quarta-feira, abril 30, 2025

As seis lições de Ludwig von Mises

Ludwig Heinrich Edler von Mises (1881-1973) foi um economista e teórico social responsável pela elaboração da praxiologia. Trata-se, no campo filosófico, da teoria da ação humana baseada no princípio axiomático de que os homens se engajam em condutas propositadas, em contraste ao comportamento involuntário, tendo por objeto de estudo as causas e preceitos que conduzem as mesmas. Dentre suas mais aclamadas e populares contribuições à ciência econômica está o livro “As seis lições”, um compilado de suas palestras ministradas em 1959 na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires (UBA). Nele, o mais famoso membro da escola austríaca de economia discorre, por intermédio de uma linguagem acessível ao público leigo, sobre temáticas atemporais como a oposição entre os modos de produção socialista e capitalista, a inflação e as consequências da intervenção estatal na regulação dos mercados.

A Primeira Lição, “O Capitalismo”

Mises começa sua exposição comparando o papel social exercido pelos grandes empresários e a aristocracia do antigo regime, argumentando que de modo algum podem ser concebidos como paralelos históricos, pois os capitalistas não reinam sobre um território conquistado (fatia de mercado), mas sim estão subordinados à simpatia de súditos (consumidores), que certamente os abandonarão ao passo que não forem mais capazes de ofertar um bem ou serviço qualitativamente superior e mais acessível, aqueles promovidos por seus concorrentes. Outro aspecto retomado é a historicidade do sistema, tendo como seu antecessor o feudalismo, sistema que acabou por gestar um grave problema social na Inglaterra pré-Industrial do século XVIII, que na época contava com uma população de seis a sete milhões de habitantes. Dessas pessoas, estima-se que mais de um milhão eram acometidos pela indigência. Foi desse cenário que emergiram as bases do capitalismo moderno, caracterizado pelo processo de produção em massa voltada para satisfazer as necessidades das massas, diferentemente das antigas indústrias de beneficiamento, de proveito exclusivo das elites. Evidentemente, os padrões de trabalho e vida durante o famigerado capitalismo selvagem do ponto de vista contemporâneo eram extremamente baixos. No entanto, o autor defende que a narrativa do horror a origem da Revolução Industrial Inglesa está ancorada em um forte anacronismo histórico e fornece como evidência a seguinte estatística: durante o período referido compreendido entre 1760 e 1830, a população inglesa dobrou. Quanto ao cruel uso da mão de obra de mulheres e crianças, ressalva que eram práticas correntes anteriormente, que esses indivíduos recorreram ao trabalho fabril por não disporem de outras alternativas de subsistência.

Segunda Lição: O Socialismo.

Como ávido defensor daquilo que viria a ser mais propriamente conceituado por Hayek sob a alcunha de “Sociedade Espontânea e Expandida”, o precursor da Escola Austríaca choca contra o modelo centralizador planificado de uma economia socialista. A tão controversa problemática do cálculo econômico é alegada, pois o sistema de preços (somente possível em um mercado de múltiplos ofertantes) não só informa o consumidor, mas também se traduz em um meio primordial para a apreensão do processo produtivo por parte dos empresários que disputam entre si fatores intermediários, tais como as matérias-primas, maquinário e inclusive os salários pagos à mão de obra. Tais cálculos não podem ser empreendidos sem o fornecimento de preços pelo mercado. O autor esclarece em seguida que o chamado “Experimento Soviético” apenas se mantinha até a presente data pelo sequestro das ordens de valor do mercado global, majoritariamente capitalista. Apresenta ainda a caracterização do sistema marxista como uma sociedade engessada, dissertando na linha de que a alegada diminuição de discrepâncias sociais supostamente efetivada pelo mesmo nada mais é do que uma falácia. Haja vista, dentre outros pontos apresentados, que o sistema de condicionamento total das relações sociais a estrutura estatal partidarizada afunila as possibilidades de ascensão, restringindo-a à escalada no âmbito do domínio íntimo do partido, exacerbando a diferença de poder entre uma restrita cúpula política e o cidadão médio do regime.

Terceira Lição: O Intervencionismo.

Compreendido como a inserção do Estado no papel de player de mercado, para além de sua designação base de manutenção da ordem, por vias da interferência nos preços, padrões salariais, taxas de juros, bem como pela administração direta de empresas estatais, medidas essas que acabam por redirecionar as atividades produtivas para longe do arbítrio dos consumidores imperante em um livre mercado.

Como exemplo de uma política intervencionista, o texto aborda a recorrente proposição do tabelamento de preços, que tende a ganhar tração em função das queixas populares gestadas pelo aumento dos preços ocasionados pela expansão da base monetária levada a cabo pelo próprio Estado, aumentando, portanto, a oferta de papel moeda circulante, o que consequentemente descamba na perda do poder de compra da moeda dada a lei de oferta e demanda.

Logo, os governos tendem a um gesto populista de fixação de preços, principalmente para alimentos tidos como essenciais, a exemplo, o leite. Tendo em vista o congelamento do repasse final ao consumidor, os produtores que têm de lidar com o aumento de seus insumos veem-se forçados a reduzir margens ou operar em prejuízo, o que os leva a migrar de atividade ou mesmo encerrar suas empresas, resultando na escassez do produto, que em tese seria assegurado.

Conclui-se, por via desta exemplificação, que toda e qualquer interferência governamental nos mecanismos de regulação do mercado conduz a efeitos negativos a nível sistêmico.

