticos, financeiros e militares no Oriente Médio e na Europa. Após ordenar a retirada das tropas do Afeganistão, sua popularidade despencou com a rápida queda do governo afegão. Esse revés gerou um temor de arriscar mais retiradas militares. Embora sua administração tenha tentado ajustar a postura dos EUA na região, não muito mudou na prática, deixando as forças americanas vulneráveis a ataques de grupos alinhados ao Irã.
Após a invasão da Ucrânia, Biden, que inicialmente almejava uma relação “estável e previsível” com a Rússia, viu os Estados Unidos se envolverem mais profundamente. O governo Biden aumentou a presença militar na região e forneceu amplo apoio à Ucrânia, mesmo afirmando que seu foco principal estava na Ásia. Essa postura reforçou um comportamento semelhante ao da Guerra Fria, com os EUA no centro de uma coalizão para conter a agressão russa.
Planejando a Mudança
Dada a resistência à continuidade na política externa dos EUA, o próximo presidente precisará de um planejamento estratégico se almejar implementar mudanças significativas. Para isso, não se pode contar em ignorar ou transformar a burocracia. A abordagem mais eficaz implica envolver as agências-chave a favor da política pretendida. O governo deve identificar burocratas influentes e convencê-los de que a mudança não apenas atende ao interesse nacional, mas também protege seus interesses.
Exemplos históricos mostram que times de mudança podem colaborar entre diversas agências, como fez Paul Nitze durante o início da Guerra Fria, criando a política NSC-68 em parceria com outros funcionários. Essa abordagem colaborativa permitiu que propostas que inicialmente enfrentavam objeções fossem adotadas e implementadas.
Como Tornar a Mudança Viável
Políticos que buscam a mudança devem estruturar suas propostas de forma a considerar a psicologia humana. Uma estratégia é mapear um caminho gradual de transformação ou apresentar a nova política como uma atualização. Por exemplo, a expansão da OTAN começou com a adesão de três países fortes, permitindo um processo mais tranquilo para futuras adições.
A mudança de política também pode ser apresentada através da aversão à perda, mostrando como a nova abordagem pode evitar desfechos negativos. Abandonar o Afeganistão, apesar de parecer estéril, evitou um custo ainda maior em vidas e recursos. É fundamental, no entanto, que qualquer proposta endereçada a crises seja estruturada com cautela, pois decisões apressadas podem gerar novos problemas.
Quando um novo presidente assumir, será vital que este esteja preparado para gastar capital político necessário. Muitas administrações tentam priorizar questões internas e evitam decisões complicadas na política externa. Contudo, deixar questões complicadas para o futuro resulta em opções ainda piores.
O Futuro da Política Externa Americana
Seja na gestão de Harris ou Trump, ambos terão a chance de mudar a trajetória da política externa dos EUA. Desafios como a situação na Ucrânia trarão resistência interna e externa a qualquer tentativa de mediá-la. Além disso, se um novo presidente quiser delegar mais responsabilidade de defesa à OTAN, precisará de um plano bem estruturado e que minimize a resistência interna.
As direções que ambos os presidentes seguirão no tocante à China também representarão um dilema. Tanto Trump quanto Harris podem optar por suavizar tensões, enfatizando a necessidade de evitar um conflito, o que pode ser analisado como uma fraqueza diante do adversário.
Em tempos de crise, a capacidade de implementar mudanças significativas aumenta. Cada novo presidente deve olhar para essas situações como oportunidades para repensar e remodelar políticas, evitando os erros do passado. A história está cheia de empires que caíram na armadilha da inércia; cabe aos novos líderes evitar que os EUA caminhem pelo mesmo caminho.
É essencial que o próximo presidente pense de forma inovadora em relação à política externa, preparando-se para os desafios à frente e as inevitáveis mudanças que o mundo exigirá. Serão necessários líderes que não apenas reconheçam a necessidade de adaptação, mas que também formulações de políticas proativas, levando em conta as complexidades e as nuances do cenário internacional contemporâneo.