CBDC, Tokens e o Papel do Banco Central: Por Que Não Criar uma Moeda Digital Direta para a População?
No contexto de um sistema financeiro baseado em blockchain, a capacidade de emitir tokens cria possibilidades praticamente ilimitadas. Essa inovação abre espaço para ideias criativas, mas também traz desafios e reflexões importantes sobre o papel dos Bancos Centrais (BCs).
Ao analisar o modelo adotado pelo Banco Central do Brasil (BCB) para o piloto do Real Digital, que inclui o Real Digital para transações entre o BCB e bancos comerciais e o real tokenizado para a população, surge uma inquietação: os Bancos Centrais estão perdendo o contato direto com a população.
A Perda de Contato Direto: Um Desafio Global
A queda no uso do dinheiro em papel (cash) tem enfraquecido o vínculo direto dos Bancos Centrais com a população. Hoje, o único passivo de um Banco Central que a população detém diretamente é o dinheiro físico. Todo o restante do dinheiro em circulação é criado por bancos comerciais ou outros intermediários financeiros.
Essa desconexão gera preocupações entre os Bancos Centrais, pois:
Reduz a autonomia na implementação de políticas monetárias.
Aumenta a dependência de intermediários, criando riscos sistêmicos.
Uma Proposta: CBDC-B, Um Token Direto do Banco Central
Diante desse cenário, surge uma reflexão: por que não criar uma moeda digital do Banco Central voltada diretamente para a população? O modelo proposto incluiria três tipos de tokens na mesma rede:
CBDC de atacado (CBDC-A): Utilizada para liquidações entre o Banco Central e os bancos comerciais.
Moeda tokenizada: Usada pelos bancos comerciais nas transações com a população.
CBDC de varejo (CBDC-B): Um token emitido diretamente pelo Banco Central, com funcionalidades restritas e sem necessidade de identificação (anonimato).
Como Funcionaria a CBDC-B?
A CBDC-B seria controlada pelo Banco Central.
Ela poderia ser anônima, preservando a privacidade do usuário, como ocorre hoje com o dinheiro em papel.
Qualquer cidadão poderia criar uma carteira digital na blockchain do BC e receber tokens CBDC-B diretamente.
O sistema incluiria limites de valores e periodicidade de transações para evitar abusos e mitigar riscos, como lavagem de dinheiro.
Vantagens da CBDC-B
Operações Offline: A CBDC-B facilitaria transações mesmo sem conexão à internet, ampliando sua usabilidade.
Privacidade: Atenderia a demanda por transações anônimas, com limites claros para evitar uso indevido.
Conexão Direta com a População: Restauraria o contato direto entre o Banco Central e os cidadãos, sem intermediários.
Resiliência do Sistema: O controle direto permitiria ao Banco Central atuar de maneira mais eficaz em crises.
Desafios e Riscos
Apesar das vantagens, a proposta também enfrenta desafios significativos:
Lavagem de Dinheiro e Crimes Financeiros: O anonimato em transações pode ser explorado por criminosos. Contudo, limites de valores e frequências poderiam minimizar esse risco.
Risco Reputacional: Se um caso de uso ilícito viesse à tona, o Banco Central poderia enfrentar um impacto significativo em sua imagem.
Migração em Momentos de Crise: Uma emissão excessiva de CBDC-B poderia incentivar a fuga de recursos do sistema bancário em crises financeiras.
O Papel das Tecnologias de Anonimato
Para garantir o anonimato, soluções como mixers ou tecnologias Zero Knowledge Proofs (ZKP) poderiam ser utilizadas. A implementação dessas tecnologias, no entanto, exigiria maturidade e robustez técnica.
O Modelo Europeu: Uma Abordagem Intermediada
Vale destacar que modelos semelhantes estão sendo discutidos para o euro digital e a libra digital no Reino Unido. A diferença crucial é que, nesses casos, a distribuição da CBDC para a população seria intermediada pelos bancos comerciais.
Os bancos ficariam responsáveis por:
Realizar o KYC (Know Your Customer).
Garantir o cadastro e a idoneidade dos usuários.
Essa abordagem intermediada reduz o risco reputacional dos Bancos Centrais, mas também mantém os intermediários no processo, limitando o contato direto com a população.
O Equilíbrio Entre Riscos e Benefícios
Apesar dos desafios, a proposta de uma CBDC-B pode resolver problemas de ambos os lados:
Os Bancos Centrais recuperam o contato direto com a população no ambiente digital.
A população que valoriza a privacidade em algumas transações teria essa necessidade atendida.
Limitar valores, frequências e funcionalidades poderia ser o caminho para equilibrar os benefícios da privacidade e da inclusão digital com os riscos sistêmicos e reputacionais.
Conclusão: Uma Nova Fronteira para as CBDCs
Embora o modelo sugerido não seja perfeito, ele abre espaço para uma discussão importante sobre o futuro das moedas digitais e o papel dos Bancos Centrais.
Como diz o ditado: “O conhecimento tem um início, mas não um fim.” Ainda estamos aprendendo e evoluindo em torno dessas ideias. A proposta de uma CBDC-B pode não ser a bala de prata, mas certamente é um passo importante em direção a um sistema financeiro mais inclusivo, seguro e equilibrado.