Quarta Lição: A Inflação

A obra apresenta uma interpretação do fenômeno inflacionário, considerando-o essencialmente monetário. De acordo com esta perspectiva, a inflação é causada pelo aumento na oferta de moeda, resultando na perda do poder de compra da unidade monetária, conforme já exposto na terceira lição. Além disso, o texto argumenta que o processo inflacionário também oferece uma opção de arrecadação para os governos, que, diante do aumento de seus gastos, acabam por contrair empréstimos junto a seus bancos centrais. Quando estes não possuem meios para reunir o montante solicitado, optam por imprimi-lo, uma manobra possível graças ao efeito retardado do ajuste dos preços e ao acesso imediato do Ente governamental e seu alto funcionalismo a recursos sem lastro produtivo, em detrimento das camadas populares.

Quinta Lição: O Investimento Estrangeiro

Um grande elemento constitutivo na distinção entre países considerados desenvolvidos e em desenvolvimento é o montante de capital investido per capita, que viabiliza o aprimoramento tecnológico dos elementos de produção, como o maquinário fabril, possibilitando uma maior capacidade da mão de obra em agregar valor às mercadorias, ou seja, expandir sua produtividade marginal, resultando em salários proporcionais a essa produtividade. Neste contexto, o acúmulo de capital, tanto em economia doméstica quanto em macroeconomia, é uma variável crucial, sendo o tempo um fator determinante. Os ingleses começaram a poupar antes de todas as demais nações, consequentemente passaram a reinvestir o excedente em negócios, o que assegurou o domínio britânico do século XVIII até o final do século XIX.

Quanto a outros métodos apropriados para acelerar o desenvolvimento das nações emergentes, o investimento estrangeiro é uma opção viável. Foi justamente ele o responsável pela diminuição da vantagem inicial da Grã-Bretanha, sendo público e notório que a maioria dos países europeus, incluindo os Estados Unidos, tiveram boa parte de sua infraestrutura, em especial suas ferrovias, construídas com aporte de capital britânico. Outra evidência dessa colaboração é a declaração do sociólogo Herbert Spencer (1820-1903): “Olhe para a Europa continental. Todas as capitais europeias têm iluminação porque uma companhia britânica lhes fornece gás”.

Considerando que a inserção de recursos estrangeiros em uma economia está condicionada à relação de confiança estabelecida entre o investidor e o território que receberá o capital, os aportes são realizados com a esperança de não serem expropriados. Contudo, é importante ressaltar que essa relação frutífera foi abalada no início do século XX, com a ascensão ao poder do Partido Comunista Russo, que se recusou a honrar os débitos contraídos pelos antecessores do governo czarista. Tais débitos incluíam cerca de vinte bilhões de francos de ouro emprestados pelos franceses nas duas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial. Desde então, a desconfiança em relação à instabilidade política e jurídica de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento tem impedido a evolução de suas respectivas escalas produtivas.

Sexta Lição: Política e Ideias   

A frustração com o sistema constitucional parlamentarista, introduzido em fins do século XVIII e início do XIX, deu-se em virtude da influência da mentalidade intervencionista, pela qual tornou-se justificável conceder privilégios, subsidiar grupos específicos, o que, manifesto em natureza política, deu origem ao que hoje chamamos de corporativismo ou política de grupos de pressão. Movimento totalmente contrastante ao espírito de empenho das discussões legislativas, em vista do convencimento de opositores e a demarcação de uma posição majoritária concernente ao bem comum, que, segundo o economista, inspirou a proposição do modelo representativo. Cenário esse que suprimiu o surgimento de autênticos partidos políticos de determinação ideológica, reduzindo a atividade política a mera disputa pela obtenção de vantagens econômicas específicas para determinados setores sociais, que serão, por sua vez, bancadas pela somatória total dos impostos recolhidos das demais parcelas de uma sociedade. Corruptela essa responsável pela infâmia crescente das democracias representativas no mundo ocidental.

Conclusão

Ao finalizar a exploração das seis lições de Ludwig von Mises, torna-se evidente a profundidade e a relevância de suas análises para a compreensão dos fundamentos econômicos e sociais. Mises, por meio de sua praxiologia e da aplicação rigorosa de princípios axiomáticos, oferece inferências valiosas sobre a natureza da ação humana e o funcionamento dos sistemas econômicos.

A partir da abordagem das lições sobre o capitalismo, o socialismo, o intervencionismo, a inflação, o investimento estrangeiro e a política, emergem reflexões que ecoam além de seu tempo e espaço originais. Ele argumenta em favor de uma ordem social baseada na liberdade individual, na coordenação espontânea dos mercados e na limitação do poder estatal sobre a economia e a sociedade.

Ao examinar criticamente os modelos socialistas e intervencionistas, o economista destaca os riscos do planejamento centralizado, a perda de eficiência econômica e os incentivos perversos que surgem quando o Estado se torna um agente ativo na regulação dos mercados. Ademais, sua análise sobre a inflação e o papel do investimento estrangeiro oferece insights importantes sobre os subterfúgios utilizados pelo estamento burocrático para a manutenção de suas superestruturas e as dinâmicas globais de desenvolvimento econômico.

Por fim, ao evocar sua perspectiva sobre os desdobramentos da política e das ideias em sua época, Mises lança luz sobre os desafios enfrentados pelas democracias representativas na contemporaneidade, advertindo contra a corrosão dos princípios democráticos por interesses corporativos e grupos de pressão. Assim, ao considerar suas lições, somos lembrados da importância da liberdade individual, isto é, da livre associação, que se traduz em um sistema de preços orgânico, e da vigilância contra os excessos do poder estatal. Esses princípios continuam a fornecer orientação valiosa para aqueles que buscam promover sociedades materialmente mais prósperas e livres.

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